O recuo do centro-esquerda, o renascimento das cinzas da direita berlusconiana, a alta votação do movimento do humorista de esquerda Beppe Grillo e o forte fracasso eleitoral de Mario Monti, chefe do governo técnico que radicalizou as políticas de austeridade, foram indiscutíveis e confusas formas de rejeição da população ao presente que vive e ao futuro que lhe apresentam como inevitável.
Na Itália como em enorme parte da Europa, as passadas promessas sobre a nova sociedade pós-moderna mostram-se em sua plena imaterialidade. As grandes indústrias abandonaram o país à procura de força de trabalho – se possível semiescrava – e o enorme ralo da crise engoliu a prometida economia pós-industrial a ser construída sobre o terciário, a tecnologia, o design, a informática, o turismo, as finanças, as dinâmicas médias e pequenas empresas.
Sob os duros golpes da recessão; do desemprego; dos cortes de gastos, investimentos e das políticas públicas; da desregulamentação e precarização das relações trabalhistas; da verdadeira enxurrada de taxas e impostos nacionais, regionais e municipais, a Itália transformou-se em uma espécie de cemitério de pequenos e médios negócios e indústrias que fecham as portas comumente sem anunciarem os prédios para venda ou aluguel, mais do que improváveis.
A perplexidade da população é enorme, pois há consciência de que o caminho trilhado levou ao desastre e que as soluções apontadas indicam a mesma trilha. A direita berlusconiana renasceu das cinzas do incêndio que ateou e alimentou por doze anos, agitando promessas fantasiosas de menos impostos, mais trabalho, mais consumo. Beppe Grillo construiu seu Movimento Cinco Estrelas com o projeto de tudo botar abaixo sem indicar minimamente como reconstruir.
A Itália e a Europa Ocidental vivem uma crise epocal. No Velho Continente acelera-se o inexorável eclipse da sociedade de bem-estar social geral mínimo, quanto à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia, à segurança, à aposentadoria construída nos dois últimos séculos, através de duríssimas lutas populares e operárias e, no século passado, alimentada pela poderosa ameaça da expansão da sociedade socialista.
No final desse longo ciclo depressivo, sobretudo a Europa frágil e periférica – Portugal, Espanha, Itália, Grécia etc. –, mas também seu núcleo duro – Alemanha, Holanda, França, etc. – emergirão desfigurados social e espacialmente por reconstrução que espelhará ao seu modo o nosso chamado Terceiro Mundo.
O continente se apresentará como a pele de um leopardo envelhecido, onde manchas de riqueza se sobrepõem a amplos espaços sociais e geográficos de pobreza. Um cenário que poderá dar lugar a movimentos de reindustrialização, apoiados em classe trabalhadora reeducada à semiindigência normal na periferia do mundo e nos países emergentes!
Na longa, fastidiosa e estreitamente controlada campanha eleitoral italiana, apenas um micro-partido levantou-se propondo política de restauração social do país e do continente, através da estatização do sistema bancário, que literalmente vampiriza o país; de nacionalização das já poucas grandes empresas que esperam apenas financiamentos públicos para abandonar a Itália; de rejeição de uma imensa dívida pública, impossível de ser paga, a não ser através da destruição social que progride a galope solto através do Velho Continente.
Mas apenas uma vez, e uma só vez, o micro Partido Comunista dos Trabalhadores (PCdL na sigla em italiano) teve direito de aparecer na televisão pública italiana, por uma hora, com indiscutível impacto e sucesso, reconhecido até mesmo pela imprensa conservadora.
O PCdL, o único partido a se apresentar com a foice e o martelo que já dominaram o coração do eleitorado popular italiano, exerceu um seu direito constitucional, transformado em concessão magnânima, no segundo canal público italiano (RAI 2), enquanto no primeiro (RAI 1) acontecia o célebre Festival de San Remo, talvez a única unanimidade nacional italiana, ao lado do café expresso e do azeite de oliva.
Fonte: Correio da Cidadania.