Realmente do que se trata é de privatizar os direitos, dentro da mais estrita fidelidade aos dogmas ultraliberais.
Ainda lembro aquelas explosivas declaraçons do empresário ourensano Adolfo Domíngez (curiosamente venerado por certa progressia galeguista, quando sempre foi um altofalante do PP) em que pronunciou umha frase que produziria muitos títulos de imprensa; a frase era "um nom tem direito ao que nom pode pagar". Era umha espécie de anúncio do final de um ciclo, de facto foi nos alvores da atual crise que pronunciou aquelas palavras. O classismo ferinte das suas afirmaçons nom era o pior de todo, ainda que evidentemente toda a massa de trabalhadores e trabalhadoras que durante décadas acreditou na ilusom de que "tod@s somos classe média" tivesse bastantes motivos para se sentir ofendida. Provavelmente o substrato mais retrógrado das suas declaraçons estava na impúdica equiparaçom entre "conquistas sociais" dentro do mercado, ou seja, necessidades que sempre fôrom objeto de mercadoria, mas que se convertêrom em "aspiraçons socialmente partilhadas" e direitos legalmente reconhecidos como universais ou como fundamentais, e que portanto o Estado tinha o dever de garantir.
Assim, o ideologicamente muito liberal empresário do têxtil, ainda que na prática hiperprotegido e supersubsidiado por governos de toda cor, sustentava que o "grátis total" nos serviços públicos tinha que acabar, igual que um nom podia aceder a certos serviços e bens de consumo se nom estava disposto a os pagar ou nom lhe dava a renda para suportar as despesas que lhe supunha pagá-los. Ou seja, os serviços sanitários e sócio-sanitários estavam colocados à mesma altura que ir ao cinema ou ao futebol e a educaçom era o mesmo que adquirir roupa de marca, ou comprar um carro de gama mais ou menos superior.
Nesta linha, mas indo um bocado mais longe, estám este tipo de medidas que exigem dinheiro por fazer uso de um parque ou umha praça, ou por ocupar a via pública, ou a famosa "Ley Gallardón", que suprime os registos gerais das administraçons públicas e deixa as suas funçons em maos dos notários, que encarece a justiça, etc.
Imaginai que tipo de sociedade nos espera: umha sociedade onde exercer o direito à manifestaçom estaria acoutado a quem pudesse satisfazer fianças de milhares de euros, umha sociedade em que preitear contra as administraçons que vulneram os teus direitos estaria só em maos dos ricos, umha sociedade onde o direito à petiçom diante dos poderes públicos é fonte de lucro para determinados profissionais e onde tal direito se converte também num luxo... imaginemos mais; porque nom imaginar por exemplo que o direito ao voto está também privatizado? No fim de contas, isto já acontece noutros países, onde os censos eleitorais som geridos por empresas privadas e para se inscrever há que pagar. E o direito a opinar? Imaginades que os próprios meios de comunicaçom públicos cobrassem ao pessoal por fazer manifestaçons perante o microfone a favor disto ou em contra daquilo? E o direito à informaçom? Podedes imaginar que em qualquer janela da administraçom o empregado público de serviço cobre umha taxa ao administrado que lhe solicitar informaçom sobre qualquer tema? Pois a fenda entre presente e futuro cada vez é mais estreita.
E pensar que é na sua Constituiçom que o Estado espanhol se proclama "social, democrático e de direito"! Evidentemente, quanto menos social (e o que realmente podia ter de social o estám a desmantelar) menos democrático poderá ser, e também menos de direito, toda vez que aquilo que formalmente era igual para tod@s agora vai ser objeto de compra e venda, e será para quem o puder pagar. Realmente, privatizar direitos é o que implica suprimir de facto liberdades. Desde o momento em que elevar umha petiçom a umha administraçom pública ou recorrer ou alegar perante umha decisom administrativa ou judicial vai levar implícita umha dissuasom económica, a liberdade formal deixa de ser real.