Todos - do "El Mercurio" chileno ao brasileiro "O Globo"- salivam em expectativa. A torcida? Pelo soçobro da experiência bolivariana, é claro. A própria condução das matérias -insistindo no rótulo "chavismo", como algo descolado do povo venezuelano (1)- não deixa dúvidas sobre o enfoque ideológico, mas não é preciso aqui repisar o caráter classista da grande imprensa. Por sobre tudo, a discussão jurídica: se Chávez poderá tomar posse na data constitucionalmente prevista e, em caso negativo, quais as consequências.
Penso que a doença de Chávez é a prova de fogo da experiência bolivariana. O personalismo é deletério, e isso não se aplica apenas -mas principalmente- a revoluções. Qualquer aspecto da vida civil, que venha a depender de um único sujeito -de uma empreitada comercial a uma família- ficará em maus lençóis caso esse sujeito lhe falte um dia. Que dirá de uma revolução? Mesmo burguesa, mesmo uma simples insurreição, um levante, um rápido enfrentamento, uma barricada- são processos coletivos. A socialista, em especial, será "obra coletiva de um amplo conjunto de forças antagônicas à ordem burguesa e, sobretudo, da ação das massas proletárias e de seus aliados" (2). E não poderia ser diferente, afinal a "emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores" (3). Nesse processo, há nomes que se destacam; mas por estarem inseridos -e representarem- um contexto. Isto é, "a força dos 'chefes' e dos 'herois' reside antes de tudo na sua concordância com o caráter das classes e das camadas sociais que os apoiam" (4).
Voltemos à Venezuela. Há personalismo? Apenas um ingênuo negaria; veja-se por exemplo a dificuldade que é lembrar o nome de algum dirigente venezuelano que não Chávez. Porém -e isso faz toda a diferença- é uma tendência que o próprio processo tende a repelir. Em poucos lugares do mundo a democracia participativa (direta) tem sido tão fomentada. É condição sine qua non da revolução socialista: a autoorganização soviética dos trabalhadores (redundância, mas em questão de princípios não faz mal ser redundante). Não o "partido" ou o "líder", e sim a própria classe ditando -e implementando- os rumos. O personalismo em Chávez, assim, tende a se diluir, conforme o processo avance. A sobrevivência do mesmo -o processo- depende disso.
Poderão objetar que a democracia participativa venezuelana é limitada e/ ou dolosamente manipulada pelo governo. Não se pode negar, ainda assim, que é muito melhor exercida do que aqui no Brasil, por exemplo- nossa Constituição prevê uma série de medidas de caráter democrático-direto (5) mas, francamente, será que alguém os leva a sério? Nesse quesito, estamos anos-luz atrás da experiência venezuelana, limitada que seja.
Tal fomento ao exercício democrático (repito: mesmo que se limite ao horizonte do institucionalismo burguês) bem como os eixos bolivarianos (stricto sensu, porque remontam a Bolívar em pessoa) -integração latinoamericana e autonomia frente ao imperialismo- bastam, penso eu, para que os progressistas do mundo inteiro cerrem fileiras com Chávez. Não de forma acrítica ou seguidista; o teor do apoio deve ter como determinante o caráter de classe daquilo que se apoia. Daí repetir que, com ou sem Chávez, a revolução bolivariana deve avançar. Não há "timoneiro" senão a classe trabalhadora- se se trata mesmo de uma revolução.
Notas:
(1) Dentre inúmeros exemplos: "Chavismo se presenta unido mientras Chávez batalla contra infección severa" - http://bit.ly/VD0gRt
(2) "Carta aos verdadeiros comunistas", de Ivan Pinheiro, documento do XIV Congresso do Partido Comunista Brasileiro- PCB, 2009. O texto se refere à revolução brasileira mas, naturalmente, podemos dar-lhe um alcance maior.
(3) Dos documentos fundacionais da Associação Internacional dos Trabalhadores (1ª Internacional), 1864 - http://bit.ly/Xejq1p
(4) Leon Trotsky, "A Revolução Traída" (1936).
(5) Vide o art. 14 e seus incisos: referendos, plebiscitos, projetos de lei por iniciativa popular...