O atirador, Adam Lanza, que se suicidou no local, era um jovem de 20 anos que sofria de uma perturbação mental não diagnosticada. Usou duas pistolas e uma metralhadora de assalto que a mãe, que também matou, coleccionava. Desde a tragédia, passeiam-se polícias pelos corredores da minha escola e alguns pais já compraram mochilas à prova de bala.
Agora, uma América em choque embriaga-se nos detalhes sórdidos da biografia do assassino, procurando compreender o incompreensível na loucura, maldade ou solidão de Adam Lanza. Mas parece que a sociedade americana não está preparada para olhar-se ao espelho e discutir as causas reais do problema. Pelo contrário, o debate gerado tem como objectivo lavar as mãos como Pilatos: Cientistas do governo, ocupam-se a dissecar o cérebro do assassino em busca da assinatura genética do massacre; a comunicação social, continua a debater a perigosidade do suposto autismo de Lanza, lançando um perigoso libelo de sangue contra os portadores de doenças mentais (e os autistas em particular). E um pouco por toda a imprensa, continuam-se a alvitrar mais e mais idiotas explicações: Adam Lanza jogava videojogos violentos, ouvia música metal, era satânico, não tinha amigos…
Da barricada republicana veio o que se esperava: confusão, vergonha e estupidez. Se a maioria dos republicanos se remeteram ao silêncio, alguns dirigentes, como o ex-governador do Arkansas ou o governador do Louisiana, atribuíram a responsabilidade do massacre ao laicismo nas escolas e sugeriram que a solução é armar os professores. A NRA foi mais longe, e avançou que a solução é mesmo armar toda a gente.
Os democratas, por sua vez, já têm na forja novas leis, que a partir de Janeiro, limitarão o porte civil de armas de guerra. É um passo positivo. Noutras circunstâncias históricas, a segunda emenda constitucional que assegura ao povo americano o direito a se armar, poderia configurar um avanço progressista nos esforços dos trabalhadores para se defender da violência do Estado. No entanto, a alta burguesia conseguiu transformar esta garantia do povo à resistência numa garantia de perpetuação das condições subjectivas da sua dominação. Com efeito, o povo mais armado do mundo nunca derrubou nenhum tirano e as suas armas apenas têm servido para os trabalhadores norte-americanos se matarem uns aos outros e para manter todo um povo perenemente amedrontado.
O medo, condição permanente da vida nos EUA: Medo dos negros, dos imigrantes, do terrorismo, do desemprego, da polícia e dos massacres. Esse medo, alimentado pelo racismo e pela ignorância, serve para manter curta a trela que os patrões seguram. Se este massacre tivesse sido perpetrado por um afro-americano, os bairros negros nas redondezas estariam ocupados pela polícia. Se fosse sul-americano, o mote seria fechar as fronteiras. Mas mais uma vez, o assassino era um jovem branco, criado num subúrbio rico e por uma família abastada. Esse é o elemento que mais tem chocado os media americanos. Como tenho ouvido jornalistas perguntar incontáveis vezes “Como é que isto pode ter acontecido AQUI?”
Loucos e assassinos há em todos os cantos do mundo. Mas só nos EUA eles têm o desejo de matar o maior número possível de inocentes e os meios legais e logísticos para o fazer. O massacre de Newtown configura um padrão que em ao largo de 2012 já reincidiu pelo menos 14 vezes. Em quase todos os casos o assassino é como Adam Lanza: jovem, branco, rico e profundamente alienado.
Para compreender porque se sucedem com tanta frequência estas catástrofes, de pouco servirá procurar estabelecer perigosos paralelos com suposto autismo do Assassino do Connecticut. Tampouco bastará apenas proibir as armas de guerra. A resposta não está em Adam Lanza nem nos estúpidos instrumentos de que fez uso. É preciso dizê-lo: o problema não são só as armas, é a natureza desumanizadora do capitalismo.
Estes massacres são gerados pela monstruosa alienação de que depende o sistema capitalista mais desenvolvido do mundo: ao separar os homens dos seus meios de produção, também se dá o apagamento da consciência de classe, o colapso da identidade colectiva e, tragicamente, a perda da própria humanidade pela violência.
Os EUA têm as suas mais profundas raízes embebidas nessa violência. Esta é uma nação fundada sobre o genocídio de milhões de índios, erguida com trabalho escravo e perpetuamente em guerra desde 1890. O discurso oficial, continua a glorificar todas as intervenções militares dos Estados Unidos e a promover o endeusamento dos soldados, de tal forma que quem não “apoiar as tropas” é automaticamente carimbado de traidor. Questionar o que fazem os soldados americanos é há muito tabu. Como seria de calcular, muitos homens norte-americanos desejam emular os seus heróis do exército, personificados no arquétipo cinematográfico do super-macho que resolve tudo à porrada e sem ajuda de ninguém. Assim, também não é de espantar que com a compra da metralhadora Bushmaster usada no massacre, se ofereça grátis um “Cartão de Homem”, que comprova que o portador da metralhadora é “um homem a sério”.
O que urge é um debate profundo e honesto sobre as raízes da violência e não apenas sobre os seus métodos e consequências: Em vez de traçar perigosos paralelos entre o autismo e a violência, há que questionar o deficiente sistema de saúde americano que em 5 anos levou ao aumento de 300% do número de doentes mentais no sistema prisional; Em vez de revolver os hábitos e os gostos individuais de Lanza, há que debater a cultura de violência e ignorância que atinge todos os americanos; Em vez de somente banir as armas, há que pôr em causa o fetiche de que são objecto e banir também o uso que lhes dá o governo de Obama noutros países.
A violência não pode surpreender a violência, nem massacre de uma escola americana pode surpreender um governo que se habituou bombardear escolas um pouco por todo o mundo.
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21 de Fevereiro - Norcross, Georgia - 4 mortos - Um homem de 59 anos assassina toda a sua família e sucida-se com uma arma comprada legalmente.
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27 de Fevereiro - Chardon, Ohio - 3 motos - um adolescente de 17 anos entra na cantina do liceu e mata 3 colegas com a arma do pai.
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8 de Março - Pittsburg, Pensilvania - 2 mortos - Um estudante universitário barrado de entrar no liceu, entra num hospício aos tiros com a arma do tio.
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2 de Abril, Oakland, California - 7 mortos - Outro estudante universitário interrompe uma aula de enfermagem, alinha os colegas contra uma parede e executa-os um a um.
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6 de Abril - Tulsa, Oklahoma - 3 mortos - Dois jovens armados com pistolas, vão "à caça de negros" num bairro pobre da cidade.
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30 de Maio - Seattle, Washington - 6 mortos - Um jovem com problemas mentais dispara uma arma legal contra os clientes de um café de que havia sido expulso.
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20 de Julho, Aurora, Colorado - 12 mortos - Outro estudante, irrompe na estreia de um filme do Batman e dispara centenas de balas com armas de guerra compradas legalmente.
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5 de Agosto - Oak Creek, Wisconsin - 7 mortos - Um ex-militar de extrema direita entra num templo Sikh com uma metralhadora compara legalmente e abre fogo contra a multidão.
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27 de Setembro - Minneapolis, Minnesota - 7 mortos - Após ser despedido, um empregado de uma empresa de publicidade, mata os seus chefes e colegas de trabalho antes de se suicidar. A arma tinha sido adquirida legalmente.
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21 de Outubro - Brookfield, Wisconsin - 4 mortos - Um ex-militar armado com uma pistola legal, assassina a esposa e três outras mulheres num spa. De seguida, suicida-se.
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21 de Novembro - Happy Valey, Oregon - 3 mortos - Um jovem de 22 anos armado com uma pistola roubada a um amigo dispara aleatoreamente contra os transeuntes de um centro comercial. Suicida-se depois de arma encravar.
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2 de Dezembro – Northridge, Califórnia – 4 mortos – Um toxicodependente mata uma família sem motivo aparente.
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14 de Dezembro - Newtown Connecticut - 27 mortos - Um jovem de 20 anos, armado com armas de assalto legais, assassina a mãe, 20 crianças, 6 professores, suicidando-se depois de se aperceber da chegada da polícia.
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24 de Dezembro – Webster , Nova Iorque – 4 mortos – Um ex-presidiário prende fogo a várias casas para emboscar os bombeiros.