Assim foi com o roubo do décimo terceiro mês, agoirado por escrito, desmentido a pés juntos e descaradamente consumado. Mais tarde, repetiu a partida com a subida dos impostos sobre o rendimento do trabalho, que tantas vezes e tão reiteradamente tinha negado.
Uma e outra vez, como na fábula de Esopo, Pedro grita “Lobo!” e logo depois clama inocência, diz que estava a brincar, ou que não o ouvimos bem. Mas ao contrário do protagonista da fábula, quando o nosso Pedro grita “Lobo” é para tornar mais suave a sua chegada e menos previsível o seu ataque. O nosso Pedro grita “lobo!” quando ainda não o pode chamar, para instalar a confusão e o medo, ao mesmo tempo que introduz sub-repticiamente a questão no debate político. No hiato que mora entre o alarme de Pedro e o seu desmentido, legiões de fazedores de opinião encarregam-se de pavimentar o caminho do lobo, trabalhando para esmorecer a revolta inicial e persuadir o país de que “no fundo nem era má ideia” ou que “secalhar não há mesmo mais nada a fazer”. Depois, Pedro, ofendido, diz não há lobo nenhum nem são necessárias mais medidas de austeridade. De seguida, quando já estiver criado o quadro da maior aceitação política possível, anuncia a disciplina do lobo.
É precisamente isso que se está a passar com o alvitre de introdução de propinas no ensino secundário. Quando Pedro Passos Coelho gritou “lobo!” e falou de um “sistema de financiamento mais repartido entre os cidadãos e a parte fiscal directa que é assumida pelo Estado” sabia muito bem o que estava a dizer. O fim da escola pública é há muito um sonho molhado da direita revanchista, empenhada num derradeiro ajuste de contas com Abril. Vem avançando furtivamente há décadas, à boleia do progressivo desinvestimento e desresponsabilização do Estado, no assalto à gestão democrática das escolas, em sucessivas revisões curriculares de carácter elitista e ao sabor da coragem anti-democrática dos sucessivos governos PS, PSD e CDS-PP. Mas o que aí vem, é um ataque à educação pública sem precedente histórico e com dimensão de retrocesso civilizacional. Se sobrarem, dúvidas, recordem-se as anteriores palavras do próprio Pedro Passos Coelho, quando em 2010 defendeu ao i a “introdução de co-pagamentos pelos serviços prestados” na educação.
Como na fábula de Esopo, Pedro anuncia um perigo real que apenas ainda não se concretizou. Mas esta estratégia acarreta um elevado custo: como na fábula, Pedro enganou tantas vezes o povo que este deixou de acreditar nele e o descrédito em que caiu acabou por lhe custar o rebanho. O nosso Pedro segue o mesmo caminho: quando desmente alguma coisa, é o mesmo que a admitir; quando nega uma frase é o mesmo que a reafirmar.
O redemoinho de mentiras e contradições que segue Pedro Passos Coelho esboroa os limites entre legalidade e legitimidade. Qual é a legitimidade política de um governo desacreditado, na clandestinidade, que foge do povo e lhe reage com tiques fascizantes? E qual a legitimidade da legalidade em que esse governo precariamente se balança?
Independentemente de Pedro Passos Coelho pretender executar já ou depois a sentença do Ensino Público, o desconforto gerado é real e pode acelerar a já inevitável queda do governo. É bem-feita: quem não quer ser lobo não lhe veste a pele.