Escrevo este artigo alguns dias depois de transcorridas as eleições catalães. Isto pode fazer perder a novidade do tema, mas permite que se decante as ideias e se possa escrever já após os meios de comunicação terem dado sua opinião. Neste caso, mais uma vez, a mídia brasileira e a espanhola deram demonstração de sua independência, ao dizerem que o independentismo foi derrotado nas eleições. Reafirmam assim sua independência em relação à verdade e à realidade, pois foi justo o contrário o que ocorreu. Esses meios de comunicação – chamar de meios de informação seria um equívoco, ou no mínimo um exagero – não o fazem apenas por sua vocação intrínseca contra as grandes causas populares, mas tem um motivo mais direto para reverberar essa falácia: seu compromisso com as políticas de austeridade e com o setor financeiro. Esta é a grande lição das eleições catalães: o independentismo foi o grande vitorioso, mas não qualquer independentismo, mas aquele que quer construir não só um outro país, mas um novo país de verdade, que garanta os direitos populares, não só o direito à soberania e autodeterminação nacional.
Venceu nas urnas o independentismo contra a austeridade. Os catalaẽs deram tanto um fragoroso sim à independência quanto um tão forte não à austeridade. (E, é preciso chamar a atenção que é uma falsa austeridade, pois amplia os déficits transferindo recursos populares para a mão do empresariado, em particular os banqueiros. É pura trampa!)
Para provar isso é só fazer algo que a mídia faz cada vez menos: se ater aos dados da realidade! Primeiro, vamos provar a vitória nesta eleição dos que chamaremos soberanistas, pois incluem os abertamente independentistas e os que estão pelo direito de se decidir, o que significa que apoiam a realização do referendo independentista. Neste grupo encontram-se, o CiU, a ERC, os ICV-EUiA, CUP e SI. Nas eleições de 2012, os soberanistas obtiveram 2.140.317 votos, contra os 1.334.149 votos dos Unionistas (aqueles que de uma forma ou de outra são contra o referendo independentista, como PP, PSC e C's). São 806.168 votos à mais para os soberanistas que para os unionistas! Se forem considerados apenas os votos nos partidos que se elegeram parlamentares, a vitória é ainda bem clara: 2.094.415 votos para os soberanistas e 1.269.455 para unionistas, com 57,7% para os primeiros e 35% para os segundos.
E, ainda mais importante, esta foi uma eleição com um índice de participação jamais vista, com quase 70% dos eleitores inscritos votando, o que só demonstra a importância do debate e o estado de ânimo na Catalunya. E, também demosntra que todos os lados – soberanistas e unionistas – se mobilizaram como nunca. Mas, com todo o esforço feito pelo unionistas, dos mais de meio milhões de eleitores que afluíram em 2012 a mais do em 2010, os soberanistas ganharam 344.735 votos contra 185.144 dos unionistas. Logo, com a mobilização, os independentistas que estavam incrédulos e desesperançosos emergiram e foram às urnas e acrescentaram 159.591 votos novos à mais que todo o unionismo conseguiu. E, uma breve olhada num mapa eleitoral demonstrará que em exíguos lugares os unionistas venceram os soberanistas. Em Barcelona, por exemplo, os soberanistas derrotaram os unionistas com 476.363 votos contra 363.781, 112.582 votos à mais!
Esses votos se expressaram num Parlamento que ficou dividido desta maneira: 87 cadeiras para soberanistas (64,44%) e 48 para unionistas (35,56%). Logo, os soberanistas ficaram à apenas 3 cadeiras de terem 2/3 do Parlamento. Pergunto-me: se para a mídia 2/3 é derrota, o que será uma vitória? Se forem comparados apenas os resultados entre os partidos que elegeram parlamentares abertamente favoráveis à independência e os que elegeram parlamentares contra a independência o resultado seria ainda uma fragorosa vitória: independentistas (CiU, ERC, CUP) tiveram 1.735.558 votos (57,75%) e conquistaram 74 cadeiras no Parlamento (lembrando-se que para maioria absoluta são necessários 68 deputados) o que representa 60,66% das cadeiras; por sua vez, os contrários à independência (PSC, PP e C's) tiveram 1.269.455 votos (42,24%) e 48 parlamentares (39,34%).
Contudo, a grande vitória do independentismo não se deu no último domingo, mas sim em 11 de setembro. Até esta grande manifestação o CiU sempre tivera uma política de negociar uma melhor posição dentro da Espanha para a Catalunya, como demonstrou todo o governo de Jordi Pujol à frente da Generalitat durante 1980 e 2003. O CiU nunca foi de fato, nem claramente, independentista. Na verdade, Artur Mas apostou na negociação com Madrid até o final. Com a multitudinária manifestação do Dia Nacional da Catalunya, com dois milhões pela independência em Barcelona, ele acreditava que teria a possibilidade de negociar com Mariano Rajoy um pacto fiscal, utilizando é claro o argumento de que se isto não ocorresse o independentismo seria a única via. Com a recusa de Rajoy, não mais restou que mudar de posição, atendendo por um lado o clamor popular e acreditando assim reforçar suas posições políticas – compensando o desgaste crescente por sua política de austeridade, de destruição do Estado de Bem-Estar Social e ataque aos direitos dos trabalhadores. Isto significa que o crescimento do independentismo foi ainda maior: passou de 14 deputados na eleição de 2010 (10 do ERC e 4 do SI) para 74 deputados (50 do CiU, 21 da ERC e 3 da CUP)!
O recuo do CiU eleitoralmente não foi um recuo por seu giro gigantesco de política ao assumir o independentismo. Afinal, em 2010 teve 1.202.830 votos e em 2012 teve 1.112.341 votos. Teve uma perda de 90.489 votos (7,52%), deixando de fato é de ganhar votos com o crescimento da votação.
O seu recuo não se deu por sua conversão ao independentismo – por mais que essa súbita mudança de posição, quase uma epifania, possa parecer à muitos dos eleitores independentistas mero oportunismo (e é). De fato, o que ocorreu foi uma derrota da sua política de austeridade. Pois, veja-se que o maior crescimento nas eleições não foi dos unionistas, nem mesmo houve uma migração de votos do CiU para estes. Da eleição de 2010 para 2012 os Unionistas perderam uma cadeira na soma total de PP, PSC e C's. O CiU perdeu 12 cadeiras e os outros soberanistas ganharam 13 cadeiras! Estes outros soberanistas (os independentistas do ERC e CUP e os defensores do referendo do ICV-EUiA) são exatamente aqueles que são contra a política de austeridade. Logo, se comprova que a migração de votos se deu num duplo sentido: pela independência e contra a austeridade. Até mesmo entre os unionistas, o partido que mais cresceu foi exatamente aquele que é contra a austeridade, o C's, que passou de 3 deputados para 9. Já o grande derrotado nesta eleição foi o PSC que caiu da segunda posição para a terceira posição, de 28 deputados para apenas 20. Essa grande punição é uma punição dobrada por ser ao mesmo tempo contra a independência e a favor da austeridade.
A imprensa mundial não perdoa os catalães por num momento de retirada de direitos esse povo ter a coragem não só de se manifestar nas ruas mas derrotar nas urnas essa política. E, não só isso: é um povo que luta para alcançar mais um direito, negado a tantos: o direito à sua autodeterminação, ao direito de se libertar da opressão nacional. É mais que passada a hora de que a esquerda mundial some seus esforços e apoios aos catalães. É em Barcelona, novamente, mais de 70 anos depois, que se joga a partida principal da luta de classes mundial. Lá está a chave da situação mundial. A derrota do independentismo de esquerda seria a derrota dos que lutam contra a asuteridade e uma fragorosa vitória do capital internacional. A vitória seria o refluxo das políticas de austeridade e um reforço à lutas populares e nacionais como as dos palestinos. Por isso, viva a Catalunya livre, independente e socialista! Visca Catalunya lliure, independent i socialista!