Ao contrário, agravou-se, apesar da injecção massiva de milhares de milhões de dólares e euros nos sistemas bancários e financeiros pelos bancos centrais europeu, americano e de vários outros países. A crise instalou-se e alastra sem fim à vista, há países à beira da bancarrota, a União Europeia e o Euro ameaçam desmoronar-se. Cresce a miséria e o desemprego, atingindo valores nunca vistos, o "estado social" é declarado um luxo e substituído pela caridadezinha, tudo isto prenunciando uma catástrofe social em larga escala. Enquanto isso os muito ricos estão cada vez mais ricos e apostados em levar a actual guerra do capital contra o trabalho até ao fim.
É A GANÂNCIA, ESTÚPIDO...
Entrámos no quinto ano da crise que pôs fim a uma das grandes ilusões dos últimos 20 anos e do liberalismo económico: a de que não vinha nenhum mal ao mundo com as fortunas instantâneas e o enriquecimento ilimitado através da especulação imobiliária; de que, ao contrário do que sustenta o (segundo eles) falido marxismo, os mercados se auto-regulavam, estando portanto ultrapassada a época das crises cíclicas do capitalismo, por obra e graça da globalização económica. À falência da incensada teoria sobre o fim da história seguiu-se a das teorias económicas liberais e neoliberais.
A crise estoirou porque o bancos deixaram de ter liquidez, ou seja, deixaram de ter dinheiro real, vivo, em caixa para poder pagar os juros aos especuladores e fazer face aos compromissos correntes. Os dados aparecidos na imprensa económica permitem compreender como se chegou aqui e, mais importante, saber que ela foi talvez o mais importante sistema de drenagem da riqueza das classes trabalhadoras para ricas. A tal "bolha imobiliária" nasceu e cresceu nos EUA, estendendo-se a todo o mundo, com a democratização do crédito à habitação, com a baixa do preço do dinheiro (baixas taxas de juro), que em 10 anos caíram dos 13% para os 3% ao ano, e o alargamento dos prazos das amortizações dos 25 para os 50 anos. Com as classes médias e mesmo algumas camadas proletárias a dispor de mais dinheiro, permitindo-lhes assim investir em bens duradouros, na compra de casa própria e no imobiliário, a procura cresceu e com ela os preços das habitações, que foram ficando cada vez mais caras, com o valor dos imóveis a crescer por vezes acima dos 10% anuais, enquanto os salários cresciam a menos de 3%. Ou seja, o imobiliário tornava-se numa forma rápida e fácil de enriquecimento. Para os menos abonados, uma boa forma de juntar um pecúlio capaz de acautelar o futuro.
Dez anos após o início deste processo especulativo (não foi o único, basta que nos lembremos dos famosos "produtos financeiros" com que a banca nos aliciava, sobre os quais nada sabíamos mas, sabemos agora, muitas vezes não passavam de simples fraude, porque a nada correspondiam), o metro quadrado de habitação já custava o dobro, enquanto os salários haviam subido menos de um terço. Mas como o juro era baixo, a escalada dos preços no imobiliário não se fazia sentir no bolso do consumidor, para quem o crédito parecia não ter fim. Tudo parecia correr bem.
Este esquema especulativo, tipo negócio em pirâmide, foi funcionando sem problemas enquanto as taxas de juro se mantiveram baixas, permitindo um fluxo continuado e crescente da procura, ou seja, a entrada de dinheiro vivo em quantidade. Com lucros garantidos de 10 a 15% anuais (melhor só se consegue com o tráfico de droga, armas e seres humanos), os especuladores não deixaram escapar a oportunidade de inundarem o mercado, geralmente com dinheiro emprestado pela banca, comprando casas que mantinham depois vazias por dois ou três anos, revendendo-os então 20 a 40% mais caros. Com o açambarcamento, a oferta imobiliária reduziu-se, o que se traduziu num aumento ainda maior dos preços das casas, que dispararam.
Enquanto isso, a construção civil, respondendo às necessidades do mercado, passou a construir desenfreadamente para vender principalmente aos especuladores, para açambarcamento. Foi o tempo áureo das políticas do betão, para contentamento dos políticos que diziam que aquilo era crescimento e desenvolvimento económico, e alegria dos construtores, especuladores e mercados financeiros, que lucravam como nunca nesta economia de casino – a valorização dos capitais aplicados pelos especuladores não corresponde a criação de riqueza.
Como era o crédito barato que alimentava a especulação praticada pelas entidades financeiras gestoras de fundos de investimento e de pensões, seguradoras, imobiliárias, e banca, tudo se complicou em 2005, quando o Banco Central Europeu, a Reserva Federal Americana e o banco central de Inglaterra decidiram aumentar as taxas de juro de referência, preocupadas com as tenências inflacionistas e o fraco crescimento das suas economias. Lentamente uma onda subterrânea começou a crescer, fazendo sentir os seus efeitos dois anos depois, quando as taxas de juro se tornaram insuportavelmente altas e as exigências bancárias para atribuição de crédito se apertaram, reduzindo os anos das amortizações e passando a exigir fiadores e outras garantias de solvência, o que provocou a drástica redução da procura. Chegava assim ao fim o tempo do dinheiro barato, do crédito fácil, e com ele a possibilidade das pessoas comuns poderem suportar os preços inflacionados das habitações que haviam comprado ou de adquirir novas casas. As dívidas à banca acumularam-se e cresceram, tornando-se incobráveis, o que provocou um corte nos circuitos de circulação do capital. Até que em Setembro de 2007 faliu o primeiro banco e se perfilou a possibilidade real das falências em dominó, obrigando os bancos centrais a correr em seu socorro, injectando milhões atrás de milhões, e os governos a procederem ao esbulho do povo para que o grande capital não seja beliscado nos seus interesses.
FIM DE FFESTA
Agora assiste-se a um fenómeno curioso e impensável à três anos atrás, que é o dos bancos, seguradoras e grupos financeiros realizarem leilões de casas tornadas devolutas pela impossibilidade dos seus "proprietários" poderem pagar os empréstimo e hipotecas. Os preços descem, nalguns países significativamente, como nos EUA, Espanha e Portugal, mas estão longe de animar um mercado da habitação (venda e aluguer) acessível, de acordo com a realidade económica dos respectivos países e os rendimentos de quem trabalha. As "ondas de choque" já chegaram ao nosso país e vão fazer-se sentir com toda a força nos próximos anos, agravadas pelo facto de em Portugal nunca nenhum governo ter tomado qualquer medida anti-especulativa, como multar pesadamente ou expropriar os que mantém casas devolutas com fins especulativos. A nova lei das rendas, recentemente aprovada, vai tornar a habitação mais cara e os despejos sumários, atingindo com particular violência os reformados e os que viram as suas condições de vida degradar-se ao ponto de já não poder satisfazer os compromissos com a banca. Muita gente vai ser lançada na rua, bastantes sem casa e sem dinheiro, mas com uma dívida à banca. Como o Estado não tem qualquer plano social para alojar esses pessoas, o destino de muitos vai ser a rua e os bairros de barracas. A isso chama o governo dinamização do mercado da habitação.