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Matheus Rodrigues Gonçalves

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Não passarão!

Para que nunca mais aconteça: cumpra-se!

Matheus Rodrigues Gonçalves - Publicado: Domingo, 25 Novembro 2012 00:35

O dia 24 de novembro marca o aniversário da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, em decorrência das violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro durante o combate à Guerrilha do Araguaia.


A condenação ocorreu em 2010. Passados dois anos, pouco se concretizou, e importantes revezes foram registrados.

A condenação imposta pela CIDH estabelecia onze pontos a serem cumpridos pelo Estado brasileiro, a saber:

1. Conduzir a investigação e determinar as responsabilidades penais

2. Realizar todos os esforços para determinar o paradeiro dos desaparecidos

3. Oferecer tratamento médico e psicológico às vítimas que o requeiram

4. Realizar a publicação da sentença em veículo de grande circulação e em página oficial do Estado na internet

5. Realizar ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional do país

6. Implementar programa obrigatório de treinamento em direitos humanos nas Forças Armadas

7. Tipificar o desaparecimento forçado de pessoas em conformidade com parâmetros da OEA

8. Continuar iniciativas de busca, sistematização e publicação de informações sobre a Guerrilha do Araguaia, especificamente, e da ditadura como um todo

9. Pagar indenização material nos termos definidos pela Corte

10. Convocar os parentes para que, dentro de seis meses, apresentem prova suficiente que lhes permita a identificação como tais

11. Que as famílias de Francisco Manoel Chaves, Pedro Matias de Oliveira, Hélio Luiz Navarro de Magalhães e Pedro Alexandrino de Oliveira Filho possam apresentar pedido de indenização

Destes, foram efetivamente cumpridos os pontos 4, com a publicação da sentença no jornal O Globo (e mesmo assim com alguns dias de atraso em relação ao que a sentença determinava), e 7, com a conclusão da tramitação da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, criada em 1994 e parada no Legislativo brasileiro desde 2008 (ainda que não haja, até hoje, uma legislação nacional sobre o assunto). Outros pontos têm sido recorrentemente desrespeitados: a busca por desaparecidos está à míngua, carecendo de condições adequadas (tanto financeira quanto materialmente) para que ocorram de modo efetivo; o atendimento psicológico às vítimas da ditadura é praticamente inexistente e, nos locais onde existe, é realizado em grande parte das vezes não pelo Estado, mas pelas organizações de defesa de direitos humanos, como o Grupo Tortura Nunca Mais, possuindo um alcance extremamente limitado.

Neste ínterim, com o intuito de melhorar a imagem perante a CIDH e a comunidade internacional, o governo brasileiro criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a Lei de Acesso à Informação. Tais iniciativas, entretanto, representam avanços deveras tímidos, na medida em que a CNV já nasceu com prerrogativas extremamente limitadas e com pouca autonomia, além de contar com alguns membros que compartilham a noção de que existiram "dois lados" a serem investigados. A Lei de Acesso, por sua vez, até o momento não conseguiu garantir de maneira efetiva o acesso a todos os documentos do período ditatorial, condição sine qua non para o restabelecimento da memória e da verdade.

Em abril de 2010, antes da condenação, ocorreu o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do pedido interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela revisão da Lei de Anistia. Este episódio talvez tenha sido um dos mais vergonhosos da recente história política brasileira. O pedido da OAB foi negado por oito votos a dois. Palavras do então presidente do Tribunal, Cezar Peluso: "Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver." Este foi, de maneira geral, o clima das considerações dos ministros, que pareceram esquecer-se de que os crimes de lesa-humanidade – e aqui entram os crimes de tortura, desaparecimento forçado e execução sumária – não são passíveis de graça ou anistia. Não levaram em conta, ainda, os diversos estudos que comprovam o fato de que a dita reconciliação é danosa à democracia, com base em dados que comprovam que os países que não responsabilizaram os agentes ditatoriais hoje apresentam índices maiores de violência institucional, se comparados com aqueles que o fizeram. Ademais, ao seguir essa tese, os juízes do Alto Tribunal passaram por cima do direito das vítimas e dos familiares de vítimas da ditadura.

Houve também, por parte dos ministros, menção a um suposto "grande acordo nacional" no momento da instauração da Anistia, em 1979: os ministros preferiram ignorar o fato de que a Lei de Anistia aprovada não foi a sugerida pela sociedade civil por meio dos Comitês Brasileiros pela Anistia, mas a imposta pelo governo ditatorial, e que se trata, de fato, de uma auto-anistia, instituto repudiado pelo Direito Internacional: a CIDH, por exemplo, julgou em 2001 que as leis de auto-anistia são incompatíveis com as normas internacionais. O Governo Federal, por meio da Advocacia Geral da União, manifestou-se durante o julgamento do STF de maneira contrária à revisão da Lei de Anistia, também resgatando a ideia do "grande acordo nacional" para a instauração da mesma, e da importância da reconciliação nacional.

O Brasil tem a obrigação, de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 2º, de adaptar seu ordenamento jurídico interno e sua atuação em conformidade com as determinações do referido acordo internacional. A posição do estado Brasileiro, porém, e em especial a do Governo Federal, mas também no Legislativo e no Judiciário, foi bem diversa e lamentável: o STF, por se recusar a reformar a decisão que tomara contra a revisão da Lei de Anistia, mesmo após a sentença da OEA; o Governo Federal, por enviar, via AGU, em junho de 2011, um parecer ao STF no qual defendia o não cumprimento da sentença da OEA; e o Legislativo brasileiro, que rejeitou (com o apoio do governo) o projeto de lei que visava proceder com uma revisão parlamentar da referida lei, por temer, segundo os deputados que votaram contra o projeto, "reabrir velhas feridas" – feridas estas, vale dizer, que nunca cicatrizaram.

Por outro lado, medidas relativamente isoladas, porém importantes, têm prosperado Brasil afora. O Ministério Público Federal tem entrado com alguns processos na esfera penal contra militares responsáveis pelo desaparecimento forçado de militantes da luta contra a ditadura, com base no argumento – respaldado pela jurisprudência do STF – de que o desaparecimento forçado é um crime continuado e, portanto, não anistiável, visto que ainda está em andamento. Diversos estados e cidades brasileiras estão instalando Comissões Estaduais da Verdade, com o intuito de amparar a CNV; no mais das vezes, entretanto, estas Comissões Estaduais têm as mesmas deficiências que a Comissão Nacional. Mais esperanças trazem, por conta de ter uma maior autonomia, as Comissões da Verdade formadas em algumas universidades públicas, como a UNB, e em sindicatos.

Nesses dois anos desde a condenação do Brasil pela CIDH, pois, pode-se dizer que avançamos muito pouco em matéria de Verdade, Memória e Justiça. Os poucos avanços que ocorreram são ineficientes e, de certa maneira, podem ser considerados como retrocessos disfarçados. A pressão popular é fundamental para que o Estado brasileiro assuma por completo sua responsabilidade perante não apenas as vítimas diretas da ditadura, mas também perante toda a sociedade, visto que, de uma forma ou de outra, fomos todos afetados pelos 21 anos de ditadura. Assim, o cumprimento integral da sentença da OEA é um passo importante e necessário a ser dado, visto que permite avanços reais na matéria. Cumpra-se!


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