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Ramiro Vidal

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A república do verbo

Claro e simples: contra os despejos, tudo ou nada

Ramiro Vidal - Publicado: Quarta, 21 Novembro 2012 14:23

Deixar alguém sem casa nunca foi legítimo e sempre foi umha canalhada. Era-o nos tempos da opulência e também o é hoje.


Os despejos pertencem a essa lógica perversa do capitalismo, na qual é permitido que umha série de intermediários especulem à custa dos frutos do teu trabalho. Pôr em lugar fiável o dinheiro que tu próprio ou própria produzes é um jogo de fortuna, no qual um mau lance te pode deixar despido.

Despossuir alguém de umha cousa tam essencial como a habitaçom, o teito sob o qual viver numhas mínimas condiçons de dignidade e salubridade, é um ato absolutamente imoral e que deveria ser ilegal. E nom se trata de categorizar segundo circunstáncias, nem de individualizar segundo casuísticas. Evidentemente, quando um vê que vai ser despejada umha família com crianças muito pequenas, ou com idosos com um grau de dependência alto, ou com pessoas doentes ou altamente discapacitadas, a injustiça torna-se mais manifesta e indignante se cabe. Mas um despejo é sempre injusto. Umha pessoa que mora sozinha e sem cargas familiares nem de tipo qualquer, é claro que terá no imediato mais singelo encontrar soluçons transitórias à sua nova situaçom, mas também está a ser rapinada e vitimada polo gangsterismo imobiliário e financeiro.

Neste sistema em que se sacraliza a propriedade privada e o livre mercado, nom jogamos todos e todas com as mesmas regras, nem com as mesmas condiçons. Como consumidores forçosos que somos dos produtos financeiros que lançam as entidades de crédito, classificados em tipos de poupador, somos induzidos a investir o nosso dinheiro cara determinados bens que o mercado necessita colocar. É muito fácil dizer agora que o problema é que se gastou o que nom se tinha. Mas é um projeto de organizaçom social pensado a medida do sistema de produçom o que nos leva a investir numha série de bens sem os que é impossível viver em certo pé de igualdade com os teus vizinhos e vizinhas: para poder aceder ao trabalho, ao ócio e a outros serviços há que investir em vivenda, há que investir na própria mobilidade (viatura particular) e há que investir em tecnologia (telefonia, internet, eletrodomésticos), entre outras cousas. Porque no modo de vida que nos imponhem, é inconcebível viver sem carro próprio (mesmo cho exigem em determinados postos de trabalho, nom é?) sem telemóvel (tés que ser um indivíduo controlável e localizável) e sem internet (já há empresas que exigem aos seus empregados cousas como um perfil numha determinada rede social, e a internet já é um canalizador de primeira ordem em oferta de emprego, além de ser ferramenta de trabalho para cada vez mais gente e inclusive até concentrar a maior parte do ócio de muitas pessoas). E isso tudo há que o compatibilizar com o maior investimento na vida de umha pessoa, que é a vivenda, além do comer e do vestir, que som cousas sem as quais nom podemos passar.

É claro que se realmente a esses poderes públicos aos quais informa o teu direito a habitaçom também os vinculasse a efetividade desse direito, nom se poderia mercadear de umha maneira tam vil com umha necessidade que o livre mercado converte em luxo. É claro que se houvesse pontos de conexiom gratuíta a internet geridos por maos públicas, ter linha de internet na própria morada nom seria tam vital. É evidente que se houver um melhor transporte público desde os núcleos de populaçom onde se concentra a classe trabalhadora até as zonas industriais, ter viatura própria nom seria umha necessidade tam de primeiro plano. E se todos esses investimentos nom fossem tam necessários, quanto melhor nom viveríamos, com mais dinheiro para comida, roupa, ócio social (bares, discotecas), espectáculos públicos (música, cinema, teatro...) enfim, que se o pensamos um instante, nem quem melhor vive de entre nós vive realmente bem nem vive realmente como quereria.

Centrando-nos no tema das hipotecas, as cenas de despejos estám a ser demasiado quotidianas já nos nossos bairros. Como na roleta da economia global, o capital financeiro jogou um número aparentemente errado, perdemos todos e desaparecem todas as fichas da nossa vista, mas vam parar à conta do principal apostador, que apostou o próprio e o alheio. Assim de retorto é o jogo. A alguns saiu-lhes tam mal esta jogada (na qual decidírom por eles e nom pudérom jogar livremente) que os despossuem de um bem tam prezado como a casa. Começava a ser demasiado incómodo isso de que a banca ficasse como maquinaria cruel e sem alma nem coraçom perante a opiniom pública que presencia o despejo daquele casal de idosos, daquele imigrante, daquela mae solteira e desempregada, daquela família numerosa, e por isso agora se acabam de estipular um supostos em que o despejo se pode paralisar.

Nom vou a entrar a avaliar ponto por ponto esses supostos em que as pessoas ameaçadas de despejo poderiam "salvar-se" de tam dramático destino. Serei sintético e direi o mesmo que digem quando começou a popularizar-se a reivindicaçom da entrega em pagamento. Pode, em princípio, parecer mais lógico e assomível que umha pessoa desafiuzada troque a sua dívida insalvável pola casa inicialmente adquirida com esses cartos ganhados com esforço e poupados com sacrifício do que o facto de terem que abandonar a sua habitaçom e manter umha dívida para a que trabalharia o resto dos seus dias, provavelmente, mas o problema continua a ser que umha entidade que especula com o fruto do trabalho de umha pessoa ou grupo de pessoas fica com aquilo polo que estivérom a luitar durante umha parte importante das suas vidas. Pode, também, parecer umha suavizaçom da lei que se recolham supostos mais ou menos amplos, interpretáveis e demais nos quais se poderia deter um desafiuzamento...o problema é, como sempre, onde estabelecer os limites desses supostos, e, sobretudo, porquê uns sim e outros nom e quê soluçons alternativas haveria para quem nom estivera dentro de qualquer desses supostos? Que a moral burguesa e católica nom nos embauque; nom se trata de fazer caridade nem de fazer cosmética para mudar um bocado o perfil do afetado polos desalojos: trata-se de acabar com os desalojos. Trata-se de que com um direito mesmo legalmente reconhecido (ainda que nom como fundamental) a banca nom especule, tirando lucros à custa do nosso trabalho e o nosso sofrimento.

A mim dá-me igual se de um ponto de vista empresarial é viável o que eu proponho ou nom, a mim dá-me igual se propondo o que proponho à banca deixa de parecer-lhe interessante meter-se no mercado da vivenda; também sei que com as leis do mercado na mao, há muitos bancos que nos dias de hoje executam despejos todos os dias e que há dous anos teriam desaparecido, se o Estado espanhol nom lhes chega a injetar dinheiro. O Estado, que somos todos e todas, inclusive aqueles que nom o queremos ser, perdoou-lhes a vida. Por isso a sociedade deveria ditar as regras de jogo a partir de agora. Nengumha situaçom que nom passe por deter os despejos é válida, porque nom seria justa. Simplesmente nom pode haver mais um desalojo.

O mínimo exigível, como medida política, seria umha mora de dez ou inclusivamente vinte anos para a execuçom dos próximos despejos. Sem isso, qualquer mudança legislativa é pura cosmética. Isso, como medida corretora praticada desde umha óptica meramente reformista. A medida realmente socialista, seria proibir as hipotecas como produto financeiro e substitui-las por linhas de crédito com fundos públicos, ou simplesmente a nacionalizaçom total do setor imobiliário. Ou, indo mais alô, converter o direito à habitaçom em direito fundamental, com o que as administraçons teriam a obrigaçom de garantir esse direito para todo o mundo, polos meios que for possível em cada momento, mas sempre.

Este momento é o momento para pôr sobre o tapete nom já se se necessita umha lei de despejos mais rígida ou mais flexível, mas se é realmente legítimo mercadear com a vivenda e o direito que em princípio temos todos e todas a aceder a ela.

Fonte: Primeira Linha.


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