Para quem não é do Rio e não conhece o termo, UPP significa Unidade de Polícia Pacificadora. É um programa iniciado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro em 2008, com a ocupação em novembro desse ano no Santa Marta, em Botafogo, já tendo agora mais de 25 áreas ocupadas. O modelo vem sendo exportado como um grande sucesso pelo governador do PMDB Sérgio Cabral, sendo copiado pelo PSDB de Beto Richa no Paraná, com as Unidades Paraná Seguro (UPSs).
A verdade sobre as UPPs, no entanto, está bem longe do sucesso apregoado. A criminalidade não foi debelada e os índices de homicídios são ainda altíssimos. A UPP não pode ser bem sucedida: a ocupação de um morro leva a migração dos criminosos para outros, e mesmo que o Estado do Rio de Janeiro se transformasse num Estado meramente policial, que todos seus funcionários públicos fossem policiais, seria impossível ocupar os mais de 500 morros só na cidade do Rio de Janeiro. É eficiente como máquina de propaganda eleitoral, principalmente junto aos setores de classe média e da elite carioca que temem os morros, pois temem os pobres, e só passaram a se preocupar com a violência nas favelas do Rio quando ela transbordou para o asfalto e começou a vitimar os filhos brancos de sua classe.
Os objetivos das UPPs, bem como dos mega-eventos, é asfaltar o caminho para o crescimento da cidade como metrópole do grande capital brasileiro, com todo o espaço para a especulação imobiliária que tornou nestes últimos anos o Rio uma das cidades mais caras para se viver no mundo, jogando os preços dos imóveis nas alturas. E asfaltar o caminho hoje para essa cidade de Paes e Cabral significa expulsar e calar a população que não se encaixa nesse perfil “modernizante” deles (de sua modernidade excludente): os jovens, negros, pobres e trabalhadores dos morros. Como novos Pereiras Passos, prefeito que no início do século XX botou abaixo os cortiços para construir sua Paris nos Trópicos, Paes e Cabral querem construir sua Miami se livrando dos morros. Se em São Paulo o instrumento higienista tem sido os mais de 500 incêndios em favelas nos últimos anos, que estão sendo investigados pelo Ministério Público como criminosos e com fins imobiliários, no Rio o principal instrumento é as UPPs.
O resultado disto é um verdadeiro genocídio de jovens negros nas favelas cariocas. Em uma década mais de 10 mil mortos pela Polícia Militar do Rio, o que a coloca como a polícia que mais mata no mundo. E, várias são as crianças mortas nas operações policiais nos morros. Antes mesmo da maioria das UPPs, de janeiro de 1998 até setembro de 2009, foram 10.126 mortos em “autos de resistência”! Com Cabral, Beltrame e seu aliado Paes, a média de assassinatos no Rio de Janeiro chegou a mais de 3 mortos pela polícia. E, não custa reafirmar o caráter seletivo dessas mortes: se em alguns bairros da Zona Sul as taxas de homicídio por 100 mil habitantes alcançam valores escandinavos, com entre dois e doze mortos, em bairros populares e favelas, alcançam taxas altíssimas, com mais de 75 homicídios por cem mil habitantes. Frente a essa realidade, a proposta de Marcelo Freixo (que apoia as UPPs) de uma UPP social é, em português popular, tentar perfurmar merda!
Nesse quesito, Freixo se aproxima tanto do candidato de Cabral, Eduardo Paes, que defende um projeto que o atual prefeito poderia defender. Na verdade, ele já o faz: a prefeitura tem um projeto chamado UPP Social. Na página desse projeto, a Prefeitura de Paes descreve seu projeto com palavras que parecem saídas da boca de Freixo ou do programa do PSOL: “A UPP Social é a estratégia da Prefeitura do Rio de Janeiro para a promoção da integração urbana, social e econômica das áreas da cidade beneficiadas por unidades de polícia pacificadora (UPPs). A UPP Social tem como missão mobilizar e articular políticas e serviços municipais nesses territórios e para isso coordena esforços dos vários órgãos da Prefeitura do Rio e promove ações integradas com os governos estadual e federal, a sociedade civil e a iniciativa privada, sempre em favor do desenvolvimento e da qualidade de vida nas comunidades em áreas de UPP. Com isso, busca a consolidação e o aprofundamento dos avanços trazidos pela pacificação, com o objetivo de reverter o legado da violência e da exclusão territorial nesses espaços.”
Estas críticas não atacam pessoalmente Freixo, pois o autor deste pequeno artigo de opinião, tem admiração pela trajetória pessoal do companheiro, como por exemplo, de outro lutador, candidato a vereador do PSOL, Renato Cinco. Mas, pretende debater fraternalmente com eles a sua proposta de segurança pública, que se pode atender os interesses eleitorais junto à sua base eleitoral de classe média da Zona Sul, é incapaz de construir uma alternativa viável para o conjunto da população trabalhadora da cidade. Defender as UPPs ou defender apenas a descriminalização da maconha, é defender a tranquilidade para os setores do asfalto, e manter a faxina étnica contra os tralhadadores do morro.
A única maneira de atacar o crime organizado da cidade e fundar um bloco histórico, uma grande aliança entre os trabalhadores dos morros e do asfalto é defender a legalização de todas as drogas. Falo isso com a independência e a tranquilidade que me permite enquanto não-usuário de qualquer droga, não fumante e quase abstêmio de álcool. Descriminalização da maconha atende apenas aos usuários de classe média do asfalto, mas mantém a estrutura do crime organizado funcionando. É tão atrasada como bandeira que até Fernando Henrique Cardoso a defende!
A saída para o problema de segurança pública é legalização total e tratar o problema das drogas como o que ele é: um problema de saúde pública. De uma tacada só, a legalização desmontaria não só as redes de criminalidade nos morros, no asfalto e nos gabinetes – afinal, os organizadores, articuladores e financiadores das drogas não estão nos morros; destruiria com o lucrativo e terrível negócio do contrabando de armas; imporia critérios de qualidade às drogas, diminuindo seus efeitos já normalmente maléficos; barataria os custos, permitindo que houvesse uma migração dos usuários de crack para drogas com efeitos menos devastadores e diminuiria os roubos e furtos para o financiamento do consumo; geraria receita de impostos que poderiam, e deveriam, ser canalizados para clínicas de tratamento de viciados e programas de prevenção; diminuiria as taxas de homicídio vertiginosamente, principalmente, evitaria as vítimas inocentes, maior efeito colateral da proibição das drogas. No entanto, essa não é uma proposta fácil, pois se enfrentaria por um lado com os grandes empresários que estão por trás das redes de tráfico de drogas e armas; afetaria as instituições financeiras nacionais e inetrnacionais que lucram fortunas com a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e do de armas; diminuiria as margens de lucro devido à tributação; e, extinguiria com um instrumento de controle das classes dominantes sobre a livre organização dos trabalhadores dos morros, que são duplamente vigiados e atacados pelos traficantes e policiais. O fim do medo nos morros com a legalização imporia uma liberdade e uma possibilidade de reivindicações e lutas dos moradores dos morros que impediriam os planos “higienistas” e especulativos dos atuais governantes.
Sim, defender a UPP social, a ocupação dos morros e a legalização da maconha dá mais votos que defender a legalização total das drogas. Sim, é uma proposta mais fácil pois não mexe com a estrutura da sociedade carioca. Sim, atende a base social de classe média da campanha de Freixo. Mas, se Marcelo Freixo e o PSOL querem fazer valer seu lema: “Nada deve parecer impossível de mudar”, devem defender mudanças de verdade, e não a maquiagem da política de segurança de Cabral e Paes. Senão, não é mudança, é “perfurmar merda”.