O café foi serviço por uma moça com a cara de quem dormira pouco para chegar a tempo no trabalho – eram as 8:30 da manhã. Florence olhou com má vontade a xícara e o pires manchados de café, provou e desistiu. Estava morno e aguado. Eu, como bom brasileiro, fui até o final, apenas reclamando aos meus botões. Florence ficou impressionada com o serviço e a qualidade do produto. O preço nos assustou a nós dois!
A introdução do café na Itália foi bem mais recente do que a instalação dos papas em Roma. Porém, o reino do príncipe negro, também chegado do Oriente, goza na península de consenso muito mais amplo do que o pontífice. E ele tem igualmente seu templo, o bar, e seu grande sacerdote, o barista. Ambos mais numerosos do que os também não poucos curas e igrejas da península.
Não basta ter a vocação ou a disposição. Muitos crêem ouvir o apelo da vocação, mas poucos se consagram como baristas. Antes de tudo, deve-se ter o porte e os gestos de um aristocrata. E, sobretudo, conhecer e dominar a arte da produção do magnífico capuccinoe do inigualável espresso, ambos invenções itálicas.
Comumente o espresso é pedido em diversas versões: corto, ristretto, lungo, corretto, etc. A primeira é a do italiano comum, sem muitas histórias; a segundo, o café como uma quase pasta, depositada no fundo da xícara, é a preferida dos bebedores ortodoxos; a terceira, a de brasileiros e de outros estrangeiros de paladar pouco habituado e refinado; a quarta, a dos amigos envergonhados de Bacco, ou seja, dos bebuns.
Vez ou outra, o italiano pode tomar dois espressos, um após o outro. Raramente pede um duplo e, quase nunca, um grande, conhecido na Itália como hábito americano! Ou seja, não nacional. Não se trata de mera questão terminológica, já que há importante deslocamento semântico. No duplo, se mantém a unidade de base, não flexível; no grande, ela é dissolvida, ao bel prazer!
Tomamos um espresso no aereoporto Malpensa, ao norte de Milão, servido por atendente apressado que não merecia a qualificação de barista. Um café honesto, porém, a um preço algo salgado: 2,75 reais. Nosso primeiro café no centro de Milão foi servido com elegância e qualidade. Encorpado e quente, mas não pelando; quase stretto, para Florence; lunghissimo, para mim. Pagamos um euro por cada, ou seja, 2,35 reais.
Tomamos um café em pequena cidade da Toscana, à margem do fluxo turístico. Era quase noite. O lindo bar, na praça principal, ao pé da farmácia e da igreja, afixava seu funcionamento desde 1824. Dois anos após a independência do Brasil! Fomos servidos por uma jovem de singular simpatia e profissionalismo, para desmentir os que afirmam que apenas homens elevam-se à dignidade de barista. Serviu-nos café inolvidável! Cobrou-nos o preço estampado no espelho, atrás do balcão: 0,70 euros, dois reais e dez.
Florence comentou comigo em português a qualidade e o preço do café, eventualmente importando do Brasil. A quase menina quis saber de onde éramos. Confessou que seu grande sonho era conhecer o Brasil. Ali é sempre uma festa, não? – perguntou-nos.
Respondi que, sim, que o Brasil era uma festa eterna em que o peru servido era sempre o brasileiro! Certamente não compreendeu a ironia do desabafo, ainda mais que o peru, essa galinha sem gosto e seca, não goza de grande prestígio na gastronomia italiana.