A utilizaçom que se fai em cada sociedade do fato tradicional pode ser um indicador do conceito que temos da nossa cultura e dos nossos símbolos. Quando um vê a carga simbólica que se concede à barretina ou à txapela, a utilizaçom destas peças do traje popular catalám e basco em determinados contextos, nom pode deixar de intuir que aqui temos um sério déficit quanto à valorizaçom do próprio e fica com a sensaçom de que algumha cousa compreendemos mal, que confundimos alhos com bugalhos.
Um analisa o comportamento coletivo em determinadas romarias madrilenas, ou nas festas populares catalás ou em fenómenos de massas como a Feria de Abril de Sevilha ou o San Fermín em Iruña... e tem que sentir inveja à força, porque vê exemplos de como as pessoas vestem o fato tradicional porque o contexto lho pede, e o ambiente que se cria fai com que lhes apeteça vestir o fato tradicional. Na Galiza, vestir o fato tradicional é um gesto forçado, que ninguém fai de maneira espontánea e, por cima, num número notável de ocasions fazemo-lo para demonstrar que nem sequer sabemos utilizar a herança que as anteriores geraçons nos deixárom com um mínimo de inteligência.
O Dia das Letras nom é um dia para a exaltaçom do folclore. Ou polo menos, nom foi essa a intençom que levavam os inteletuais que no seu dia reivindicárom o 17 de Maio como Dia das Letras Galegas. O 17 de Maio é para homenagear autores em língua galega, ou assim foi concebido originariamente, ainda que o movimento popular também o tenha como data referencial para a reivindicaçom lingüística em geral. A literatura escrita em galego, naturalmente que tem nas tradiçons populares umha enorme fonte de inspiraçom, e nom há mais que revisar superficialmente a obra de Rosalia de Castro e comprovar o sabor popular que tenhem desde a musicalidade dos seus poemas até as estampas que nos fai visualizar, tocar e inclusive respirar, tanto em "Cantares Gallegos" como em "Folhs Novas". Nom há mais que introduzir-se nos versos de "A virgem do Cristal" de Curros Enríquez. Nom há mais que notar numha simples vista de olhos o enorme conhecimento das falas populares que tinha Marcial Valladares em "Magina ou a filha espúrea". Isto por citar alguns exemplos. Mas a literatura galega também é, ante tudo, umha expressom culta, umha manifestaçom de cultura moderna que devemos conhecer e reivindicar, porque a nossa literatura (entre outras cousas) é a que nos coloca em pé de igualdade com outros povos que também configuram naçom e que, sabedores disso, sabem manter no seu lugar a sua literatura. Porque somos galegos e galegas por obra e graça do idioma, e o nosso idioma é o que é graças também à sua literatura.
E a literatura galega é Amado Carvalho, mas também é Lois Pereiro. A literatura galega é "O catecismo do labrego" mas também é "Nós, os inadaptados". A literatura galega é "Queixumes dos pinos" mas também é o "Silabario da turbina". Isso, sintetiza-se para alguns num remedo de fato tradicional, se calhar adquirido numha grande área comercial e, perdendo-se mais no tópico-distorsom, na Polveira de Melide a fumegar num campo da festa qualquer com ruído de gaitas ao fundo. O despropósito de certos políticos com certeza nom ajuda a que esta sociedade se reconheça nas suas expressons de cultura moderna.
Para defender aqueles que de maneira escrita cultivárom a palavra em galego, nom fai falta evidentemente disfarçar-se de enxebre. Nom fai falta e, a olhos de umha pessoa com sentido comum, fica fazer tal cousa como umha sobreatuaçom fantochesca e extemporánea. O que há é que conhecer os nossos autores, lendo-os e facilitando que o povo os leia. Para festejar a língua, um pode vestir-se de enxebre ou nom, a questom é ter um discurso acreditável e umha prática conseqüente. Entom, com fato tradicional ou sem ele, afinal é o que lhe falha a esta vereadora. Alguém que começa com o mau pé, num posto como o seu, de fazer a sua primeira comparência em espanhol, mal remenda a sua estridência vestindo-se com um fato tradicional e dizendo cousas como que o 17 de Maio" é um dia de festa para a nossa língua" e que esta é "o maior património com o que contamos e o símbolo de identidade que nos vincula como galegos". Em lugar de espaventos deste tipo, o que haveria, se houver verdadeira intençom de trabalhar porque a nossa língua ganhe espaços e falantes, é precisamente operar em conseqüência com essas palavras. E ler de verdade os nossos autores, que nom som santos que beijar, mas inteletuais com umha obra que é testemunho escrito da nossa cultura e tradiçons (precisamente) e também da nossa história social, dos nossos movimentos culturais, e sobretudo memória da naçom que somos.