Sem quaisquer recursos para “inserir-se competitivamente no mercado de trabalho” (o que uns acreditam ter a ver com um dom natural ou sobre-natural, que supostamente se reserva a poucos, quase todos euro-descendentes, para cunharmos um novo eufemismo), tiveram seus remanescentes que se virar do pior jeito para, aos poucos, conquistar, em alguns casos ainda excepcionais já no nosso tempo, algum sucesso – mesmo assim entendendo-se esse termo no sentido limitado que a ele hoje se atribui. E o resultado disso é a predominância absoluta deles no noticiário policial, na cadeia e nos serviços mais elementares que nossa forma social ainda impede que sejam executados por máquinas – o que, se ocorresse em nossa sociedade, culminaria no máximo em desemprego, ao invés de liberação do indivíduo para atividades mais edificantes.
Alguns africanos conseguiram escapar do cativeiro e do trabalho forçado, ainda naqueles tempos da escravidão oficial, e formaram comunidades, muitas vezes bem distante de qualquer foco de civilização, no mato mesmo, para se protegerem de ataques de seus ex-senhores e comparsas. E é a tais comunidades que se dá o nome de quilombos.
Não sei a história específica do quilombo em questão (o do Rio dos Macacos, que a Marinha quer remover violentamente, antes mesmo da decisão judicial acerca de sua propriedade ou não do terreno em litígio), mas certamente não é uma história de capachos, de mercenários de mau caráter, como é aquela dos pretensos defensores da população, os militares, seja sua roupinha ridícula azul, verde ou branquinha. A história de luta dos quilombola não é aquela do assassinato violento de pessoas inocentes ou de autores de pequenos furtos ou crimes um tanto mais sérios, mas igualmente propiciados por nosso absurdo contexto de consumo de vidas humanas para a produção de lucro de anti-humanos, como é a história de qualquer fardado que não seja um músico de fanfarra.
Esses demônios julgam condenam e punem em fração de segundos, em nome do mesmo Estado de Direito a cuja menção têm orgasmos múltiplos muitos dos juristas que conheço. Já que a desgraça se generalizou, que se assuma de vez a forma menos onerosa, então: que os quase-homens-de-arma-na-cinta cuidem do trabalho sujo, pois assim limpam melhor a sociedade dos melhores, tão sonhada pelos três porquinhos da Antiga Atenas.
O pior vai ser que muitos dos operários da justiça, do fundo à tampa da fossa jurídica (tampa pela qual escorrem mandados de reintegração de posse a preços módicos), terão que se entregar ao crime para viver, mudando de lado no processo.
Para alguns não vai ser grande novidade. O que muda é que todo o trâmite agora está na mão dos feitores. Estes, de todo modo, são mais baratos.