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Carlos Serrano Ferreira

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Em coluna

Para aonde vai a Europa? As lições eleitorais de França e Grécia

Carlos Serrano Ferreira - Publicado: Segunda, 14 Mai 2012 15:32

A passagem do ano significa para muitos uma mudança aparentemente mágica, que abriria uma nova realidade. É a visão mítica do eterno retorno que ainda está presente nos fogos, na festa e na catarse de virada. Bem, em alguns casos, de facto é assim, um ano é diferente do outro. Pelo menos no calendário o é. Mas, com 2011 e 2012 não é assim. As eleições francesas e gregas, que analisaremos logo, logo, mostram isto.


Este ano é a continuação de um processo que se iniciou em 2011. O ano que passou começou com a solitária Islândia continuando a resistir aos ataques e levando a julgamento o governo conservador que o povo derrubou em 2009. Contudo, a partir das manifestações de 12 de março em Portugal e a queda do governo de José Sócrates (do PS, partido que começou a implementar a "austeridade" no país), influenciado pela Primavera Árabe que varria ditaduras de décadas e frente aos maiores ataques aos direitos sociais que as gerações européias vivas tem lembrança, a crise econômica converteu-se em crise política. Desde então, e 2012 é mais uma prova, a vida não tem sido fácil para os governos, pois não tem sido nada fácil para os povos. Que o digam além do malfadado Sócrates, Berlusconi, Papandreu... e, agora, Sarkozy (primeiro presidente francês em trinta anos a não se reeleger). Vida fácil só para os banqueiros.

Esse processo será contraditório, pois faz parte constitutiva de si uma série de elementos que influenciam nos ventos que empurram a Europa, seja para o precipício, seja para a terra prometida: como atuarão as organizações políticas (à esquerda e à direita)i; como se portarão as organizações sindicais; para aonde irá a classe média (direita ou esquerda); quanto tempo os governos e banqueiros demorarão a perceber que ou o setor financeiro aceita perder um pouco que seja os seus anéis, ou o sistema perderá as mãos; como os outros setores burgueses se comportarão frente as medidas de austeridade, que claramente sufocam seu desenvolvimento em prol da banca, num período de crescimento econômico mundial (fora Europa e EUA); se irão se agudizar as contradições entre a Europa do Capital e da Alemanha (União Europeia) e as soberanias nacionais e a auto-determinação dos povos; como desdobramento da anterior, se os atritos inter-burguesias nacionais se expressarão, etc, etc, etc.

É nesse furacão, e quando este passa no seu 'olho' aparenta tranquilidade, que vive a Europa. É sob a pressão dessa "força da natureza" que ocorreram as eleições gregas e francesasii. E, qual é a tendência que aponta: o desgaste dos governos que implementam as políticas de austeridade alemãs (sejam usando roupas vermelhas ou azuis) e a polarização política e social, com ampliação da instabilidade. A paz europeia acabou, não só com as manifestações na Praça Syntagma, com os indignados espanhóis ou com os enrascados portugueses, mas no voto.

Uma velha lição marxista é que o voto é sempre uma expressão distorcida dos sentimentos populares. Pois, os meandros da dinâmica do jogo eleitoral não permitirão nunca na atual estrutura política que aqueles se expressem de forma direta. Esse é um dos motivos de questionamento da democracia que temos, que tanto agita os jovens (mas, não só). A eleição é um filtro da realidade, e como filtro não permite a passagem de tudo nesse mundo complexo. Contudo, mesmo assim, algo passa. E, é esse algo que passa que podemos usar para entender não os coeficientes eleitorais (mesmo que iniciemos por estes) mas a vida que se dá por trás deles. Como no mito da caverna de Platão, o que vemos olhando apenas os números eleitorais são as sombras do mundo real.

E o que se vê pelas frestras do voto é que o tempo de calmaria social acabou. Vejamos os resultados franceses para o primeiro turnoiii (nome do candidato, partido, orientação política): Jean-Luc Mélenchon (Frente de Esquerda, Extrema-Esquerda), 11,1%; Philippe Poutou (Novo Partido Anticapitalista, Extrema-Esquerda), 1,15%; ; Nathalie Arthaud (Luta Operária, Extrema-Esquerda), 0,56%; Eva Joly (Europa Ecologia – Os Verdes), 2,31%; Jacques Cheminade (Solidariedade e Progresso, "Gaullista de Esquerda", seja o que isso signifique, e se diz contra as finanças, além de prometer colonizar marte!), 0,25%; François Bayrou (Movimento Democrata, Centrista), 9,13%; François Hollande (Partido Socialista, Centro-esquerda), 28,6%; Nicolas Sarkozy (União por um Movimento Popular, Centro-Direita), 27,18%; Nicolas Dupont-Aignan (Levantar a República, Direita), 1,79%; Marine Le Pen (Frente Nacional, 17,90%). No segundo turno, vitória de Hollande, com 51,64%, contra os 48,36% de Sarkozy.

Se analisarmos o primeiro turno, no qual as pressões pelo "voto útil" são menores e expressam mais o que realmente desejam os votantes, veremos claramente a polarização que dissemos: na direita e extrema-direita, excluindo a centro direita de Sarkozy, teremos (somando Dupont-Aignan e Le Pen), 19,69%; na extrema-esquerda, deixando de lado o (indefinível e bizarro) Cheminade e incluindo Joly, que está à esquerda do PS, teremos 12,81%. Logo, nos extremos do espectro eleitoral encontraremos surpreendentes 32,5%! Sintomático disto é se compararmos com a eleição anterior, de 2007: nesta, a extrema direita teve 12,67% (somando os 10,44% de Jean-Marie Le Pen e os 2,23% do candidato de direita Phillipe de Villiers) e a extrema-esquerda teve 10,23% (somando os vários candidatos). Mais sintomáitco foi o despencar de François Bayrou, um candidato de centro-centro-em cima do muro, que caiu dos seus 18,57% em 2007, para os atuais 9,13% em 2012! Ou seja, se vê um esvaziamento do centro e uma polarização entre os extremos.

Um dado que impressionou foi a capacidade de mobilização do principal candidato da extrema-esquerda, Mélenchon, que conseguiu o feito de realizar comício com mais de 100 mil pessoas, tal qual os dois candidatos principais. E, seu crescimento se deu particularmente após o início da campanha oficial em 20 de março, quando as pesquisas pela primeira vez o colocam à frente de Bayrou. Logo, suas propostas e participação igualitária nos debates lhe garantiu o crescimento.

Curioso é como a história da voltas: o atentado terrorista contra os judeus beneficiou a extrema-direita, pois atraiu votos dessa comunidade (e de outros grupos sociais). Pode parecer estranha esta afirmação, quando historicamente o anti-semitismo sempre fora uma bandeira da extrema-direita. Contudo, um factor mundial, um factor europeu-estadunidense e um terceiro específico francês, levaram a essa situação. O fator mundial atende pelo nome de Israel: a sua posição de enclave estadunidense no Oriente Médio e sua política de extermínio dos palestinos levou a que esse Estado se tornasse a vanguarda mundial da extrema-direita, mesmo que ainda existam aqueles que nesse espectro político habitam no terreno da segunda guerra (mas são cada vez mais reduzidos). Uma prova disso, foi a associação com a África do Sul do Apartheid para o desenvolvimento de seu projeto nuclear com fins bélicos. O factor europeu-estadunidense liga-se à imigração em massa de muçulmanos (nos dois casos) e de hispânicos (no primeiro caso), bem como o peso judaico na mais alta esfera governamental estadunidense, somado aos atentados do 11 de setembro e a subsequente guerra ao terror, que levaram a mudança do perfil do "inimigo", deslocando-se principalmente para essas outras minorias, culpabilizadas pela crise e terrorismo. Isso se reflete na França de imigração muçulmana. E, o factor específico francês foi a mudança no comando da Frente Nacional, com a passagem da direção de Jean-Marie Le Pen para sua filha, Marine. Enquanto o primeiro ainda mantinha as tradições anti-semitas da extrema-direita do início do século XX, Marine Le Pen apagou o discurso anti-semita, mudando-o para abarcar outros "inimigos", pois o "estranho", o "estrangeiro", não é mais o judeu hoje, é o muçulmano (na visão da extrema-direita francesa).

Essas tendências das eleições francesas também se repetiram, ainda que em grau superior, pelo também superior nível da crise grega, nas eleições deste outro país. Os partidos de centro Pasok (centro-esquerda) e Nova Democracia (centro-direita), os partidos pró-troika, naufragram nestas eleições, em particular o primeiro. O falhanço total e absoluto dos planos de austeridade para reverter a crise – o que é de se esperar, pois não é com veneno que se cura um doente – levaram à sua derrota, e à quebra com a lógica bipartidária estabelecida desde o fim da ditadura dos coronéis em 1974. Se nas últimas eleições, em 2009, juntos eles tiveram 77% dos votos, agora alcançaram apenas 32%! Houve uma fragmentação eleitoral, inclusive com 19% dos votos indo para partidos que não ultrapassaram a cláusula de barreira de 3%, e sendo que apenas 65,1% dos eleitores votaram, uma queda de 8,2% em relação à anterior, revelando o crescimento do descrédito no regime. Entre os que ultrapassaram a barreira, o resultado ficou assimiv: Nova Democracia (centro-direita, partido pró-troika), 18,85%, e, em 2009, 33,47%; Syriza (extrema-esquerda), 16,68%, em 2009, 4,6%; Pasok (centro-esquerda, partido pró-troika), 13,18%, em 2009, 43,92%; Independentes Gregos 10,6%, não existia em 2009; Partido Comunista da Grécia (KKE), 8,48%, contra 7,54% em 2009; Aurora Dourada (neo-nazista), 6,97%, ante 0,29% anterior; Esquerda Democrática, 6,11%, não existia em 2009. A polarização aqui é clara, e mais que entre a extrema-esquerda e extrema-direita, é entre partidos pró-troika (claramente derrotados) e anti-troika, com um crescimento claro maior à esquerda. A possibilidade de formação de um governo pró-troika é difícil, isso mesmo com o bônus de 50 cadeiras para o partido com maior votação, garantido pela lei eleitoral grega, exatamente para estabilizar e viabilizar governos. E, em caso de novas eleições, as sondagens já dão uma vitória, com 28%, do Syriza.

É um novo tempo de polarização e instabilidade que se inicia... Veremos para que lado o furacão levará a Europa: se para esquerda ou para a extrema direitav. Alea Jacta est!vi


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