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Leônidas Dias de Faria

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Sinistra!

Notas sobre Cultura, Imprensa e Revolução

Leônidas Dias de Faria - Publicado: Sexta, 11 Mai 2012 22:54

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A Cultura, em sentido geral, pode ser entendida como a imposição de forma humana aos elementos da natureza. Portanto, como manifestação da liberdade humana com relação às determinações naturais estritas.


Assim, pode-se entender como produção cultural, em sentido amplo, a criação simultânea e constante, pelos indivíduos em interação, de um mundo próprio e de um modo próprio de lidar como esse mesmo mundo, criação, portanto, não só de objetos, como também de relações sociais.

Em sentido estrito, pode-se entender a produção de cultura como a produção de valores e representações, que não só expressam, mas também exercem influência objetiva no mundo e no modo de lidar com ele, propiciando o desenvolvimento da individualidade

Deve-se compreender que a cultura em sentido estrito é sempre um elemento da cultura em sentido amplo, uma vez que dado "modo de vida" inclui determinados valores, representações, modos de expressão, que manifestam simbolicamente demandas efetivas dos indivíduos.

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Um sistema social, ou uma cultura, no sentido amplo, traz em si elementos conflitantes. Tal sistema não determina estritamente um padrão de comportamento, mas possibilita vários; embora favoreça mais àqueles que tendam a reproduzi-lo do que àqueles que tendam a questioná-lo e a transformá-lo.

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O sistema social capitalista propicia com mais vigor o comportamento egoísta, voltado ao consumo privado de riquezas para a satisfação imediata e exclusiva do consumidor, bem como a conseqüente redução do mundo, inclusive dos demais indivíduos, a mero meio para essa satisfação.

A necessidade de escoamento de mercadorias para a realização da mais-valia nelas contida propicia o desenvolvimento de mecanismos de estímulo à compra (que são travestidos de incentivo à construção da individualidade, por meio do incentivo do culto a si mesmo por cada indivíduo – perceptível na repetição incessante pela publicidade do jargão "Você é o que importa!").

No entanto, o estímulo à individuação no capitalismo não só é secundário, mas também limitado: você pode querer (e deve querer) um mar de riquezas no qual nadar sozinho ou, no máximo, na companhia de "amigos", cuja função, no entanto, é admirar-se de seu sucesso e invejá-lo (de modo que a admiração e a inveja dos outros é um bem que, ao ser consumido, causa grande prazer ao indivíduo egoísta); você não pode querer um mundo em que não haja discrepância entre as condições sociais objetivas de desenvolvimento das potencialidades de todos os indivíduos.

Assim, é sistematicamente apresentado como utópico o propósito de se criarem condições sociais objetivas para o melhor desenvolvimento possível de cada um. Quando não é apresentado com algo que desestimula o empenho dos indivíduos em serem diligentes, dado que lhes retira a possibilidade de recompensa exclusiva, que seria seu único motivo possível.

Por outro lado, o caráter inter-individual ou social da individuação humana, da construção da liberdade, também é favorecido pelo capitalismo, pela integração social que este sistema (embora de modo contraditório) propicia, e mesmo exige, em escala cada vez mais ampla.

Embora com menor força, há elementos no sistema social atual que propiciam a demanda pela criação de melhores condições sociais para o desenvolvimento individual. A crescente socialização do processo produtivo (integração dos trabalhos individuais no trabalho social, em escala cada vez mais efetivamente global) é um elemento que facilita a criação de tal demanda. Embora tal integração se opere motivada por interesses contrários e hostis a essa demanda, ela se desenvolve. E toda a cultura revolucionária só pode ser compreendida como algo que se produz a partir de elementos disponíveis no meio social que se pretende transformar, visando à satisfação de demandas que este mesmo meio já foi capaz de inspirar.

As mesmas condições sociais propiciam, portanto, com maior ou menor intensidade, vários intuitos, muitas vezes inconciliáveis: necessidade de retorno a formas sociais anteriores (posição reacionária); necessidade de manutenção da ordem vigente (posição conservadora); necessidade de aprimoramento dessa mesma ordem (posição reformista); necessidade de transformação radical de tal estado de coisas (posição revolucionária).

E cada uma das necessidades pode ser potencializada através de mecanismos culturais em sentido estrito (valores, representações etc.). Mas, dadas as relações sociais específicas e sua necessidade de reprodução (bem como, dada a correlação de forças característica das mencionadas relações), as necessidades conservadoras tendem a receber maior estímulo – com o recurso a uma vasta gama de meios tecnológicos de repercussão.

Exemplifica este ponto a predominância de valores e idéias conservadoras nos veículos de comunicação social, que se explica pelo fato de eles funcionarem sob a forma de empresas capitalistas, cuja finalidade é o lucro, não tendo por isso qualquer intenção de estimular a crítica ao sistema; bem como se explica pelo fato de o serviço específico que prestam ser de grande valor às demais empresas capitalistas, de modo que as mesmas empresas destinem recursos enormes para a compra de tais serviços; além de se explicar pelos massivos dos ganhos obtidos com a venda de espaço para a publicidade daquelas mesmas corporações ou quaisquer outras.

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Como já se viu, a produção cultural, no sentido geral, confunde-se com a própria produção da vida humana por meio de modificação mais ou menos voluntária e consciente da natureza pelos homens. Em seu sentido estrito, o termo cultura se refere à produção e propagação de valores, representações etc. interna àquele processo, condicionada, mas não estritamente determinada pelas condições sociais.

Como também já fora aludido, embora possa caracterizar-se pela contraposição ao contexto social vigente, a produção cultural tende a ser mais favorecida no sentido de legitimá-lo do que de combatê-lo.

No sistema capitalista, o jornalismo, importante elemento cultural, é predominantemente produzido no interior de veículos de comunicação estruturados sob a forma de empresas capitalistas, que buscam pela reprodução ampliada das somas investidas. Além disto, configura-se predominantemente como instrumento para a formação da subjetividade compatível com a reprodução do sistema, promovendo a naturalização do comportamento egoísta, caracterizado pela redução do outro a meio ou a rival, adversário a ser vencido. Em suma, os grandes e pequenos veículos se resumem, via de regra, a cabides de propaganda, estímulos irresponsável à perpetuação do atual estado de coisas.

Assim, o que se vê prioritariamente na imprensa é o estímulo à busca de realização da individualidade em oposição ou através da manipulação do outro; no máximo, à parte do que ocorre com o outro, tendo nele apenas um limite a ser reconhecido como tal ou um obstáculo a ser removido. Quase nunca se prescreve o desenvolvimento da individualidade através do convívio saudável; e, quando isso acontece, raramente se toca na necessidade de modificação profunda das relações sociais de produção que fundamentam a vida social. Nestes casos, costuma-se ater a uma necessidade de reforma de valores, que supostamente nada têm a ver com relações objetivas de produção, isto é, com a propriedade privada dos meios sociais de produção e com o enxame de trabalhadores "autônomos" assalariados em que se pulverizaram as antigas comunidades, bem como com a competição generalizada que daí decorre entre todos os indivíduos, em todos os âmbitos de suas vidas.

Então, a atividade do profissional de imprensa enquanto tal (para nos atermos ao exemplo em pauta) se põe entre o atendimento e a criação de demandas emancipatórias legítimas, por um lado, e a mera exploração de suscetibilidades com vistas ao lucro, por outro. Se submetida ao sistema capitalista, a atividade jornalística se atém à mera exploração de uma fatia do mercado, propagando valores e idéias convenientes à reprodução do sistema, tal como a identificação ilusória entre liberdade e individuação egoísta (o que se mostra de modo ainda mais violento na publicidade, como poderia mostrar uma reflexão neste campo). Se insubordinada ao sistema capitalista, porém, tal atividade se caracteriza pela incontornável conformação parcial ao mesmo sistema (como garantia de sustentação), associada, no entanto, ao aproveitamento e ampliação de fissuras desse intrincado nexo de relações.

Reflexão análoga pode ser empreendida acerca de outros âmbitos da produção cultural, no sentido estrito, bom como a respeito de uma possível articulação de todos eles numa empreitada conjunta de impulsionar a formação de uma nova e mais elevada cultura, no sentido amplo: um novo e mais humano modo de vida.


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