Num ensino espanholizado e espanholizante, de súvito um dia no calendário letivo, as pessoas docentes falavam-nos em galego e intentavam convencer-nos de que tínhamos umha língua muito formosa, outrora agravada, que "agora" havia que defender e cultivar. Falavam-nos de um outro mundo oculto, de Rosalia de Castro, de Castelao, de Eduardo Pondal ou de Afonso X "O Sábio"...de persoeiros que cultivaram a palavra escrita em galego de umha maneira excelsa. Mas isto era umha vez ao ano, e no resto do período escolar, tudo era em espanhol; as explicaçons ministradas polos e polas ensinantes, os livros, os exames...nas nossas cabezinhas inocentes causava um efeito estranho isso de que umha língua que por algum motivo estava expulsa do mundo das cousas complexas (aquelas que se apreendiam na escola) por um dia fosse algo tam importante.
Era curioso; esse pedaço da Galiza que éramos nós, por um dia, existiamos em galego e viviamos umha espécie de condensaçom de tudo o que Galiza era e fora, de tudo aquilo do que nom se nos falava e que na nossa vida quotidiana nos era alheio, e além disso, isto acontecia promovido por umha instituiçom que nos desprogramava para o galego. Esta foi a minha primeira experiência contraditória no mundo do ensino a respeito da nossa língua. Cativos e cativas do Sixto, ou do Alto do Castinheiro, ou de Santa Icia, no concelho de Narom, alguns galegofalantes, passando pola sua primeira e provavelmente mais decisiva experiência espanholizadora e recebendo aquela informaçom racionada, marginal, mas que nos alertava de que éramos umha cousa diferente à que nos pretendiam fazer acreditar...que, em definitivo, certos elementos que formavam parte do nosso universo quotidiano e que o ensino oficial nos convidava a deixar atrás, realmente tinham um significado, estavam aí por algum motivo nada caprichoso.
Mais tarde mudei de residência, e deixei aquela velha sala de aulas da "Escola da Estaçom" polo colégio Manuel Masdias em Carança, concelho de Ferrol, e isto coincidiu com um período no que se começava a introduzir o galego como matéria popriamente dita. E tivem o privilégio de ter como professores a alguns membros do coletivo "Avantar". Um dado que sempre aponto é que esses professores som os que mais me empelírom a adoptar a via reintegracionista, nom sei se de forma inconsciente. Mais que por qualquer outro motivo, polo discurso que tinham. A questom é que ideologicamente o ensino continuava a ser espanholista e espanholizante, e, fora da aula de galego, que era algo assim como "o recuncho no que se falava de tudo o relativo à Galiza", tudo era em espanhol e com o mundo do castelhano como referência.
Continuava a ser umha data especial o Dia das Letras. Naquele dia havia representaçons teatrais, atuaçons musicais, concursos de desenho e outras atividades plásticas, exposiçons e outras atividades lúdicas e culturais em geral (á parte de que naquela altura e naquele bairro havia umha atividade cultural bastante intensa durante a "semana das letras") mas, aquí há que explicar o porquê do título do meu artigo.
Umha atividade plástica muito comum naqueles dias era desenhar a lápis "algumha cousa relativa à Galiza". A figura mais repetida era...o hórreo. Raparigos e raparigas de um bairro operário de Ferrol, tinham na mente um elemento ligado à paisagem rural como síntese da ideia do galego e da Galiza. Era um sintoma, claro. As exposiçons de desenhos eram exposiçons de hórreos.
O idioma galego estava conceitualmente ligado ao passado, ou a esse "outro mundo" que era a aldeia. O hórreo, era como um símbolo que na estrada nos anunciava que entrávamos nessa outra Galiza onde determinados vestígios da nossa identidade coletiva perviviam. E onde a forma de vida era mais tradicional e vinculada à terra. A ninguém num concurso das "Letras Galegas" se lhe ocorreu desenhar o famoso (e lendário, poderiamos dizer) guindastre-pórtico de ASTANO, um elemento tam galego como qualquer hórreo e tam testemunha da nossa história social como a Catedral de Sant-Iago ou o castelo dos Andrade, salvando claro as distáncias temporais e, em qualquer caso, um pedaço de metal que dominou impertérrito a ria durante geraçons. Quiçá precisamente de tam nosso e quotidiano era que o ignorávamos. A nossa cultura, a nossa língua e o nosso ser coletivo era...um hórreo!!!
Mas o hórreo nom tem a culpa da nossa visom esquizofrénica da realidade. O hórreo, hoje na maioria dos casos relegado a elemento ornamental, é umha construçom tradicional que prova a inteligência dos nossos antergos, o seu conhecimento do méio. O hórreo era um lugar seco, fresco e ventilado onde se guardava o fruto das colheitas para que nom fosse estragado polos animais que moram à volta da presença humana nem polas inclemências climatéricas. Quiçá a sociedade galega atual necessite constroir os seus próprios hórreos. E, ainda que aqueles raparigos e raparigas dos anos oitenta nom o razonariamos assim, seguramente nom estávamos tam errados quando tínhamos essa remissom conceitual recorrente ao hórreo. Com efeito, a língua galega é um hórreo, o hórreo mais estratégico, o hórreo matriz no que deve resistir a nossa identidade, a nossa dignidade. Sem a língua, nada do que herdamos dos galegos e das galegas de geraçons passadas tem sentido real. A língua é um piar contextual das nossas manifestaçons culturais e artísticas, e das nossas tradiçons. E também é a despensa à que acodirá no sucessivo a criaçom moderna. O pensamento moderno. E o nosso agir coletivo moderno. Nom é por acaso que a língua galega esteja também simbolicamente muito ligada às luitas sociais, tais como o feminismo, o movimento operário, o anti-militarismo ou o ambientalismo.
Temos que fortalecer e defender, portanto, esse hórreo.
Fonte: Primeira Linha.