Em Washington sabia-se que a guerra naquele país estava perdida. Mas o presidente, no discurso sobre o Estado da União, ao comentar a anunciada retirada de tropas do Afeganistão justificara a invasão como uma vitória estratégica.
De repente, a ilusão refez-se quando numa base estadunidense, um grupo de oficiais queimou em público exemplares do Corão.
Gigantescas manifestações de protesto expressaram a indignação popular em dias sucessivos junto da embaixada dos EUA, dos consulados e dos quartéis estrangeiros. Bases americanas, da Alemanha, da França, e da Noruega foram atacadas. A sede da ONU em Kunduz foi também visada e uma base alemã no Nordeste, abandonada ao ser investida. Seis militares dos EUA morreram em combate ou foram abatidos em ataques pessoais.
A apreensão no Pentágono evoluiu para um sentimento de pânico quando um coronel e um major foram mortos a tiros em Kabul no ministério do Interior. O assassino, um tadjique vindo das montanhas de Salang, conseguiu, graças a cumplicidades de funcionários, atravessar todos os cordões de segurança para abater os dois oficiais com tiros na nuca.
O episódio fez ruir toda a teoria da transferência das responsabilidades pela segurança para mãos afegãs. O comandante-chefe estadunidense, general John Allen, proibiu, aliás a partir de agora, o trabalho de oficiais dos EUA em qualquer Ministério em tarefas de cooperação.
O presidente Hamid Karzai – ex-funcionário de uma empresa petrolífera norte-americana – sentiu-se obrigado a exigir "a punição exemplar" dos responsáveis pela queima do Corão. No Pentágono teme-se que a Alemanha e a França antecipem a data de retirada das tropas que mantêm no país, integradas nas forças de ocupação da OTAN, mais de 7 mil homens.
Uma questão sem resposta subsiste: que confiança podem merecer os quadros do exército afegão formados por militares ocidentais quando se multiplicam os casos de oficiais americanos e europeus abatidos pelos soldados em fase de treinamento?
Os correspondentes da mídia estadunidense em Kabul têm chamado a atenção para uma realidade esquecida nos discursos oficiais sobre o Afeganistão: a profundidade da infiltração dos talibãs no exército afegão ao qual caberá "garantir a segurança" após a retirada dos EUA e da OTAN. Até jornais como Washington Post que apoiam Barack Obama reconhecem que o caos implantado no Afeganistão veio demonstrar o fracasso da nova estratégia imperial dos EUA.
Segundo o Presidente, o esforço militar seria transferido em breve para a Ásia Oriental. As alusões ameaçadoras à China tornaram-se frequentes nos discursos do presidente. Beijing tirou conclusões corretas do reforço das alianças dos EUA com o Japão e a Coréia do Sul e a instalação de novas bases militares nas fronteiras chinesas. A secretária de Estado Hillary Clinton reagiu, porém, agressivamente ao veto chinês no Conselho de Segurança ao projeto de Resolução que condenava a Síria. Afirmou que essa atitude demonstrava "a ilegitimidade" do governo da China.
O disparate foi comparado por James Petras a "uma declaração de guerra" atípica. O choque com a China, sem data no calendário, é tido em Washington como inevitabilidade histórica. Enquanto a economia chinesa continua a crescer a uma taxa média anual de 9% a 10%, os EUA permanecem atolados numa crise pantanosa. Mas para os generais do Pentágono a colocação no Irã de um governo pró-ocidental terá de preceder o enfrentamento com o "grande inimigo", a China. E o ataque ao Irã continua a ser uma questão controversa.
Para mal de Obama, a tensão crescente nas relações com Beijing coincide com a onda de violência no Iraque e o extraordinário agravamento da situação no Afeganistão.
A reeleição de Putin assinalou mais um desaire para a Casa Branca. A aproximação entre a China e a Rússia traduz a consciência de que, isoladas, seriam as próximas vítimas da estratégia de dominação universal e perpétua dos EUA.