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Joycemar Tejo

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Elogio da dialética

Ficha Limpa e a tal democracia

Joycemar Tejo - Publicado: Sexta, 09 Março 2012 01:00

Joycemar Tejo

Um dos assuntos que tomou conta do noticiário popular, nas últimas semanas, foi a discussão sobre a Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135/ 2010), a propósito do julgamento de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Foi batido o martelo: a lei é constitucional, valendo inclusive para fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor (1).


O objetivo evidenciado seria a exclusão, da vida pública, dos "fichas sujas", a pletora enlameada de políticos de vida escusa- tal seria a mens legis, a finalidade buscada pela norma. Mas o tema é mais complexo do que isso e, como tudo que tange à democracia burguesa e suas instituições, é preciso ir a fundo.

Trotsky diz que "sendo marxistas, nunca idolatramos a democracia formal", pois numa sociedade de classes as instituições ditas democráticas nada mais são que instrumento da classe dominante (2); nada obstante, não esquecemos que a república "democrática" é a "melhor forma de Estado para o proletariado, no regime capitalista" (em que pese a exploração sobre a classe trabalhadora sempre presente mesmo na mais democrática república burguesa) (3). Vale dizer, não obstante as deficiências inerentes (e por isso mesmo incorrigíveis), é melhor a "democracia" burguesa capenga à ditadura burguesa. Não podemos, pois, descurar da via institucional: não há parlamentos "operários", logo é preciso utilizar -limitadamente que seja, por sua própria natureza- o parlamento burguês.

Nesse sentido, retornemos à Lei da Ficha Limpa. O que dispõe? Cria, como condição para a inelegibilidade de eventual candidato, a condenação criminal transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. A primeira pergunta que se faz: quantos homens "públicos" têm sido condenados criminalmente nos últimos anos? Decerto são todos santos, no País dos coronéis, dos lobbies, das privatarias, dos mensalões, das escutas ilegais e do tráfico de influência. O político condenado é um "herói às avessas", uma coisa admirável, em vista de sua exclusividade, de seu ineditismo. A segunda pergunta é: em vista da ainda insípida normalidade democrática do País (mesmo para os padrões de uma democracia burguesa), onde as instituições instilam pouco crédito (repito, mesmo dentro dos padrões democrático-burgueses), não é um prato-cheio, principalmente nos rincões afastados dos centros urbanos, a utilização de ações penais contra adversários políticos, visando sua exclusão do pleito eleitoral?

Serei mais claro: não se pode ver na recente alteração da legislação eleitoral uma brecha que facilite a perseguição a candidatos de esquerda (ou simplesmente que "incomodem")? Candidatos com origem, ou de partidos, de matiz operário/ popular, com pouco (ou difícil) acesso a advogados e meios de defesa, ao contrário dos caciques dos grandes partidos institucionais burgueses. Assim, a pretexto de "moralizar" a democracia (esquecendo que a democracia -mesmo a burguesa- deveria passar pela vontade popular, e não pela canetada do magistrado), cria-se justamente um campo fértil para uma ainda maior desmoralização dessa democracia. Acredito que não se cai na mera teoria da conspiração quando se diz que a lei parece se inserir no contexto de recrudescimento moderno (mundialmente, inclusive) contra garantias e direitos individuais (4). Devemos observar, atentamente, as consequências desse novo paradigma dentro do juseleitoralismo, para que se veja se nossas suspeitas não são infundadas. A conferir.

O Direito é ferramenta -e campo- de luta. Evidentemente, dada sua natureza superestrutural, segue os influxos da base, das relações concretas que lhe sustentam; "...a língua do Direito está endurecida, calcificada adicionalmente pelo poder-violência do Estado e deformada pela pressão e pelos conflitos dos grupos envolvidos" (5). A norma exarada pelo Estado Burguês só pode representar os interesses desse mesmo Estado, dado que "o Direito nunca pode ser superior à configuração econômica- e ao desenvolvimento da cultura por ela condicionado- da sociedade" (6). Mas há que insistir: é ferramenta de luta. Por isso olhos bem abertos, afinal, como diz Leminski, "en la lucha de clases/ todas las armas son buenas/ piedras, noches, poemas".


Notas

(1) Uma explanação didática mas substanciosa, sobre a lei e seus efeitos, pode ser vista aqui: http://bit.ly/Ap3KOV

(2) Leon Trotsky, "A Revolução de Outubro".

(3) Vladimir Lênin, "Esquerdismo, doença infantil do comunismo".

(4) Juridicamente falando, a lei, conforme interpretada pelo STF, vem com uma flagrante aberração: sua aplicabilidade a fatos pretéritos ofende os princípios elementares da irretroatividade e da segurança jurídica.

(5) Friedrich Müller, "Metodologia do Direito Constitucional".

(6) Karl Marx, "Crítica do Programa de Gotha".


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