Há que lembrar que, além dos assassinados, outros muitos fôrom feridos de consideraçom, cinco deles de bala. E vários mais fôrom detidos e selvagemmente torturados na esquadra policial. Por estes factos, ninguém foi processado nem condenado, somando-se assim à longa listagem de assassinados impunemente polo fascismo.
Já choveu desde aquele longíquo 10 de março de 1972, mas a sua memória e exemplo seguem vivos na classe obreira galega e, em especial, em todas e todos aqueles em que os factos de Ferrol figérom despertar inquietaçons políticas e sociais.
Em Vigo, tam cedo como fôrom chegando as notícias dos sucessos de Ferrol (ao princípio difusas, um ruge-ruge) as fábricas, os estaleiros, as obras, fôrom parando a sua atividade, até ficar Vigo e comarca paralisada por completo. Nom foi necessário que ninguém convocassse a greve em solidariedade com os companheiros de Ferrol e em protesto polos viles assassinatos; embora a verdade seja que Vigo apareceu sementado de panfletos chamando à greve.
Umha vez mais, as forças repressivas disparavam indiscriminadamente contra os peitos despidos de nobres obreiros, pais de família, cujo único delito era produzirem riqueza. Lembro que em Vigo a greve de solidariedade e de protesto polos crimes de Ferrol durou três dias, mas em muitas empresas a greve de horas extras durou mais de um mês em muitos casos.
Os jornais que se vendiam às portas dos estaleiros e das fábricas esgotavam-se de contado, as trabalhadoras e trabalhadores estavam ávidos de notícias. Na hora da sandes, juntavam-se grupos de companheiros para comentarem as notícias do dia, todo o mundo falava, dava a sua opiniom, via-se grande efervescência. Sucediam-se as assembleias, umha após outra, antes de começar a jornada, no jantar, ao finalizar a jornada, e começava a existir umha cumplicidade e umha simpatia entre os que nos manifestávamos contra o sistema. De boca em boca, entre a gente de mais confiança, convocavam-se assembleias clandestinas nos montes Alva, Madroa... em algumhas destas assembleias éramos mais de 200 pessoas.
Penso que foi este movimento assemblear o que conseguiu duas cousas fundamentais:
1º- Que entre a classe obreira saíssem bons oradores e grandes agitadores sindicais e verdadeiros líderes naturais, que antepunham os interesses de classe a qualquer outro interesse e, por tal motivo, todo o mundo os respeitava independentemente da sua cor política.
2º- Foi quem esfarelou o sindicato vertical. Vinhas, Vigo ... conhecidos fascistas do vertical acudiam às fábricas para conter os trabalhadores e saiam com o rabo entre as pernas, sendo apupados e vapuleados polos obreiros nas próprias assembleias. Nada podiam fazer contra o poder assemblear.
Esta liçom aprendêrom-na muito bem os novos lacaios sindicais de CCOO, UGT e CIG, nom eliminárom as assembleias, mas desvirtuárom-nas por completo. Agora utilizam-nas em benefício próprio, nelas só podem intervir os diferentes liberados das máfias sindicais para soltarem o seu espiche. Com o único fim de aplacar os ánimos e sementar a dúvida e o desconcerto. Nom fomentam a participaçom nem permitem que os trabalhadores e trabalhadoras intervenham livremente. O que nom conseguiu o sindicato vertical estám a conseguí-lo estes bandidos.
Durante todo o ano 72, até depois do Setembro Vermelho, o povo trabalhador galego protagonizou combativas mobilizaçons obreiras polos convénios coletivos, em solidariedade com os despedidos e contra a carência de liberdades sindicais e políticas. Implantam-se as assembleias no posto de trabalho, todo obreiro ou obreira que tinha algo que dizer falava, solicitava-se que o figesse. Nom como hoje, que nas assembleias só falam os burocratas das centrais sindicais, sem que as obreiras e obreiros tenham protagonismo nem podam expressar-se livremente.
A luita obreira e popular contra a política económica e repressiva do governo espanhol adquiriu umha grande efervescência, sobretodo nas comarcas de Vigo e Ferrol, com contínuas mobilizaçons e greves comarcais. Estas mobilizaçons na maioria dos casos eram fortemente reprimidas polas forças policiais e realizavam-se inumeráveis detençons e processos judiciais contra a classe operária. O ano 72 foi um antes e um depois no movimento obreiro galego. Antes do 72, havia verdadeiro medo a fazer umha greve, um plante de horas extras, havia quem se escondesse para que nom o vissem, parar a produçom era um ato de coragem e valentia. A partir desse ano, as greves sucediam-se umha após outra, qualquer reivindicaçom era boa para ir à greve, para reclamar água quente nos vestiários, pola higiene, polos refeitóros, pola segurança no trabalho... Umha reivindicaçom que custou várias greves e vários anos em conseguí-la foi a folga dos sábados. Até conseguimos esta reivindicaçom e hoje semelha impensável atingir a jornada de 35 horas.
Setembro Vermelho do 72 foi a greve geral mais importante da história da Galiza. Vigo e comarca ficam completamente paralisada durante quinze dias, em solidariedade e apoio com os despedidos de Citroën. Por primeira vez implementam-se táticas de guerrilha urbana. Vários grupos de entre 50 e 60 pessoas, coordenados entre si por dous responsáveis por cada grupo, "saltavam" simultaneamente em diferentes pontos da cidade, trazendo em xeque a polícia, dando a sensaçom de ser Vigo por momentos umha cidade libertada. De facto, o grosso das detençons fôrom depois de finalizada a greve. Durante os dias de greve, quase nom houvo detençons.
No trasncurso desta luita, Vigo fica desfornecida de produtos. Perante a carência de alimentos, enceta-se um movimento solidário impressionante com o povo de Vigo. De Ourense e Lugo, venhem camions carregados com produtos do campo; os marinheiros descarregam caixas de peixe para os grevistas. Isto sucedeu no oitavo dia quando pensávamos que nom podíamos continuar porque em muito lares já faltava a comida. Foi assim como pudemos agüentar sete dias mais de greve geral. Nom sei como se organizou a solidariedade em Ourense e Lugo, o que sim podo dizer que entre os produtos vinha carne de vitela, anho e porco.
A utilizaçom de métodos de açom direta também será umha caraterística do Setembro Vermelho. Emboscadas aos carros da polícia de choque, barricadas com lume e cócteis molotov contra a polícia e contra algum chalé de empresários.
No fragor da luita, aparece a "organizaçom da estaca". "Comandos" de três-quatro pessoas armadas de estacas (daí o nome) dam o seu merecido a fura-greves e a encarregados fascistas. Os casos mais destacados fôrom a malheira ao "Cavalo Louco" (encarregado e repressor de Barreras) e a Kiko, chefe de pessoal de Freire. Estes castigos tivérom umha grande repercussom nos demais encarregados, que mudárom de atitude e fôrom recebidos com júbilo polos trabalhadores. A "organizaçom da estaca" era temida por uns e admirada pola maioria da classe obreira; durou até o ano 74, em que se dissolveu. Durante este tempo, grupos de jovens subíamos ao monte os fins de semana a realizar práticas "militares" com fuzis de pam, era fruto da motivaçom e o optimismo atingidos nas greves revolucionárias do 72.
Durante os 15 dias, os Vitrasa (transporte público de Vigo) circulavam vazios de passageiros, com um par de guardas civis no seu interior. Assim e todo, mais de um autocarro foi emboscado e incendiado.
Na greve geral o setor naval de Vigo destacou como motor dos protestos, mobilizou-se com contundência por toda a comarca, com cortes de estradas com árvores, cortes de vias férreas... De facto, é nesta luita onde entre o pessoal de Barreras, Santo Domingo, Freire, Vulcano e Yarsa (mais tarde Ascón) se cria umha unidade e umha solidariedade impresionante, defendendo os seus interesses com unhas e dentes. Desde esse momento, a unidade ficou selada entre todos os estaleiros. Bastava que parasse um estaleiro para que a greve fosse total, se um saia à rua saiam todos. Bom, foi assim até que legalizárom os sindicatos reformistas, que vinhérom ocupar o sítio do sindicato vertical e todo o caminho andado, todo o avançado, em pouco tempo perdemo-lo. Nom há pior inimigo que o que tés dentro da casa. E este foi o caso com CCOO, UGT e mais tarde com a CIG.
Os operários da construçom também tivérom um papel especial no Setembro Vermelho, destacando pola sua organizaçom e a contundência das suas açons. Mais de um prédio em construçom, sobretodo na zona industrial de Coia, foi abaixo. Vários guindastes fôrom originalmente sabotados, ficando dobrados ou rachados pola metade. É um método singelo e fácil de empregar, mas nunca mais se voltou praticar.
Apesar do balanço de mais de 500 despedimentos, cerca de 100 detidos e 50 encarcerados e muitos obreiros na clandestinidade as luitas do ano 72 fôrom um passo adiante muito importante na consciência e na organizaçom da classe trabalhadora.
As greves de 72 ficárom gravadas na memória histórica do movimento obreiro galego. Mobilizaçons operárias e populares que continuariam em anos sucessivos, mantendo o mesmo espírito combativo e o mesmo caráter de luita independente à margem do reformismo e dos dirigentes sindicais, como fôrom as luitas da construçom e do naval no ano 74 ou a greve geral do naval de 1976, na qual se repetírom muitos dos métodos e funcionamento aprendido no Setembro Vermelho.
Os sucessos de Ferrol foi a faísca que prendeu na consciência do proletariado galego. A partir de aí perdeu-se o medo, confiamos nas nossas próprias forças e na capacidade de luita. Vimos que com decisom e um plano de mobilizaçons podiamos criar ao Estado, com toda a sua maquinaria repressiva, verdadeiros problemas. Sem 10 de março em Ferrol, nom haveria o Setembro Vermelho de Vigo, nem as luitas posteriores dos anos 74 e 76.
As experiências do ano 72 som de plena atualidade, válidas e necessárias, para os dias de hoje, se queremos avançar numha correta acumulaçom de forças revolucionárias. Há que voltar a aquele espírito de que um conflito numha empresa era a luita de toda a classe obreira. Assim foi como surgiu o Setembro Vermelho, em solidariedade com os despedidos de Citroën (em luita polo convénio), umha luita numha empresa converteu-se numha greve geral de 15 dias de todo o povo de Vigo e comarca. Cousa nunca vista na história do movimento obreiro galego. Ou no ano 76, que polo convénio de Barreras saiu à rua todo o naval paralisando também as empresas do metal relacionadas com o naval. Voltando a pôr Vigo de pernas para o ar, lembarndo as luitas de setembro de 72.
Hoje em dia temos que recuperar aquelas experiências. As assembleias abertas e participativas; comissons de propaganda, comissons que organizem os piquetes, as açons a desenvolver, que elaborem um plano detalhado de mobilizaçons para submetê-lo a aprovaçom da assembleia; comissons que organicem a solidariedade e as caixas de resistência, et cétera. Só asssim, umha luita independente e à margem da burguesia e das suas organizaçons satélites, CCOO, UGT... podemos ter visos de êxito e de avançar no caminho correto. Tenhamos as experiências em conta e apliquemo-las para continuar a avançar.
Cárcere de Topas (Salamanca)
22 de janeiro de 2012