O imbróglio judicial que teve lugar nos dias anteriores à ação da polícia é emblemático da intensidade democrática existente no Brasil e, especialmente, no estado de São Paulo. O terreno, ocupado por milhares de trabalhadores sem-teto desde 2004, pertence à massa falida de uma das empresas de Naji Nahas, notório megafraudador das terras tupiniquins. É interessante lembrar, inclusive, que Nahas deve atualmente cerca de R$ 15 milhões de reais à prefeitura de São José dos Campos, cidade na qual se localiza o terreno, e que tem um dos maiores déficits habitacionais do país. A massa falida entrou na Justiça Estadual de São Paulo com um pedido de reintegração de posse, que foi aceito pela juíza Márcia Loureiro. Grande aparato policial foi montado, e a população de Pinheirinho prometeu resistir. Poucos dias depois, a Justiça Federal desautorizou qualquer tipo de ação policial, liminar esta que foi cassada no mesmo dia. Após a invasão da PM ser novamente autorizada, os advogados dos moradores do Pinheirinho e os da massa falida fizeram um acordo, segundo o qual a retomada de posse seria suspensa por 15 dias, para permitir uma melhor negociação.
Concomitantemente, o Ministério Público Federal denunciou a Prefeitura de São José dos Campos por omissão no caso Pinheirinho. A denúncia continha quatro pedidos liminares, que foram acatados no dia 20 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região, determinando a suspensão da reintegração. Entretanto, dois dias depois, a 22 de janeiro de 2012, atropelando tanto o acordo existente entre as partes como a liminar expedida pela Justiça Federal, a juíza Márcia Loureiro ordenou que as forças policiais procedessem com a reintegração de posse. Estava instalada a barbárie.
Milhares de policiais invadiram o Pinheirinho ainda durante a madrugada (o que, vale notar, é proibido pela legislação brasileira), e encontrou desprevenidos os moradores. A polícia não hesitou em usar a força, havendo relatos inclusive o uso de armas e munições letais. Os moradores, mesmo tendo sido surpreendidos, tentaram resistir. Mas já era tarde. Com sua truculência habitual, a PM já havia invadido boa parte do terreno, contando inclusive com o auxílio de bombas de efeito moral, balas de borracha, cassetetes, spray de pimenta... e balas de chumbo. Foram dezenas de presos e feridos e cerca de sete mortos, de acordo com os moradores (incluindo uma criança de três anos e uma grávida). Casas incendiadas, horror generalizado na ocupação que havia se tornado já um verdadeiro bairro, com associações de moradores, comércio, áreas de lazer... Em um único dia o Governo de São Paulo e a Prefeitura de São José dos Campos trucidaram os sonhos de milhares de famílias, trancafiando-as em abrigos sem as mínimas condições de uso. A reação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, débil, só veio dez dias mais tarde. Foi provado, da pior forma possível, que por aqui a massa falida de uma empresa fraudadora tem mais direitos e mais valor que a dignidade de nove mil pessoas.
Mas, apesar das sucessivas tentativas da grande mídia de abafar o caso, ele tomou grandes proporções. Movimentos sociais, sindicais, estudantis, ONGs, todos, de maneira uníssona, condenaram as arbitrariedades perpetradas pelo Estado contra os moradores do Pinheirinho. Manifestações de apoio à causa vieram dos mais distantes recantos do Brasil e do mundo, demonstrando que não, a sociedade não aceitará uma degradação ainda maior de um Estado Democrático de Direito já tão pouco intenso. Pinheirinho conseguiu angariar a solidariedade de tantas pessoas e movimentos porque encarna em si a histórica luta dos oprimidos em busca de sua emancipação, em busca de um mundo onde o dinheiro não valha mais que vidas humanas, onde o capital não se sobreponha ao trabalho. E por isso tornou-se o pesadelo dos donos do poder. Por isso está presente nas lutas contra toda forma de opressão e segregação, seja no Alto Xingu, na Palestina ocupada ou nas favelas cariocas. É por isso que, na luta, o Pinheirinho continua vivo.