Tal como já temos analisado1, o PSOE nunca representou umha verdadeira alternativa progressista ao projeto reacionário do PP, fora do mundo das fantasias e superstiçons. Um diagnóstico rigoroso e desapaixonado da açom política dos governos encabeçados por José Luís Rodríguez Zapatero, confirmam -deixando de parte a propaganda- o continuísmo a respeito do PP e a carência de medidas mornamente social-democratas.
Na primeira legislatura, o PSOE necessitou um verniz de esquerda para lograr a estabilidade e sobretodo a legitimidade política-eleitoral questionada polo PP e o poderoso lobby informativo da direita mediática, provocada pola sua ajustada vitória, alicerçada sobre o impacto social e a manipulaçom com a que o governo Aznar abordou os atentados de Madrid de março de 2004.
Mas a retirada das tropas espanholas de Iraque, a presença de mais mulheres nos ámbitos formais de gestom política ou o reconhecimento do casamento homossexual, por citar os três exemplos mais mediáticos, nom definem umha política de esquerda em si mesmos.
Fôrom medidas necessárias para deslegitimar e superar o aznarismo, conseguindo assim o fortalecimento social imprescindível para frear o assédio mediático no primeiro caso, e umha piscadela aos setores intermédios urbanos do seu eleitorado, que na prática respondia a certas mudanças de mentalidade que se tinham consolidado nessa etapa num destacado segmento populacional.
Porém, foi basicamente a deriva para a extrema-direita do discurso hegemónico no PP que mais ajudou a gerar umha subjetividade que situava o PSOE numhas coordenadas que nom se correspondiam com a sua açom governamental. O idílio com IU e ERC nos primeiros anos reforçava esta tese e sobretodo dava muniçom à "brunete mediática" para apresentar esse governo num espaço ideológico que nom se identificava com a sua prática.
A identificaçom presente na memória coletiva dos doze anos de felipismo com corrupçom, desemprego e terrorisno de Estado, também contribuírom para situar o zapaterismo como umha regeneraçom progressista daquele PSOE "mais conservador".
Jogos de espelhos e falsas aparências
A equipa de propaganda do PSOE contribuiu inicialmente para construir umha imagem distorcida do Presidente do governo espanhol, apresentando-o como um social-democrata de firmes convicçons, um político honrado e dialogante, com um caráter e talante conciliador, que as suas amáveis formas e linguagem gestual confirmavam.
Mas, novamente, era o rígido, crispante e obsoleto estilo de Aznar, Acebes, Mayor Oreja, Esperanza Aguirre, Zaplana ou Ana Pastor que mais contribuiam para reforçar um mito sem a menor consistência.
A história situará Zapatero como corresponde: um medíocre político que empregou com enorme habilidade o seu sorriso e aspeto físico para gerar falsas expetativas, na imensa maioria dos casos incumpridas, sem a mínima projeçom internacional, e carente, para além da retórica, de um projeto alternativo aos governos da segunda restauraçom bourbónica.
A baraka atribuída a Zapatero foi um invento tam insustentável como as possibilidades de pretender agir como líder mundial em base a esse palavrório vazio de conteúdo pomposamente denominado "aliança de civilizaçons", quando nas cimeiras internacionais o patético desconhecimento de mais idiomas que o cervantino o mantinha no isolamento até o extremo da vergonha.
Todo ficou em águas de bacalhau. Nom esqueçamos que, há dous anos e meio, a coincidência na presidência da UE com a de Obama na Casa Branca foi apresentada de forma surrealista como acontecimento histórico planetário por Leire Pajín, naquele momento secretária de Organizaçom do PSOE.
Empreguemos três vectores para demonstrar com factos a categorizaçom que @s comunistas galeg@s vimos fazendo do PSOE como a outra cara da direita espanhola.
Política socioeconómica
Até o verao de 2008, quando todos os indicadores constatavam a "desaceleraçom", Zapatero negava com veemência a existência de recessom na economia espanhola. Primeiro desconsiderou os sintomas, para posteriormente evitar reconhecer as evidências.
No entanto, a política económica fitícia -o denominado "milagre económico espanhol"- baseada na bolha da especulaçom imobiliária -mantendo inalteráveis as pautas "macroeconómicas" da etapa Aznar- provocou o colapso do setor financeiro e a disminuçom industrial cuja conseqüência imediata foi o incremento descontrolado do desemprego até atingir umha incidência recorde. O grande capital e a burguesia nom estavam dispostos a assumir as conseqüências da sua crise e o PSOE obviamente optou por fazê-la pagar à classe trabalhadora, as naçons oprimidas como a Galiza e às mulheres. Nada novo. A sua tradiçom histórica, a composiçom de classe e os interesses que representa nom permitiam outra cousa.
A inicial medida adotada para corrigir a situaçom, o Plano E, fracassou estrepitosamente polas debilidades estruturais de umha economia extremamente dependente do exterior no plano tecnológico.
Para reduzir o elevado défice público que os organismos imperialistas internacionais exigiam, submeteu-se obedientemente às diretrizes marcadas polo FMI. Inicialmente aumentou o IVA e retirou as ajudas sociais que tinha criado com o intuito de aumentar o apoio eleitoral, para revalidar um segundo mandato em 2008. Também aplicou umha reduçom salarial de 5% do funcionariado, incrementando a idade da jubilaçom.
Porém, a extrema situaçom da economia espanhola que desestabilizava a "fortaleza" do euro, após a intervençom na Grécia e Irlanda, forçou os Estados Unidos (chamada telefónica de Obama incluída) e a Uniom Europeia a imporem um duro plano de ajustamento. Zapatero nem rechistou. De imediato elaborou umha nova reforma laboral que desregularizou ainda mais o mercado laboral (embaratecimento do despedimento, incremento da temporalidade, enfraquecimento da negociaçom coletiva), além de reduzir as pensons e aumentar os anos de cotizaçom. O desemprego seguiu incrementando, tal como a perda de poder aquisitivo e o empobrecimento de cada vez maiores setores populares.
Com este cenário ve-se obrigado a quebrar o "diálogo social" que vinha mantendo com patronato e o sindicalismo corrupto e entreguista. As alianças com os grupos parlamentares da esquerda espanhola e catalá, assim como com o autonomismo galego, já tinham sido substituídos polos votos do PNB, CiU e CC, que lhe permitírom aprovar os orçamentos e levar adiante algumhas das medidas mais lesivas contra o mundo do Trabalho.
A reforma express da Constituiçom espanhola, introduzindo no seu articulado a doutrina neoliberal ao fixar o limite do endividamento público, nom só constata o grande engano do PSOE e do conjunto da casta política da democracia pós-franquista, é a expressom mais clara do fracasso absoluto do modelo Zapatero.
Ao longo do mês de agosto deste ano, tal como anteriormente aconteceu com Portugal, o Estado espanhol foi intervindo pola tríada do mal, a denominda troika (Banco Central Europeio, FMI e Comissom Europeia) e a sua política socioecómica monotorizada por esses organismos. Diferentemente da Grécia, Irlanda e Portugal, o Estado espanhol foi intervindo de forma discreta. O seu peso económico e demográfico no seio da UE aconselhárom este mecanismo.
O PSOE entregou umha parte considerável do setor público da economia aos grandes grupos financeiros e industriais. A perspetiva de aprofundizaçom da recessom impossibilitou operaçons multimilionárias como a privatizaçom dos grandes aeroportos, à espera por parte da especulaçom de maiores rebaixas que permitam ainda maiores suculentos negócios.
Zapatero continuou com a privatizaçons da era de Felipe González e Aznar no ámbito da educaçom, sanidade e serviços sociais.
O governo de Zapatero, que sempre renegou e perjurou de introduzir cortes sociais, realizou a aplicaçom dos ajustamentos ultraliberais que demanda o grande capital internacional e o bloco de classes oligárquico espanhol para nom reduzir os seus substanciosos lucros.
A classe trabalhadora está hoje mais desprotegida e mais empobrecida que em 2004. Eis o balanço socioeconómico do zapaterismo.
Democracia e liberdades
A militarizaçom da greve dos controladores aéreos e a dura repressom empregada nas greves gerais de 29 setembro de 2010 e 27 de janeiro de 2011, assim como a reforma da lei eleitoral pactuada novamente com o PP, -que exige às forças políticas legalizadas sem representaçom institucional o apoio de umha percentagem do censo para poder apresentar candidaturas, exemplificam a involuçom democrática do PSOE que pretende esmagar a luita obreira e popular e blindar as instituiçons do regime de qualquer voz incómoda ou dissidente.
Durante décadas, os partidos do regime convertêrom a Constituiçom de 1978 num texto semi-sagrado, fruto de umha complexa e dilatada negociaçom, que impossibilitava qualquer mudança sem um pleno consenso derivado de um longo processo de debate e acordo. Mas esse fetiche de obrigatória veneraçom foi alterado sem consenso e sem debate, com nocturnidade, após um acordo com o PP.
Novamente, o grande engano dos sólidos princípios democráticos de Zapatero ficárom profundamente questionados. O líder interino do PSOE chegou a um acordo com Rajoi no final deste verao sem previamente informar nem contar com o apoio do PSOE, nem do candidato à eleiçons de 20 de novembro.
A auréola progressista de Zapatero esfumou-se. As promesas de nom adotar políticas sociais regressivas volatilizárom-se. O descrédito da sua figura fijo-se patente.
O PSOE cortou liberdades individuais e coletivas em todos os ámbitos. Desde a internet com a Lei Sinde até o Código Penal, o PSOE pactuou com o PP um conjunto de involuçons legislativas que só tencionam reduzir ainda mais as raquíticas liberdades formais emanadas da reforma pós-franquista.
Sob a justificaçom do combate ao terrorismo, as diversas reformas do Código Penal convertêrom-no num dos mais restritivos e duros de toda a Uniom Europeia.
A violência policial atingiu enorme sofistificaçom. As práticas de tortura e maus tratos nom só nom diminuírom, como se incrementárom, tal como denunciam os informes de Amnistia internacional.
A negativa a reconhecer o exercício do direito de autodeterminaçom e as reclamaçons de liberdade nacional do povo basco e catalám fôrom novamente truncadas. A ruptura da negociaçom com a ETA e negativa a discutir o Plano Ibarrexte, assim como a reconhecer os acordos do novo Estatut de Catalunha, exemplificam que agiu como firme garante do espanholismo mais intransigente. O PSOE continou com a implementaçom da estratégia jacobina de mais Espanha e, portanto, menos Galiza.
A vitória da seleçom espanhola no mundial de julho de 2010 foi utilizada como cortina de fumo para amortecer os efeitos da crise económica, mas também como umha magnífica oportunidade para a injeçom do mais xenófobo nacionalismo espanhol no imaginário coletivo de amplos setores juvenis.
Nestes mais de sete anos das duas legislaturas de Zapatero, a classe trabalhadora tem assistido a constantes retrocessos em direitos democráticos e liberdades. Na atualidade, estamos pior que em 2004. Eis o balanço do zapaterismo.
Política internacional
Espanha pretendeu seguir a agir como subpotência imperialista. As multinacionais espanholas conseguírom manter o incremento da sua introduçom na América Latina e nas Caraíbas. Foi precisamente o aumento do saque que permitiu equilibrar os maus resultados de importantes empresas no Estado espanhol. Mas perdeu peso e influência política. As ausências destacadas de boa parte dos principais estados na última Cimeira Ibero-americana no Paraguai exemplifica este fracasso.
Fora dos gestos de "anti-americanismo" dos primeiros anos -mera pose eleitoralista-, o PSOE mantivo Espanha como fiel e submissa aliada do imperialismo ianque. Primeiro incrementando a intervençom militar no Afeganistám e mais recentemente participando na agressom imperialista contra a Líbia.
A cessom há umhas semanas da base militar de Rota para a instalaçom do sistema de escudos antimísseis da NATO exemplifica outro dos grandes enganos de Zapatero. Nem política internacional própria e independente, nem "aliança de civilizaçons". Militarismo puro e duro.
PSOE-PP a mesma merda é!
Todo indica que os mais de sete anos na Moncloa som um breve parêntese da cara "progressista" do capitalismo imperialista espanhol. Além da demagogia e das superstiçons a vitória do PP no dia 20 de novembro nom se pode interpretar como umha catástrofe nem muito menos como umha praga bíblica. Nom se vam produzir mudanças de envergadura. Haverá mudanças regressivas, sim, mas nem na política socioeconómica, nem nos direitos nacionais, o PP vai manter umha posiçom radicalmente oposta à do PSOE.
Os roteiros de Rajoi e Rubalcava som idênticos no conteúdo, embora aparentem divergir nas formas. Estám marcados e condicionados por Bruxelas, Berlim e Washington. Mais retrocessos nos direitos e conquistas da classe trabalhadora e do povo em geral, e simultaneamente à perda de soberania espanhola, respeito às potências imperialistas mais centralizaçom política "interna".
Ganhe quem ganhar, Galiza, as mulheres, a juventude e o proletariado vam perder. Hoje nom temos umha alternativa eleitoral frente às maquinarias dos partidos sitémicos.
A chamada esquerda volátil, a que se enquadra em parámetros anticapitalistas e mantém umha prática coerente com estes princípios, nom pode seguir a (i)lógica do "mal menor". Nom pode nem deve sacar as castanhas do lume a nengum dos dous projetos. Em essência, os dous ex-ministros do interior espanhóis representam o mesmo. Nom nos enganemos nem nos deixemos influir polos apelos e pressons a que nos vamos ver submetidas durante quinze dias de pura demagogia e mentiras.
As alternativas à sua esquerda som igualmente sucedáneos do mesmo produto.
O principal cenário da luita de classes e de libertaçom nacional nom som as urnas. A capacidade de convertermos a rua no eixo da luita obreira e popular som as chaves do confronto e, portanto, do avanço na nossa emancipaçom.
Carlos Morais é secretário geral de Primeira Linha
Notas
1 "PSOE. A outra cara da direita espanhola". Abrente 47, janeiro-março de 2008.