José Dirceu, mais do que ninguém, sabe perfeitamente as razões de os ex-comunistas ocuparem todas as instâncias oficiais do esporte - União, secretarias de Estado e secretarias municipais -, em coligações as mais esdrúxulas. Sabe que tal operação tem muito mais a ver com a compra de uma sede milionária em São Paulo, com previsíveis pagamentos de "comissões"intermediárias, do que com qualquer manobra tática em um processo de luta revolucionária, ou sequer de transformação social minimamente qualitativa da realidade socioeconômica brasileira.
Sabe muito bem que essa ocupação de espaço estatal tem a ver, isso sim, com a privatização da res publica. Tem a ver com uma forma de fazer política absolutamente desmobilizadora das energias outrora organizadas por um saudoso PT, onde o debate Reforma x Revolução chegou a ser ponto principal de pauta dos Congressos e Encontros nacionais. De um falecido PT onde a retirada, ou não, da categoria Socialismo do programa partidário mobilizava a militância em disputas de alto nível.
Tem a ver, enfim, com a guinada ideológica que o lulo-pragmatismo impôs ao Partido, e a boa parte de legendas que antes compunham um campo de esquerda na sustentação das campanhas presidenciais de Lula e do PT. Tem a ver com um governo de acomodação entre os interesses e privilégios intocáveis do grande capital financeiro e industrial e a concessão de gorjeta providencial aos segmentos mais miseráveis da população - medida revelada, ao longo do tempo, muito mais como de entorpecimento de mobilizações sociais intensas, ocorridas durante o mandarinato tucano-pefelista de FHC, do que com a solução definitiva do problema da fome.
O governo Dilma não está em perigo, e Zé Dirceu sabe disso melhor do que qualquer outro brasileiro. Não está sob ameaça da mídia conservadora ou do grande capital, por conta de, sem causar nenhum dano aos interesses das classes dominantes do País, ser considerado por boa parte das cabeças pensantes, outrora resistentes ao sistema, como a "esquerda possível", tal o grau de truculência da minúscula oposição parlamentar da velha direita. Ou seja, diante de tal oposição parlamentar, qualquer governo vira progressista, com condições de neutralizar as outrora combativas organizações do movimento social - CUT, UNE e, mesmo parcialmente, até o MST.
É lógico que a mídia conservadora - no mais das vezes pintando uma imagem positiva da "presidenta" como faxineira dos malfeitos, e sem os preconceitos de classe que tinha contra Lula - aproveita. Aproveita dos bonecos-falantes, tipo ACM, neto, na Câmara dos Deputados, ou o ridículo Álvaro Dias, no Senado, para arrancar sempre um pouco mais do que o já obtido nos salvíficos empréstimos subsidiados do BNDE, ou na venda dos espaços de inútil propaganda milionária das empresas estatais (alguém terá que me convencer da necessidade da Petrobras de fazer publicidade de seus produtos, a não ser como cala-boca seletivo).
Com essa velha direita, portanto, até José Dirceu encontra espaço para teorias conspiratórias como as que desenvolve na defesa de Orlando Silva, como forma de não reconhecer a existência de uma oposição de esquerda, uma esquerda que não se vendeu nem se rendeu. E que é ocultada pela grande mídia, a despeito do imenso e qualitativo trabalho que consegue fazer no Congresso Nacional, mesmo com mínima representação numérica.
Mas que se cubram, Zé Dirceu e as direitas. O que está ocorrendo a partir das manifestações indignadas nas mais diversas capitais das principais potências capitalistas do mundo pode exercer papel de contágio abaixo do Equador. Estão aí os estudantes chilenos liderados por uma jovem comunista (de fato, não "doB") levando o governo pinochetista de Piñera ao desespero. E estão aí os governos bolivarianos - que não brigam com o governo Dilma, mas que certamente brigarão muito menos ainda com um governo realmente anticapitalista em nosso País.
Para quem quiser ler a cantilena de Zé Dirceu, na íntegra, o endereço é http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=13614&Itemid=2