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Mário Maestri

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1961-1964: A Organização da Derrota

Mário Maestri - Publicado: Quinta, 22 Setembro 2011 02:00

Mário Maestri


O primeiro governo parlamentarista do Brasil, em 1961, formou-se sob a chefia de Tancredo Neves, do PSD. Três ministérios foram entregues ao PSD, dois ao PTB - Trabalho e Exterior -, dois à UDN. Nos seis primeiros meses, o presidente da Republica, João Goulart, esforçou-se para garantir o imperialismo e os conservadores sobre sua vocação democrática e anticomunista. Em abril de 1962, visitou Washington onde, apesar de declarar oposição à Cuba, não obteve o apoio esperado, pois se negou a abraçar irrestritamente o monetarismo ortodoxo proposto pelo FMI. Prosseguiam suspensos os empréstimos ao governo brasileiro.

Em 1º de maio de 1962, Goulart defendeu as "reformas de base", entre elas, a agrária, sem indenização monetária. O apoio popular era necessário ao retorno do presidencialismo, através de plebiscito pactuado durante o acordo. Quando, em junho, com a renúncia de Tancredo Neves, Goulart propôs o político trabalhista e progressista San Tiago Dantas para primeiro ministro, impugnado pelo Congresso, ele designou Moura Andrade, do PSD, que renunciou, 48 horas após a indicação, devido à negativa de Goulart de aprovar os ministros que indicara. A crise ministerial aprofundou-se com a prontidão das forças militares e a greve geral, da CNTI, interrompida a pedido de Goulart.

Brochado da Rocha, do PSD, ex-secretário do Interior de Brizola, assumiu como primeiro ministro, prometendo combate à inflação e à escassez de alimentos e política exterior independente. Em inícios de setembro, foi substituído por Hermes Lima. Sob pressão de greves gerais, o Congresso marcou o plebiscito para 6 de janeiro de 1963, vencendo o presidencialismo em forma esmagadora. Após dezesseis meses de parlamentarismo, Goulart assumia a presidência, a três anos do fim de seu mandato. Goulart retomou o programa nacional-desenvolvimentista, associado a reformas estratégicas. Nomeou San Tiago Dantas, do PTB, para o ministério da Fazenda, Celso Furtado, no Planejamento e Almino Afonso, no Trabalho. Delineado por Celso Furtado, o programa geral de governo - "Plano Trienal" - reconhecia que a inflação - 52% em 1962 - comprometia as inversões, o crescimento e causava tensões sociais.

Criticando as soluções recessivas, o Plano Trienal pretendia superar o impasse da falta de recursos com as "reformas" de base" - administrativa, financeira, tributária e agrária. Porém, estas ultimas deviam ser aprovadas por Parlamento, dominado pelo centro, centro-direita e direita. O impasse econômico do padrão de acumulação nacional-desenvolvimentista materializava-se em impasse político. Ao rejeitar a proposta de Brizola, em 1961, de novas eleições, Jango fechava as possibilidades de avançar constitucionalmente as iniciativas necessárias.

Enquanto as "reformas de base" não eram aprovadas, o governo propôs reduzir a inflação, a 10%, em três anos, com ganhos reais na produtividade do trabalho de 7% ao ano e com a redução das desigualdades sociais. Nos fatos, San Tiago Dantas, na Fazenda, e Celso Furtado, no Planejamento, avançaram o tradicional saneamento anti-inflacionário: alguns poucos novos impostos para os mais ricos; redução dos subsídios a empresas públicas de transporte e à importação do trigo e gasolina; impulsão nas exportações com a desvalorização do cruzeiro em 30%. O plano foi aprovado pelo FMI e pelo presidente John Kennedy.

Atração golpista

No primeiro trimestre de 1963, a inflação restringiu-se a 16%. Porém, o corte dos subsídios às importações; uma maior uniformização das taxas de câmbio; a restrição do crédito; a desvalorização da moeda, etc., aumentaram o custo de vida, a recessão, a crise social, as greves, dissociando sobretudo os trabalhadores mais organizados do governo. Apesar do programa implementado e de acordo que indenizava vantajosamente empresas estadunidenses expropriadas por estados da federação, o governo obteve nos USA apenas o condicionamento de novos empréstimo à radicalização das medidas tomadas, sob o controle do FMI. Em 1963, o Brasil deveria pagar US$ 1,8 bilhões, uns 43% de suas exportações.

Em março, o governo propôs ao Congresso a expropriação de terras com pagamento em títulos públicos. Em maio, prometeu aumento salarial de 70% para os funcionários federais e militares, apesar de ter afirmado em Washington que não ultrapassaria os 40%. Fechado o primeiro semestre, no Rio de Janeiro, a inflação superava os 30%, taxa estimada para todo o ano. Sem conquistar o apoio financeiro dos USA, Jango afastava-se das classes trabalhadoras e populares. Nesse contexto, ensaiou vacilante e incompleta correção de rumo que expressava o impasse político que vivia o país e suas origens sociais e políticas, mais do que sua personalidade.

Ao preparar confronto com o governo USA, através de eventual moratória unilateral, procurou não cortar os laços com a orientação anterior. Durante a reforma ministerial de junho, dissolveu o ministério do Planejamento de Celso Furtado e substituiu San Tiago Dantas, na Fazenda, pelo político conservador Carvalho Pinto, que articulou plano anti-inflacionário através de bônus bancários. Entrementes, aprofundava-se a crise geral. Em 12 de setembro de 1963, sargentos, fuzileiros e soldados da Aeronáutica e da Marinha manifestaram-se na capital federal, retendo o presidente da Câmara e ministro do Supremo Tribunal, para defender o direito de eleição de praças e suboficiais. Em 4 de outubro de 1963, em associação com seus ministros militares, João Goulart requereu ao Congresso a decretação de Estado de Sítio, por trinta dias, para controlar a agitação social, e organizou a prisão de Carlos Lacerda, governador direitista do Rio de Janeiro, e Miguel Arrais, governador esquerdista de Pernambuco.

Retomando a proposta de Jânio Quadros de 25 da agosto de 1961, Goulart procurava debelar a crise através da constituição de governo de exceção, apoiado nas forças políticas de centro e nas forças armadas. O golpismo foi combatido pela esquerda, pelo sindicalismo trabalhista, pelo PSD e pela UDN, que, por diferentes razões, temiam governo de exceção dirigido por Goulart. Em 7 de outubro, sem apoio político, retirou o pedido ao Congresso e empreendeu nova guinada, agora, à esquerda. Propôs, segundo as exigências nacional-desenvolvimentistas, que os lucros dos capitais mundiais que excedessem aos 10% exportáveis permitido pela lei, seriam reinvestidos como "capitais nacionais de estrangeiros", sem direito à nova re-exportações de lucros. Prosseguindo na senda desenvolvimentista, Jango criou a Eletrobrás, o Conselho Nacional de Telecomunicação, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, e reatou as relações com a URSS.

Porém, nesse momento, os segmentos industrialistas nacionais, base do nacional-desenvolvimentismo, associados ao capital internacional, ou medrosos das crescentes reivindicações populares, avançavam já o projeto golpista. A derrota da proposta de Goulart de governar com os militares, de outubro de 1963, fortalecera a proposta de intervenção castrense sem a participação do presidente. Um dos líderes das articulações era o general Castelo Branco. Já em 1962, antes da vitória do presidencialismo, a conspiração de direita progredia entre a alta oficialidade e a grande burguesia, sobretudo paulista. Os golpistas defendiam que a população fosse incapaz de interferir, mesmo indiretamente, nos destinos do país. Em inícios de 64, expoentes da UDN pregavam abertamente o golpe.

Burguesia Golpista

Em dezembro de 1963, com inflação que, no Rio de Janeiro, encerraria o ano acima dos 80%, Carvalho Pinto foi substituído por Nei Galvão, que empreendeu medidas de controle direto dos preços. No mesmo mês, Jango determinou revisão das concessões governamentais de exploração de recursos minerais por estrangeiros. Em janeiro de 1964, regulou a Lei de Remessa de Lucros. Em fevereiro, as medidas nacionalistas foram contrabalançadas com movimento em direção ao câmbio livre, exigido pelo FMI. Porém, em parte devido às dificuldades econômicas, manteve-se o monopólio do Banco do Brasil sobre as exportações de café e de açúcar, pagas aos produtores em moeda nacional, após conversão cambial favorável ao governo. O "confisco cambial" revertia-se em favor das importações de trigo e petróleo. Com o crescimento dos preços mundiais do café, o governo retomou as discussões com os credores externos, obtendo empréstimos da Alemanha e do Japão. O governo USA manteve o bloqueio econômico, enquanto apoiava as articulações golpistas.

A dívida externa do Brasil mantinha-se em três bilhões de dólares, a mesma desde a renúncia de Jânio Quadros, já que João Goulart não recebera qualquer empréstimo, enquanto o governo Kennedy financiava, através da Aliança para o Progresso, governadores e prefeitos conservadores. O Brasil comprometia 15% de seus ingressos cambiais com o pagamento de juros. A radicalização econômica aprofundava-se, embalada pela inflação e dificuldade no pagamento da dívida. No plano social, avançava a mobilização nas cidades, por reajustes salariais, e no mundo rural, sobretudo no Nordeste e no Sul, a luta pela terra aterrorizava os latifundiários.

Nas eleições de novembro de 1962, o PTB saltou de 66 para 104 deputados federais. Porém, nas onze eleições para governadores, não houve aliança PTB-PSD, dissociação que expressava radicalização social que rompia a aliança entre o industrialismo, dominante, por um lado, e os segmentos proprietários e médios urbanos e rurais e o operariado fabril, dominados, por outro. Aliança garantira a vitória de Getúlio e Juscelino. Apesar da situação explosiva, Goulart negava-se a impulsionar a mobilização e a organização popular autônoma, temendo a superação da política desenvolvimentista-burguesa pelas classes trabalhadoras e a defecção de forças burguesas, já na oposição.

Não havia força política popular expressiva que propusesse a organização e saída independentes para os trabalhadores. Todas as organizações parlamentares, estudantis, operárias e populares de esquerda - Comando Geral de Greve, Comando Geral dos Trabalhadores, Frente Parlamentarista Nacional, UNE, PCB, PCdoB, etc., - apoiavam as "reformas de base", sob a hegemonia de "burguesia nacional". À esquerda deste espectro político encontravam-se a Ação Popular, a pequena Política Operária e minúsculos grupos trotskistas, sem capacidade real de intervenção social.

A posse de Lyndon Johnson, após o assassinato de. Kennedy, em fins de 1963, levou ao abandono da vacilante política dos democratas de dissuasão de golpes de Estados na América, facilitando a implementação do golpismo, em organização no Brasil, com apoio direto da embaixada yankee. Em 1º de abril de 1964, a alta oficialidade das forças armadas assaltou o poder, que o governo de João Goulart pretendera defender com as forças nacionalistas de um Exército que foi o grande vetor de sua queda e da conformação da nova ordem que regeria o país por vinte anos e determinaria, até hoje, seu realidade, em detrimento dos trabalhadores. O golpe foi apoiado pela grande burguesia industrial, pelo latifúndio, pelo imperialismo, pela Igreja, por grande parte dos segmentos sociais médios.

Mário Maestri, 63, historiador, é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net


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