É essa sensaçom a que tenho quando algumhas pessoas rejeitam a possibilidade de construir escolas em galego, entrincheiradas atrás da palavra de ordem histórica do nacionalismo "por um ensino público, galego e de qualidade". Perdim a conta das vezes que participei em manifestaçons atrás de faixas com essa legenda, mas suponho que serám muitas menos das que o voltarei a fazer, porque acredito realmente na necessidade de nos dotarmos dum ensino público galego, que tenha por centro do seu currículo a Galiza e como idioma veicular a nossa língua milenar e internacional. Um ensino científico, nom patriarcal e laico. Mas acho, simplesmente, que o tempo joga contra nós, porque cada vez somos menos a falar galego e mesmo há algumhas partes do nosso país onde o idioma é virtualmente irrecuperável.
Contodo, há gente no próprio nacionalismo que ainda nom percebe esta urgência, especialmente os mais velhos, que tenhem a sorte de serem respostados em galego quando interpelam alguém. Tenho discutido isto com familiares e, sim, concordam em que a situaçom é má, mas nom o vivem, nom o experimentam. Eu som de Sada, e de 30 anos para abaixo só conheço outra pessoa monolíngüe em galego; as pessoas monolíngües em espanhol som imensa maioria nessa faixa de idade. Só quem está nessa situaçom sabe o que é: a sensaçom de alheamento no teu próprio país, a ansiedade que produz ver a tua comunidade a desaparecer.
Alguém pensará que nom é o momento para debater sobre o ensino, imersas como estamos numha luita sindical pola qualidade do mesmo ante as últimas reformas anunciadas: menos professorado, obrigaçom de lecionar matérias que nom se dominam, baixas sem cobrir cada vez por mais tempo... Nom tenho dúvida de que o objetivo dessas reformas é degradar o ensino público até o converter na opçom de segunda: quem quiger qualidade, à privada. Na mesma linha que as reformas anteriores: a LOU, a Lei de Qualidade, Bolonha... E o mesmo com a sanidade.
Essa degradaçom é equivalente a umha elitizaçom do ensino de qualidade que incrementa as desigualdades sociais, e destina menos às que menos tenhem, simplesmente porque assim aumentam os benefícios das empresas que gerem o negócio do ensino privado, entre elas a Igreja. Esta é a verdadeira face do Estado que leva anos a desmantelar, independentemente de quem estiver no poder, os setores públicos na Galiza. Mas a luita por defender esses setores nom pode excluir, e historicamente nom excluiu, trabalhar em projetos próprios que garantam os nossos direitos, no caso do ensino um projeto galego e popular. Eis a nossa aposta, o ensino comunitário.
Como exemplo veja-se a experiência das Escolas de Ensino Galego, das Irmandades da Fala da Corunha, criadas por Leandro Carré e Ángelo Casal a começos do século XX. O artigo "De cânones e canões" do Ernesto Vázquez recolhe multitude de textos da época que destacam pola sua atualidade. Gostei especialmente dum de Casal intitulado, por puro acaso, Sementemos:
"Estes tempos nom som tempos de triunfo, som tempos de luita; de luita individual e em todos os terrenos: no trabalho, no café, na rua... contra um e contra todos.
Mas enquanto nom vem o dia da recolheita é preciso intensificar a sementeira, para que nom tenhamos que nos doer de nom ter rendido todo o labor que deviamos e que a pátria merecia.
E como quiçás a nossa geraçom nom será a que veja brilhar com todo esplendor a estrela que nos guia; é indispensável, para que o nosso trabalho nom seja interrompido, cuidar da educaçom dos que venhem."
E vem ao caso porque esta semana agromou umha semente em Compostela, umha pequena escolinha para crianças de 3 a 6 anos, que recolheu o nome do projeto das Irmandades. Umha escola que nom é pública, mas também nom é privada, porque nom tem lucro e todo o que se ganhar reinveste-se no projeto. Que se está a dotar dumha rede de pessoas que tenham filhas ou nom, escolarizem-nas ou nom, concordam na necessidade de criarmos um ensino em galego e contribuem cada mês, na medida das suas possibilidades, com trabalho e/ou dinheiro para sustentá-lo. Com um projeto educativo de parámetros progressistas, que recolhe no seu ideário a co-educaçom, o assemblearismo, a laicidade, o contato com a natureza e a inserçom no bairro no qual se situa. Um projeto com vontade de crescer e se estender a outros níveis educativos. Umha escola para ganharmos o futuro, impulsionada pos movimentos sociais da nossa cidade.
No passado fim de semana tivo lugar a jornada de portas abertas, e descobrimos os mais de 200 metros de instalaçons inçados de crianças a correr e a brincar. Muitas delas, após grandes esforços dos seus pais e maes, mudanças de escolas incluídas, continuam a fazê-lo em galego. Na Semente pensamos que, no canto de esperar heroicidades dos galegofalantes num contorno espanholizador, seria melhor criarmos a nossa própria escola, que nos permita crescer, onde nom tenhamos que dar explicaçons por falarmos o nosso idioma. O risco de converter-nos num gueto existe, mas há que combatê-lo explicando o nosso projeto e, sobre todo, mostrando-o.
E é aí onde nos diferenciamos de outras opçons, porque a Semente é um sítio físico, nom é um livro nem um panfleto, nem um discurso, nem umha página no facebook. É um local no bairro de Vista Alegre onde se desenvolverá um projeto educativo galego.
Um bocadinho de terra libertada com muitas maos a trabalhá-la, e à espera de muitas mais.