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Joycemar Tejo

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Elogio da dialética

Sobre o atirador norueguês

Joycemar Tejo - Publicado: Quarta, 03 Agosto 2011 02:00

Joycemar Tejo

O fascismo na Noruega não é novidade. O exilado Trotsky sentiu isso na pele quando, entre 1935 e 1936, passou em torno de 18 meses no país. Não foi uma estadia pacífica: além da pressão da direita norueguesa contra a concessão do asilo, teve o seu veículo não só perseguido, literalmente, por um bando de fascistas como teve a casa, em sua ausência, invadida por eles.


Não é preciso dizer que a polícia norueguesa pouco ou nada fez para investigar tais atentados. Não bastasse, o revolucionário russo ainda teve contra si a má-vontade do governo social-democrata, que, pressionado por Moscou, queria que o mesmo renunciasse a qualquer atividade política (1).

A História se repete- como farsa, como lembra o "18 Brumário" de Marx. Velhas doutrinas e paradigmas parecem não morrer; encontrando solo fértil, renascem recrudescidos. Ainda temos, nos albores do séc. XXI, monarquistas de cetro e coroa, bem como ainda temos criacionistas (sob o eufemismo moderno do design inteligente). Uns e outros, todavia, se inserem no salutar contexto da liberdade de expressão, na medida em que não venham a fazer mal a ninguém. Temos, contudo, pior que isso, os homofóbicos, os misóginos, os racistas, os supremacistas. E temos quem reúna isso tudo junto: os fascistas.

O fascismo é confuso, a ponto de Umberto Eco, falando da variante italiana, citar sua debilidade filosófica- "Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica". Mais ainda: "O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas idéias políticas e filosóficas, uma colméia de contradições" (2). Essa confusão também foi atestada por Trotsky, dizendo a mesma coisa décadas antes: "Mussolini, na verdade, nunca teve a menor ideologia. A 'ideologia' de Hitler nunca influenciou seriamente os operários" (3). A aparente vitória do nazi-fascismo junto à população nos anos 30 deve ser atribuída, portanto, não a um suposto embasamento teórico/ prático (muito menos, como diz Trotsky, às "teorias semi-delirantes, semi-charlatanescas da 'raça' e do 'sangue'") e sim à "falência estarrecedora das ideologias da democracia, da social-democracia e da Internacional Comunista" (4), incluindo aí a política traidora da frente popular. O fascismo não hesitou diante do campo aberto diante de si- e ocupou o espaço.

O materialismo dialético nos ensina que as idéias não caem do céu. Isso não é desprezar o gênio inventivo -coisa que o marxismo "vulgar", tão criticado por Lukács e hoje, por Mészáros (5), faz-, e sim compreender que o Homem, inserido como está em um contexto material e histórico, é inevitavelmente influenciado pelo meio. Antes de filosofar é preciso comer, afinal, os homens têm de estar em condições de viver para fazer História (6).

O fascismo, confuso e semi-delirante que é, tem também sua origem na vida material. Suas raízes nos anos 20-30 foram a crise capitalista e o ascenso das lutas operárias. Foi a reação, extrema, da burguesia, não sem sacrifícios (preferindo "um fim com terror a um terror sem fim", como diz novamente Marx no "18 Brumário"). A raiz do fascismo europeu do séc. XXI também é econômica: a renovada crise do capitalismo, desemprego- e o fantasma do imigrante, que naturalmente fala uma língua estranha e tem tez morena. E está armado o cenário.

Anders Behring Breivik, o atirador da Noruega, não pode ser considerado um louco ou um caso isolado. Não basta apenas encarcerá-lo e dar o assunto por encerrado; é preciso ir à raiz do problema. As idéias que o alimentam continuam pululando por aí (7) e, com certeza, há um limite para a liberdade de expressão.

Gostei de Stoltenberg ter dito que responderá aos ataques com mais democracia (8). Afinal, o fascismo se alimenta do medo e do obscurantismo. Mas eu acrescentaria: mais democracia, mas democracia operária. Só a classe trabalhadora no poder pode, eficazmente, exorcizar o espectro fascista que ronda a Europa.

Notas

(1) Detalhes da estadia de Leon Trotsky na Noruega estão em seu "In 'Socialist' Norway" (1937). As aspas em "socialist" são propositais: denunciam o grau de degeneração do Partido do Trabalho Norueguês (NAP), no poder a partir de 35.

(2) Umberto Eco, "O fascismo eterno"- http://bit.ly/14CioM

(3) Leon Trotsky, "Programa de Transição".

(4) Trotsky, idem.

(5) A propósito, a oportuna fala de István Mészaros, em entrevista ao caderno "Prosa & Verso" do Jornal "O Globo", em 25/ 06/ 2011: "Há um marxismo vulgar que fala das idéias como conseqüência mecânica da economia, um mero efeito, mas isso é uma grande falsificação do que Marx pensava".

(6) Marx e Engels, "Ideologia Alemã".

(7) "Noruega: Bloguista [sic] admite ter inspirado o autor dos atentados"- http://bit.ly/mOK50G

(8) "Premier da Noruega diz que país vai responder aos ataques com mais abertura e democracia"- http://bit.ly/pwhoPt


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