Esse parlamento não tem maioria de direita. Pelo contrário. É formado uma maioria PASOK – dita socialdemocrata – que derrotou o governo reacionário, responsável por fraudes nas contas públicas, distorcendo dados oficiais, e ocultando dívidas contratadas por segmentos privilegiados do grande capital, com ônus repassado ao setor público.
Essa maioria socialdemocrata, ao invés de denunciar o caráter lesivo dos acordos anteriores, a ele se submete, reproduzindo práticas que outrora necessitavam de golpes militares, torturas e assassinatos de opositores para garantir a privatização do lucro, com a socialização do prejuízo – modelo muito bem definido por Noam Chomsky como “socialismo dos ricos”.
Hoje, a BBC informa que, cinicamente, Sarkozy e Merkel chamam o povo grego à “unidade nacional” em torno do garrote vil financeiro que impuseram ao país (http://www.bbc.co.uk/news/business-13902794). Cinismo duplo porque, num primeiro momento, Merkel havia tido uma posição distinta. Saída de uma brutal derrota eleitoral, não queria impor ao eleitorado alemão a participação no sacrifício grego. Operou para que os bancos privados credores se organizassem num processo de alongamento, bancando eles a quota principal do risco em que haviam mergulhado por operações especulativas. Mas qual o quê?! Não durou muito. Bastou o presidente do Deutsche Bank – maior potência germânica – estrilar para que ela recuasse e se juntasse às bandalheiras de Sarkozy.
O Banco Central Europeu, com o dinheiro dos cidadãos comuns, emprestaria o que a Grécia viesse a necessitar para manter compromissos assumidos, não pelo povo grego, mas pelos cúmplices locais da especulação globalizada, de modo a que os balanços dessas “humanísticas instituições” se mantivessem sanados.
Nesse contexto, e como já havia sido provado na Espanha e em Portugal, a manifestação de rua não tem se mostrado suficientemente eficaz para a rendição dos parlamentos – corrompidos e covardes diante dos poderosos de fora, mas arrogantes diante de seu próprio povo. Rendição aos interesses da parte majoritária do povo. Da parte que trabalha e produz, que vive de salários, e que não tem nada a ver com as especulações do crime organizado que se desenrolam nas bolsas do chamado “livre mercado”.
É aí que as forças da esquerda organizada têm que abrir um espaço de reflexão. Têm forças para um processo de insurreição que leve de roldão essas “instituições”, como sonhamos nas décadas de 60 e 70 do século passado? Se têm, vale seguir no “que se vayan todos”, sem esquecer de trazer uma boa parte das forças armadas, também carcomidas em seus salários, para o seu lado.
Mas, mesmo tendo, não podem abdicar da disputa desses parlamentos. Levando a sério um trabalho permanente de mobilização político-eleitoral consistente, sem os arroubos generalizados contra os partidos políticos. O “movimentismo”, em si, é alvo vulnerável pela fragmentação das demandas corporativas e setoriais que comporta. O partido político, não. Ainda é o único instrumento capaz de universalizar, de politizar, essas demandas. E o partido, por mais classista e revolucionário que se pretenda, tem que aceitar a necessidade de se organizar para a disputa no seio do Estado burguês, se realmente pretende desconstruí-lo. Nessa luta, muitos se acomodam, se vendem e se rendem a esse Estado burguês. Mas nem todos. E quanto mais desses todos conseguirmos colocar nos parlamentos burgueses, mais possibilidades terão de impedir que eles continuem a serviço da burguesia.