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Joycemar Tejo

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Elogio da dialética

Cesare, liberdade ainda que tardia

Joycemar Tejo - Publicado: Terça, 14 Junho 2011 22:54

Joycemar Tejo

O jurista alemão do séc. XIX, Rudolf Von Ihering, diz em sua obra clássica que o fim do Direito é a paz, o meio de alcançá-la, a luta (1). É muito comum o desprezo, por parte dos marxistas, pelas disputas no campo puramente institucional.


Falam acriticamente em "Justiça burguesa" e viram as costas a ela. Esquecem assim que não há Justiça que não tenha caráter de classe, dado que, sendo um fenômeno superestrutural, acompanha os influxos de base. É evidente que a Justiça de um sistema burguês terá matiz burguês, assim como a Escola, a Cultura, a Sociedade etc. , num sistema burguês, também são burgueses, mas não é por isso que nós que somos contra a ideologia burguesa abriremos mão de disputar também em todos esses espaços. Esquecem também que ainda não há Justiça operária. Logo, se é o que nos resta, devemos recorrer à velha dama de olhos vendados e de espada e balança em punho, que adorna as entradas dos tribunais.

A luta pela liberdade de Cesare Battisti teve no campo do Direito uma arena fértil. Se foi protelada até hoje -precisamente, o dia 08 de junho de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 a 3, que o governo de Berlusconi não possuía legitimidade para contestar o ato soberano de outorga de asilo pelo Brasil, de modo que o italiano deveria ser posto em liberdade- é porque quiseram arrastar a questão para a política.

A saída jurídica era uma única apenas. A lei 9474, que disciplina a concessão de refúgio (ou asilo, dada a confusão terminológica, mas que aqui não tem relevância), diz claramente que "o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio". Isto é: a partir do momento em que Tarso Genro, então Ministro da Justiça, concedeu o refúgio, Cesare deveria ser imediatamente posto em liberdade (2).

Mas, ora, ora, a Corte maior do País, o STF, não cumpre a lei. Nem a Constituição, pois lá é dito claramente que a condução da política externa compete ao Chefe do Executivo, bem como que os Poderes são harmônicos, mas independentes entre si- e mantiveram Cesare Battisti preso.

As manifestações de ódio após a concessão do refúgio vieram dos mais diversos escalões. Parlamentares, autoridades e sindicatos de agentes penitenciários italianos manifestaram sua indignação pelo refúgio dado ao perigoso "terrorista". Falou-se em boicote, na "república das bananas" que somos. Que somos -como se isso fosse uma ofensa- um "país de dançarinos". Qualquer brasileiro, de qualquer campo do espectro político, se sentiria melindrado com tamanho desrespeito, pelos italianos, a uma decisão soberana de um país soberano. Mas o STF não se melindrou; manteve Cesare preso, de forma claramente ilegal para que, novamente, viesse a decidir pelo óbvio: refúgio (ou anistia) dado, ponto final.

No campo jurídico, a Itália não tinha como prevalecer. Que recorram a Haia -o que sequer é cabível ao caso- ou mesmo ao Papa. É a sagrada garantia ao jus sperneandi, o "direito de espernear", de choro e ranger de dentes.

E no campo político? Ficou patente a tônica ideológica do caso. A direita italiana, Berlusconi a frente -aquele que há pouco disse com todos as letras que "não iria entregar a Itália aos comunistas"- queria o sangue de Cesare. Battisti era um troféu, um prêmio, algo pelo qual valeria a pena ir até as últimas conseqüências. Só ódio ideológico explica a condenação de alguém à prisão perpétua, por supostos assassinatos na base do "ouvir dizer", na base, pior que isso, da famigerada delação premiada. É o alcagüete servindo de carrasco, seu dedo-de-seta apontado, em troca da proteção do Estado italiano, para aquele que sequer estava presente para se defender. Isso não é "devido processo legal". É por isso que Luís Roberto Barroso, o advogado de defesa, ressaltou que o processo criminal contra Battisti deveria figurar em qualquer antologia de aberrações jurídicas.

Como diz Trotsky, para os revolucionários o dito "direito" de asilo é há muito tempo menos um direito e mais uma "questão de indulgência" (3). Ficam condicionados à boa vontade do governo do país asilante, que, caso queira, pode simplesmente lavar as mãos e chutar para fora o pobre-diabo. Antes de protegerem o asilado, afinal, querem se proteger. Battisti tem vivido como pária em razão da perseguição pelo Estado italiano. Teve relativos momentos de paz na França, mas ei-lo novamente en route, as tenazes do fascismo em seu encalço, acabando por parar no Brasil. De acordo com sua tradição histórica -para que não venha o lulismo reivindicar o mérito- a diplomacia brasileira concedeu o refúgio. O parecer de Tarso Genro foi tão irreprochável que a questão jurídica se dava por encerrada. Juridicamente, pois como dito foi arrastada até aqui porque a direita italiana não dava o braço a torcer.

Mas venceu o Direito, e então volto ao começo. Não vamos abandonar essa arena. Em sendo superestrutura, também influi, dialeticamente, na base, e não é por outro motivo que Eros Graus afirma que "o Direito é produzido pela estrutura econômica mas, também, interagindo em relação a ela, nela produz alterações" (4). Todas as tribunas -em todos os sentidos- são instrumento nessa luta pelo fim da exploração do homem pelo homem. Mesmo que sejamos derrotados, como disse o advogado Luís Roberto Barroso da tribuna, citando Fidel Castro no encerramento de sua defesa, "é melhor morrer em pé que viver de joelhos". Ave Cesare.

Notas

(1) "A luta pelo Direito", 1872.

(2) Ver o meu artigo "Cesare Battisti e crimes políticos" - http://bit.ly/hWjLmm.

(3) Leon Trotsky, "On the Atlantic", de 28/ 12/ 1936.

(4) Eros Grau, "O direito posto e o direito pressuposto".


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