Ratko Mladic não é um raio em céu azul de uma região até então tranquila; não é um genocida psicopata que aparece do nada e desanda a eliminar populações.
Ele é produto de uma tradição de confrontos religiosos e étnicos que marcou a região durante o século XX, com exceção do período em que Tito, vivo, consolidou a Iugoslávia unificada.
E Tito tinha essa força política por conta de uma liderança forjada em duas frentes violentíssimas durante a II Guerra Mundial. Croata, comandava a guerrilha comunista de resistência à invasão nazifascista dos exércitos de Hitler e Mussolini, cujos regimes tinham ampla aceitação entre seus compatriotas. Resistência de massa, quem fazia eram os sérvios, que já lutavam contra os nazistas organizando o pós-guerra socialista, distintamente dos maquisards franceses, e dos partigiani italianos. Por isso, inclusive, sempre teve total independência em relação aos movimentos de Stalin, o que não ocorria com comunistas franceses e italianos.
Os problemas começam com a morte de Tito em 1980. Ao invés de uma chefia de Estado, com um presidente ou um primeiro-ministro eleitos pelo voto direto de todos os iugoslavos, os sérvios – preocupados com a manutenção da Iugoslávia unificada – abriram mão dessa disputa, onde teriam ampla vantagem pela sua superioridade populacional sobre todas as outras etnias e nações juntas. Propuseram e avalizaram uma rotatividade entre todas as representações. Cada mandato teria presidente de uma das etnias.
Não funcionou, porque Croácia e Eslovênia – as que tinham aberto as portas dos Bálcãs ao nazifascismo da II Guerra – se empenharam no descompromisso com o regime socialista autogestionário, começando a buscar seus contatos e seus apoios entre as potências ocidentais.
Com o fim da União Soviética, soltam as amarras e partem para a separação, com hostilidade às populações sérvias em seus territórios, contra o que o governo sérbio reage.
Vale ressaltar aqui que, se genocídio nos Bálcãs tem data inicial de ocorrência, ele se deu contra os sérvios na II Guerra Mundial – na ordem de 350 mil mortos – sob as botas da milícia fascista croata , os sustachi, que concorriam em ferocidade com as tropas das SS. Tinha por que temer a ação croata contra os seus que viviam na região.
Diante da reação sérvia, a OTAN entre no jogo, bombardeando brutalmente a Bósnia. Daí diante, foi o Deus nos acuda. Todos contra todos, muito embora sobre os sérvios – por seu passado sempre pró-Russia, dos czares ou dos sovietes – terminem por cair todas as acusações desse bizarro Tribunal de Haia, que sempre opera na direção dos interesses do Departamento de Estado americano e do Pentágono, muito embora não sequer reconhecido pelos Estados Unidos.
Nesse contexto, se os sérvios são levados ao banco dos réus, em todos os lados – inclusive dos comandos da OTAN – têm que ser buscados os criminosos de guerra, nessa sofrida região, se alguma justiça tem que ser feita com isenção.
Como ilustração, sugiro que se busque no portal da GloboNews, a reportagem exibida pelo Jornal da 6, deste 26 de maio, em que Silvio Bocanera entrevista civis de uma região onde Mladic é tratado como herói. Apavorante para os habitantes, conforme revelam ao vivo nas entrevistas de rua, é a ameaça dos bombardeios da OTAN sobre populações civis locais.