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Leônidas Dias de Faria

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Sinistra!

O Elogio do Emir

Leônidas Dias de Faria - Publicado: Quinta, 12 Mai 2011 02:00

Leônidas Dias de Faria

Em publicação datada deste primeiro de maio de 2011, Emir Sader nos apresenta o que nomeou como Elogio dos Trabalhadores, certamente pretendendo dizer “Elogio aos trabalhadores”. Nesse pretenso enaltecimento dos produtores, nosso bem intencionado autor incorre em tão numerosos equívocos quanto é breve o seu texto.


Sader dá início a seu encômio com enunciados bem gerais, sustentando que “o homem se diferencia dos outros animais por vários aspectos, mas o essencial é a capacidade de trabalho”. Com essa afirmação aparentemente isenta de problemas, supostamente inquestionável, de uma perspectiva marxista, o autor dá mostras de não haver capturado a ideia marxiana de que o homem se diferencia dos animais por meio do exercício cooperativo concreto dessa mesma capacidade, que tem no intercâmbio social condicionado pelo ambiente material o cenário e, portanto, os estímulos necessários para o seu desenvolvimento. Perde de vista, portanto, que o homem vem a ser por meio da criação conjunta de um ambiente material e imaterial propriamente humano, isto é, de um mundo e de um modo de ser comuns.

Além disso, ele deixa de apreender que os demais aspectos pelos quais os homens se diferenciam dos outros animais também são derivados de sua construção conjunta de seu próprio modo de vida, constantemente engendrado por meio do intercâmbio produtivo real de entes materiais em âmbitos extremamente variados e interligados de modos potencialmente infinitos– o que nada tem a ver com o economicismo sustentado por inúmeros marxistas e atribuídos a Marx por eles mesmos e pelos detratores do autor.

Prosseguindo, Sader complica mais seu imbróglio filosófico-antropológico dizendo que “os outros animais recolhem o que encontram na natureza, enquanto o homem tem a capacidade de transformar a natureza”, complementando contraditoriamente que o homem “transforma o meio em que vive, para produzir as condições da sua sobrevivência”, isto é, para a manutenção puramente biológica de seu organismo. Assim, o homem é uma abelha, ou um joão-de-barro.

Não bastasse Sader transformar o homem em castor, ele nos diz que se trata de um castor mágico; do tipo que não precisa roer para cortar a árvore, mas lhe basta ter a capacidade de roer para que ela caia, do mesmo modo que lhe basta a capacidade de trançar os galhos para fazer a barragem, não sendo necessário executar a atividade concreta a que tal capacidade confere determinações.

Sader nos revela essa verdade com as seguintes palavras, já aludidas acima:

“o homem transforma o meio em que vive, pela sua capacidade de trabalho...” (grifo meu).

Tratando do produto dessa capacidade do homem mágico e avulso (não social), e não do produto de seu desempenho efetivo no processo de trabalho mesmo, que é sempre configurado sócio-historicamente, por ser trabalho cooperativo desde a origem de nossa espécie (a qual, diga-se, já surge no interior de grupos de hominídeos dotados de cultura), Sader traz à tona a falta de lastro de seu suposto marxismo. Ele nos diz que o homem transforma o mundo com sua capacidade de trabalho; mas não nos diz que com isso ele molda esse ambiente conforme necessidades engendradas em meio ao intercâmbio social, inspiradas por ele, em processo de distanciamento sócio-histórico da naturalidade, por meio da apropriação cooperativa da natureza, circundante e própria ao humano. Para ele, o resultado é uma “dialética”, e é nisso que se revela repleta de cochonilhas metafísicas e naturalistas a raiz de seu “marxismo”.

Diz Sader, em continuidade à citação acima:

“... gerando a dialética mediante a qual ele modifica o mundo e ao mesmo tempo se modifica...”

Quando não se podia pensar em piora, nosso bom Emir nos lança a ideia de que essa dialética (entendida aqui não como nos modernos, enquanto ferramenta heurística, como método; mas, como poder mágico efetivo sobre o real, tal como as palavras de um deus) é algo posto em ação pelo homem por intermédio da natureza.

Não bastasse o homem ter que gerar a dialética mediante a qual ele modifica a natureza (em si e à sua volta), ele tem que ter a natureza como mediação dessa mediação. A natureza, que é transformada, é mediação da dialética por meio da qual o homem modifica, com sua capacidade de trabalho, a própria natureza!

Então, “intermediado pela natureza”, o homem cria com a sua capacidade de trabalho uma dialética por meio da qual ele modifica a natureza e a si próprio.

E ele o faz pela mera sobrevivência! Pobre criatura!

Indo adiante em seu arrazoado, o instruído Sader nos brinda com uma leitura viciada da noção de “história como história da luta de classes”, da qual também se servem em generosas porções tanto supostos parceiros como confessos antípodas de Marx. Essa noção, que desempenha função retórica no Manifesto do Partido Comunista e não deve ser vista como a apresentação de um princípio universal regente da História, consiste de fato em uma referência à pequena porção do processo de auto-produção do homem registrada em documentos e a qual se nomeia “história” em contraposição à “pré-história”, período evidentemente histórico e muito mais extenso que aquele que se faz registrar por escrito. Com a afirmação de que a história tem sido até hoje a história da luta de classes, não quiseram Marx e Engels senão acentuar que à civilização, a que se devem a escrita e o registro histórico mesmo, deve-se também a cisão dos homens em produtores e apropriadores, ou pelo menos sua oficialização por meio do Estado. Para ambos, não só havia transcorrido muita história até a ocorrência da cisão em classes, como a forma social de apropriação comum dos recursos naturais e já humanizados até então vigente deve ser recuperada, em nível superior de sofisticação e abrangência, nos tempos atuais – nisso inspirando-se sua proposta prática.

Deixemos a ideia de que sãos os princípios que movem o humano para Dona Arendt com seu requentado neo-hegeliano, de que ainda volto a tratar nessa coluna, bem como para arrogantes auto-enganos afins.

Voltemos ao nosso elogioso autor. Ouçamo-lo dizer que:

“ao longo do tempo, a constante das sociedades humanas é a presença dos trabalhadores, sob distintas formas – escravos, servos, operários –, responsáveis pela produção dos bens da sociedade”

Teria o autor, por descuido, se esquecido de mencionar que a cisão de classes pressupõe quase duas centenas de milhares de anos de trabalho comunitário, de suas formas mais rústicas às mais sofisticadas, cujos avanços produtivos (que se difundiram em teias complexas de interação de grupos distintos, após a primeira dispersão dos grupos ancestrais de nossa espécie) condicionaram mesmo a apropriação por uns do trabalho excedente produzido por outros, por haverem condicionado a produção mesma de excedentes? Toda forma de sociedade de classes deriva da apropriação privada de meios comunitariamente desenvolvidos de produção, que de modo algum se restringem à manutenção biológica dos entes, mas servem à satisfação de necessidades extremamente complexas, inclusive marcadas por elevada sofisticação espiritual em muitos casos. Então, não há qualquer lastro histórico ou ontológico para a afirmação de que todas as formas sociais que já existiram foram marcadas por uma posição subalterna dos produtores de riqueza com relação a seus apropriadores priviliegiados, dos quais eles só receberiam um sustento de besta de carga.

Com tais afirmações absurdas, Sader peca historicamente, porque formações sociais fundadas na propriedade comum dos meios de produção vicejaram ao longo de milênios, esparramaram mundo afora, da África às Américas, infiltrando-se por toda a Europa, pela Ásia e pela Oceania, bem como em múltiplas ilhas espalhadas pelos oceanos. E peca contra a filosofia, contra a teoria, pois é impensável que a forma primordial de apropriação da natureza pelos homens (entes dotados, sim, de capacidade de trabalho; mas, inseridos desde sua gênese em grupos que exigem a utilização conjunta, bem como o desenvolvimento associado dessa capacidade, que efetivamente se transforma em inúmeras e virtualmente infinitas, embora todas sempre se associem em uma grande força social) seja aquela em que uns se apropriam do que forçaram outros a produzir. É como se a produtividade do trabalho tivesse sido forçada até o ponto de gerar excedentes no espaço de poucas horas, para que os primeiros exploradores não morressem de fome em virtude da improdutividade social do trabalho de seus subordinados, já na primeira geração de nossa espécie!

A qualquer um que se tenha dado ao trabalho de conferir por alto algum compêndio de etnologia, antropologia, arqueologia ou história revelam-se como errôneas as afirmações feitas por Sader de que “a forma de exploração da força de trabalho é que variou” e de que é tal variação na forma social da exploração dessa mesma força que define “o caráter diferenciado de cada sociedade”. E essa afirmação de presença exclusiva do trabalho alienado desde o início dos tempos históricos, além de falsa, ainda é mais problemática, por implicar outra falsidade: a de que a ação dos trabalhadores organizados nunca foi base de qualquer formação social, muito menos da primeira delas, nem tampouco serviu de impulso a qualquer revolução social – reduzindo-se o processo revolucionário ao revezamento entre classes dominantes, cabendo àqueles que efetivamente produzem um papel de completa passividade.

Uma leitura rápida dos excelentes estudos de Ellen Wood sobre a influência exercida na configuração da polis democrática ateniense pela condição livre dos camponeses-cidadãos revela que, mesmo em sociedades de classes relativamente recentes historicamente (com a grega clássica), os produtores diretos comparecem de modo ativo na ordenação do tecido social. Pela primeira vez, os produtores diretos são cidadãos; e não meros súditos de um Estado, a cujos privilegiados membros sua estrutura administrativa conferia o direito de extração de excedentes via impostos e à força bruta. Embora cindida em classes antagônicas, a polis democrática ateniense não admitia que o aparato do Estado fosse utilizado como instrumento de dominação. É um erro perceber no fundamento da cultura ateniense a escravidão; pois, somente por não poder subordinar à força seu concidadão, mesmo sendo ele pobre, o aristocrata decadente recorre à escravidão de modo mais intenso, aumentando consideravelmente o número de escravos na polis. O que marca profundamente a cultura ateniense é o trabalho livre, do pequeno camponês e do artesão que, embora pobres, participam como iguais da gestão da cidade-estado; é esse o traço acentuado por Wood, ilustrado positivamente pelos poetas trágicos que cantam loas ao trabalhador e pelos monumentos a deuses ligados às artes práticas, ou negativamente pela reação furiosa de Sócrates, Platão e Aristóteles à dissolução dos privilégios aristocráticos.

Prosseguindo com seu elogio às avessas, Sader afirma, em tom de ressalva (completamente fora de lugar), que, “porém, a exploração do trabalho por outras classes sociais fez com que o trabalhador não controlasse sua força de trabalho” (grifo meu). O que nos diz nosso teórico não é apenas o absurdo de que a exploração é causa de si mesma, isto é, é causa do fato de os trabalhadores terem suas condições de trabalho, portanto de vida, sob controle de outros, que lhes permitem o acesso a elas apenas com vistas à apropriação sem contrapartida de uma parcela considerável do produto do trabalho; mas também que é o “trabalho” que é explorado “por outras classes”. Então, não são os trabalhadores que são explorados, mas o trabalho mesmo?

Então, fica tudo ainda mais confuso. Embora o homem produza seu mundo com a capacidade de trabalho, é o trabalho que se faz explorar pelas “outras classes”. E não foi a perda de controle dos meios de produção originariamente comunitários pelos trabalhadores o que propiciou a sua exploração; mas, foi a exploração que causou essa perda de controle! E só então, depois de a exploração haver tomado a força de trabalho social das mãos da comunidade dos produtores, essa força passou a ser utilizada para a “para a acumulação de riquezas dos outros”. Essa entidade metafísica “a exploração”, que faz e acontece na imaginação de Sader, me perdoem a reincidência da lembrança desagradável, faz recordar “a violência” da senhora Hannah Arendt. Mas, tratemos de um delírio de cada vez.

Mas, notemos atentamente a expressão “para acumulação de riqueza dos outros”. Sader nos diz que os trabalhadores têm sua força de trabalho empregada “para acumulação de riqueza dos outros”. Mas, se alguns trabalhadores se empenhassem diligentemente em acumular “riqueza dos outros”, seriam justamente taxados de ladrões e não de explorados. No caso de se querer elogiar-lhes a inventividade, a presteza, a robustez e a sofisticação de suas capacidades e de seus produtos, ao mesmo tempo em que lamentar o fato de tudo vir sendo utilizado em prol de quem não dispõe de nada disso, mediante a barganha com meios de vida na forma de salário etc., dever-se ia chamar-lhes de bandidos, como já se os vem chamando de marionetes históricos? Não deve-se dizer que outras pessoas, lamentavelmente, se apropriam de suas riquezas e as acumulam, ainda que sob a forma abstrata do dinheiro (cuja abstração não priva da concreta função de comandar trabalho alheio, para fins produtivos ou para mero consumo improdutivo), convertendo-as em um poder que se volta opressivamente contra os trabalhadores, enquanto poder de classe dominante?

Ainda um outro problema deve ser apontado nessa passagem. Nela, Sader universaliza uma característica própria à formação social capitalista, pois postula como presente em toda forma de exploração do trabalho o propósito da acumulação. De modo sem precedentes, o sistema capitalista se volta para a reprodução ampliada dos recursos investidos; não se trata de ter como propósito o luxo e a ostentação deste ou daquele senhor ou rei excêntrico, mas o propósito de acumulação de dinheiro em contas que não se operam senão com vistas ao reinvestimento mais uma vez lucrativo e assim sucessivamente. O que gira em torno disso é o esforço das pessoas em conseguirem ter uma vida minimamente agradável por meio da aquisição dos bens unicamente em função dos quais aquele dinheiro pode ser entendido como algo mais que papel etc. Então, o senhor Sader projeta por toda a história humana uma peculiaridade de nossos tempos: o propósito da acumulação.

Renitente em seu equívoco histórico, Sader volta a soterrar no esquecimento as formas comunais que por tantos e tantos milênios vigoraram por toda a face do planeta, e de que nós eliminamos atualmente as últimas remanescentes em nosso próprio país, em nome da ficção naturalista dos economistas políticos dos séculos XVIII e XIX – a naturalidade/racionalidade da forma capitalista de produção, fundada em uma essência humana egoísta, competitiva e aquisitiva. Abstraindo, como muitos marxistas, de que o objetivo daquele que tematizou mais detalhadamente o fenômeno do trabalho assalariado teve como seu fundamento a noção de que o mesmo representava a expropriação do que outrora foi comum, bem como almejava a retomada da forma comunal, ainda que em bases mais elevadas – pois, por toda a sua obra Marx assim procede, o que se pode atestar nos textos de 44 e de 82, por exemplo – , Sader nos diz que:

“O trabalho foi sempre um trabalho alienado, em que os trabalhadores produzem, mas não são donos do produto do seu trabalho, nem decidem o que produzir, como produzir, para quem produzir, a preço vender o que produzem”

Além do caráter delirantemente a-histórico de seu pensamento social, Sader revela na passagem acima a estreiteza de seu socialismo. O desprezo da história, que também se revela na universalização da peculiaridade capitalista de haver no produto do trabalho em geral um preço, pelo qual busca-se vendê-lo, denota a restrição de seu socialismo a algo como que um mercado “socialmente controlado” (aberração que dá muito a dizer, mas que aqui não se tematiza – podendo-se fazê-lo em outra ocasião nessa coluna). Não se vê nessa passagem qualquer indício de que seria desejável, para o senhor Sader, que os produtores livremente associados criassem uma sociedade global que prescindisse do dinheiro em sua alocação de recursos produtivos de bens de consumo direto. A revolução não pulsa nas palavras de Sader.

Em uma tentativa de, finalmente, aludir à problemática da mais-valia, forma especificamente capitalista de extração de excedentes, forma “diretamente econômica” (dado que, em seu funcionamento, o Estado só comparece como salvaguarda das “leis econômicas” que, se fossem mesmo naturais, não precisariam desse aparato para garantir sua vigência ou, no mínimo, tentar garanti-la; não comparecendo como aparto de extração direta de excedentes pelas classes dominantes, como outrora), Sader busca inflamar os trabalhadores, revelando-lhes o óbvio – pelo menos depois de Marx e da repercussão mundial, ainda que problemática, de sua obra. Além de dizer que eles não têm (como nunca tiveram em qualquer momento, segundo seu equívoco histórico) qualquer controle sobre o que produzem, Sader volta então a lembrar aos trabalhadores de que “tampouco são remunerados pela riqueza que produzem, recebendo apenas o indispensável para a reprodução da sua força de trabalho”.

Mas, por que Sader o diz em tom de quem aponta um problema? Mais acima ele não disse que o trabalho humano tem como propósito garantir a sobrevida dos próprios homens? Então, estamos vivendo em uma sociedade estupenda! Não só os trabalhadores trabalham para garantir a si mesmos “o indispensável para a reprodução da sua força de trabalho”; mas eles trabalham também, veja o leitor que lindo, para garantir que aqueles que não trabalham não só possam também se manter vivos, mas enriquecer-se, além disso, por meio da acumulação dos excedentes que da labuta diária dos trabalhadores resultam aos borbotões cada vez mais densos.

Avançando em seu suposto elogio, Sader reitera sua redução dos trabalhadores a algo mais elementar que aquilo em que a sociedade capitalista ou qualquer outra os tornou efetivamente, ou seja, a simples animais, cujas demandas são restritas à mera sobrevida. Nem mesmo o mais vil dos sistemas sociais faria tão mal aos trabalhadores como o fez Sader, felizmente apenas em sua fantasia: reduzir seu rol de necessidades à naturalidade. Para tanto, assevera o autor indignado:

“Quem se apropria do fundamental da riqueza produzida é o capital, que assim acumula, se expande, se reproduz, enquanto os trabalhadores apenas sobrevivem”.

E quanto aos capitalistas, com quem os trabalhadores estabelecem as transações basilares de nosso sistema? A pergunta retórica se põe diante da afirmação acima de que é “o capital”, não o conjunto dos proprietários de suas porções constitutivas, isto é, os mesmos capitalistas, quem se apropria do que Sader chamou de o “fundamental” da riqueza. Tal afirmação é extremamente problemática por omitir a distinção necessária entre a renda que os proprietários extraem para si, para arcar com seu consumo mais ou menos requintado, do montante de lucro produzido (já descontadas as demais rubricas em que se subdivide a mais-valia), por um lado, e o montante muito mais significativo desse mesmo lucro que se faz reinvestir – isto é, reinserir no processo de exploração lucrativa de força de trabalho assalariada. Talvez a desproporção entre o montante enorme do que se destina a reinvestimento e o que se destina ao consumo pelos capitalistas deva ter conduzido nosso Emir ao equivoco de tratar o capital como pessoa que se apropria do “fundamental da riqueza produzida”; mas, não se pode pensar em trabalhadores sendo explorados por uma classe que não consome senão empregando capital, investindo – como é evidentemente um absurdo dizer que é o capital que, por si mesmo, explora os trabalhadores, ao invés de serem os capitalistas a fazê-lo. Se todo o lucro for reinvestido, se nada dele é consumido como renda, coitados dos capitalistas! Não perderão apenas seus bens luxuosos, mas também os mais elementares. Morrerão de fome.

Fazendo as vezes de um historiador, pondo em prática um supostamente milagroso “método dialético” de desvendamento da história, Sader ensina que:

“Um dos fenômenos centrais para a instauração do capitalismo foi o término da servidão feudal, com os trabalhadores ficando disponíveis para vender sua força de trabalho”.

Nessa maravilhosa explicação, temos o colapso do feudalismo como um movimento inexplicado e inexplicável, mas por meio do qual, podemos dizer com certeza, o capitalismo pôde desenvolver-se. Nada disso encontra qualquer correspondência nos fatos, uma vez que a separação violenta entre os trabalhadores e suas condições de trabalho, característica do capitalismo, é promovida por movimentos bem concretos que constituíam as bases desse que viria a ser um sistema global, a partir de configurações sócio-históricas peculiares de nações que já encenavam, havia muito tempo àquela altura, uma disputa global por recursos econômicos que já em muito destoava da produção tipicamente feudal. Não houve um colapso geral do feudalismo seguido de uma sistema capitalista que, por acaso, pôde valer-se de seus escombros. O que ocorreu foi uma crise generalizada do sistema feudal europeu (causada por inúmeros fatores concretos, de que aqui não cabe tratar), bem como uma série de tentativas distintas de superá-la, de que aquela de talhe inglês foi a que passou a predominar. E é na Inglaterra que se pode ver com mais clareza que a situação de os trabalhadores se encontrarem disponíveis para vender sua força de trabalho não foi uma casualidade que veio, coincidentemente, a servir ao capitalismo; foi decorrente da expulsão dos camponeses das terras, para que se destinassem as mesmas à criação de ovelhas, cuja lã seria comercializada com a Holanda, como matéria-prima para suas manufaturas. Também ilustrativa quanto a isso é a posterior subordinação das terras ao regime de arrendamento, de que surge e a partir do qual se propaga o impulso tipicamente capitalista para o aumento da produtividade (que se expressa com limpidez na noção lockeana de improvement, como também nos mostra Ellen Wood): uma vez submetida a exploração das terras aos imperativos mercadológicos, a disputa entre os arrendatários acarreta um processo de proletarização do pequeno camponês que, de servo do Senhor proprietário, passa a figurar como força de trabalho que serve aos arrendatários mais diligentes, que negociam diretamente com o senhorio as condições do negócio – ou se desloca para as cidades para ser empregado em workhouses e, posteriormente, nas indústrias, quando escapa da forca. O proprietário lava suas mãos quanto ao que deve ou não fazer o camponês que cultiva suas terras; só exige satisfação do diligente arrendatário que o emprega, mas só a exige quanto ao que fora tratado como aluguel de suas terras.

Ainda sobre a passagem em questão, há algo mais que merece destaque. Sendo “o término da servidão”, seja lá como tenha acontecido, “um dos fenômenos centrais para a instauração do capitalismo”, por liberar para a venda a força de trabalho dos produtores antes servis, quem mais poderia ser o comprador dessa mesma força senão o capitalista? Como não há outro, devemos pensar que os possuidores de capital estavam em stand by na história, esperando o momento em que a servidão feudal iria deixar de existir, deixando livre a força de trabalho a ser empregada lucrativamente sob o modo capitalista de produção. Sader nos revela essa verdade suprema ao dizer que, uma vez ferrado o sistema feudal (sabe-se lá por que), os trabalhadores se viram livres para “vender sua força de trabalho para quem possui capital”.

Para Sader, a força de trabalho adquirida como mercadoria pelo capitalista é “acoplada”, justaposta, adicionada aos meios de produção e a produção se dá; e isso ocorre “nas mãos dos capitalistas” – que aparecem como trabalhadores, sendo os efetivos produtores reduzidos a instrumento de trabalho, a “recurso humano”, na linguagem corrente. Assim, o autor distorce o fato de ser a força de trabalho o que põe a operar todo equipamento produtivo que se possa empregar como capital, não ser reduzindo a um ingrediente como outro qualquer de um processo conduzido pelo proprietário – o qual, de fato, já há muito deixou até mesmo a gestão de seus fundos a cargo de profissionais. Por isso, esconde de si e de seu leitor o que supostamente deveria revelar: que, embora se apresente como um “recurso” produtivo como qualquer outro, a força de trabalho é a capacidade de operação objetiva e subjetiva compatível com o equipamento produtivo mesmo, existente exclusivamente na pessoa daquele que trabalha, como sua capacidade sócio-histórica de apropriação da natureza; é algo intrinsecamente ligado àqueles demais recursos, separável apenas por abstração, até o advento de nosso sistema social, cujo fundamento é justamente a separação violenta entre ambos consistente no trabalho assalariado, segundo cuja lei a re-união entre aquele que produz e os meios sem os quais não pode produzir só se dá por meio da alienação pelo produtor de sua própria capacidade produtiva (e isso cobra seu sentido mais pleno quando se pensa na usurpação de toda a sociedade em intercâmbio produtivo intenso e múltiplo pelos proprietários de meios de produção, como seus “recursos econômicos”).

O trabalhador não pode ser posto na mesma condição dos meios com que opera em seu trabalho, pois somente com relação à sua força de trabalho eles se mostram como meios de trabalho, meios para o exercício daquela força; e denunciar o fato de isso ser feito pelo sistema capitalista é uma tarefa para a qual Sader não contribui com seu arrazoado. Sua “contribuição” é, na verdade, um acréscimo de confusão, que esconde o fato de que as “mãos dos capitalistas” não chegam sequer perto dos botões, alavancas e demais dispositivos por meio dos quais se controla efetivamente a produção material, seja entendida como produção de valores de uso ou, de modo fetichizado, como produção de valor e de mais-valia. O que faz o capitalista é deter, como propriedade sua, as condições de vida daqueles que para ele produzem; e é justamente esse título de propriedade o que faz dele capitalista. Não o fazem quaisquer traços morais ou comportamentais mais gerais: ele não é capitalista por que é bom ou mau; nem é capitalista por ser diligente ou preguiçoso. É capitalista por deter meios de produção que são operados por trabalhadores assalariados, que efetivamente produzem com os recursos que não são seus, segundo propósitos que também lhes são alheios – e em quantidade maior que aquela da qual se apropriam por meio do consumo de bens privados e públicos. A produção da vida humana se dá em função dos interesses de proprietários privados de recursos produtivos que visam aplicá-los do modo mais lucrativo, competindo entre si e com os trabalhadores pelo abocanhamento da maior porção possível da riqueza produzida. Para usarmos o jargão televisivo, a vida humana atual é “um oferecimento” do capital; o que se produz é produzido com vistas à remuneração incrementada de cada porção de dinheiro investida e é só nessa condição que se tem acesso a essas coisas, como mercadorias. A lógica do capital rege nossa vida. Mas isso não quer dizer que seja o capitalista que opere de fato a produção, em um suposto processo no qual os trabalhadores compareçam apenas como equipamentos que se deixam operar. Reduzir a isso os trabalhadores (como Sader o faz, para toda a história, inclusive futura) é vetar o caminho para se pensar na revolução, a não ser como processo capitaneado por capitalistas “socialmente responsáveis”, inspirados pelas correntes “humanísticas” da Administração.

Indo adiante, nos diz Sader, mais uma vez historiando com as faculdades imaginativas:

“Essa imensa massa de trabalhadores que passou a produzir toda a riqueza das sociedades contemporâneas foi objeto de um processo de intensa exploração do seu trabalho, com condições brutais de trabalho, jornadas longas – de 14 ou até 16 horas”.

Do jeito como põe as coisas, Sader nos dá a entender não só que a exploração foi uma constante na história, como também que a classe trabalhadora foi sempre a mesma. Não só isso: sugere também que ao longo da história ela teve sempre a mesma dimensão. Pois, foi “essa imensa massa de trabalhadores [que] passou a produzir toda a riqueza das sociedades contemporâneas”, deixando evidentemente de produzir a riqueza das sociedades passadas, e ainda não produzindo a riqueza daquelas futuras, senão em alguns aspectos. Complementando esse absurdo, tem-se a afirmação da existência de “sociedades contemporâneas”, apesar de se ter partido do pressuposto da universalidade do sistema social capitalista (do qual se pode efetivamente valer sem que se faça abstração de quaisquer formações sociais efetivas atuais, uma vez que nenhuma há mais que não tenha sido influenciada em profundidade pelo capitalismo global). Nesse âmbito de discurso, da crítica ao sistema social global efetivamente existente, não faz sentido dizer “sociedades”, no plural. Apenas quando fora do âmbito da crítica à sociedade do capital pode-se utilizar o termo no plural, em acepções mais restritas e restritivas, particulares. Por exemplo: “A sociedade brasileira destaca-se na América Latina por sua apatia política.”

Aproximando-se do desfecho de seu discurso, Sader deixa vir à tona novamente qual é o anseio que nutre seu esforço em prol dos trabalhadores. Distante de qualquer projeto de emancipação humana, por meio da reapropriação imediatamente social das forças produtivas sócio-históricas, incluso das capacidades autogestionárias dos produtores diretos, que lhes foram usurpadas por uma parcela da sociedade mesma (que volta a se integrar àqueles produtores na construção conjunta de uma vida legítima na ocorrência de um processo revolucionário desse talhe), ele se atém ao plano político, que pressupõe e, em regra, reforça essa divisão da sociedade em classes antagônicas.

Ainda que alçando repentinamente os trabalhadores da condição de pura subalternidade, em que os havia posto até o momento em seu texto, àquela de “protagonista essencial”, seja lá o que essa redundância venha a significar, Sader não consegue remendar muito bem o estrago já feito. Isso por que os trabalhadores só assumem esse posto, para ele, articulados em entidades sindicais ou partidárias. Diz ele:

“Na resistência a essas condições de exploração foi se organizando o movimento operário, tanto em sindicatos, como em partidos políticos, gerando um protagonista essencial na democratização das nossas sociedades.”

Para além da observação de que para Sader não são os trabalhadores em si mesmos, sob qualquer forma de organização, mas seus sindicatos e partidos que assumem o papel de referido “protagonismo essencial”, pode-se notar algo mais acerca de seu posicionamento de esquerda. Ao defender o que chama de “a democratização de nossas sociedades”, não pretende o autor dizer que devamos retomar progressivamente, por meio de artifícios políticos cada vez mais agressivos, algumas franquias que nos foram alijadas pela forma capitalista de propriedade e pela subordinação completa da vida social ao mercado, que a ele é peculiar; não é como um instrumento útil para que se alcance tais fins que apresenta suas ideias. Na visa ele com sua democratização a contribuir com a luta mais ampla contra o sistema da propriedade privada como um todo, tal como se vê em Ellen Wood (de quem volto a falar quando for tratar de Hannah Arendt e seus devaneios). O que almeja é o acesso por todos às franquias políticas, uma vez esvaziadas de qualquer determinação econômica (o oposto da democracia grega efetiva, histórica; embora conforme à fantasia arendtiana sobre Atenas).

Após dizer que “a direita não perdoa os sindicatos”, sem no entanto acrescentar que não só ela os reconhece enquanto existentes como negocia com eles, inclusive no pior sentido (de estabelecer acordos danosos para os trabalhadores por meio de pagamento a seus “representantes”, em muitíssimos casos), Sader dá prosseguimento ao seu desfile de obscenidades teóricas, dotadas todas elas de efetivo potencial de estrago. Minando a ideia de protagonismo anunciada acima, Sader volta a operar com sua noção distorcida da classe trabalhadora, que a apresenta como passiva, ao lamentar que:

“Na ultima campanha eleitoral brasileira e na velha mídia, os dirigentes sindicais não são tratados como representantes democráticos e legítimos dos trabalhadores, mas quase como gangsters, que se infiltram no governo para defender seus interesses contra os interesses da maioria.”

Desta passagem emotiva, em que cintila a paradoxal idéia de “representante democrático”, merecem destaque a legitimação do atual sindicalismo e a inusitada informação de que os trabalhadores, pela primeira vez na história, não estão mais em maior número, dado que se acredita quererem eles se apoderar do Estado para a imposição de “seus interesses contra os interesses da maioria”, a qual se deduz constituir-se dos proprietários e demais parasitas. Além dessa notícia de que hoje os trabalhadores são em menor número que aqueles que vivem de explorá-los, só temos de significativa, pelo que tem de patética, a busca de Sader por conversão da grande mídia e do aparato estatal, pela mudança de sua leitura e expressão próprias acerca das ações organizadas dos trabalhadores e, lamentavelmente, das ações praticadas por meio de sua manipulação por instituições perversas e caducas.

Sader quer reconhecimento por parte do aparato de dominação multidimensional do capital, de que fazem parte o Estado e a mídia por concessão, em harmonia com os quais vêm trabalhando diligentemente muitos de nossos sindicatos e o assim chamado Partido dos Trabalhadores!

Não posso entender porque alguém tão ingênuo pode ser tão expressivo, em um país imenso e de considerável quantidade de pensadores mais ou menos profundos com significativa familiaridade com os textos de Marx e da tradição marxista.

Avançando em seu elogio ao avesso, o ingênuo Sader nos diz que:

“Faz parte do ódio que as velhas elites têm do povo brasileiro, que é trabalhador, que produz as riquezas do Brasil, que trabalha jornadas longuíssimas, é explorado pelas grandes empresas, mas não teve, até recentemente, possibilidade de fazer ouvir sua voz no país e no Estado.”

Fazendo-se concessão ao autor no tocante à imprecisão conceitual expressa em termos como “elites” e “povo”, só se tem a dizer quanto a esta passagem que tudo continua igual. Não há por que defender que “recentemente” alguma mudança tenha ocorrido nesse quesito, que algo relativo aos trabalhadores e sua capacidade de auto-afirmação tenha passado a ser objeto de alguma apreciação positiva por aqueles instrumentos de dominação. Ou o senhor Sader acredita que, com a eleição de Lula, os trabalhadores ascenderam ao poder estatal ou, ao menos, a uma avaliação mais positiva por parte da assim chamada “opinião pública”? E que o governo de Dilma é um governo dos trabalhadores? No caso de resposta afirmativa a tais questões, o senhor Sader nos revela como ainda mais abissal sua já visivelmente profunda ingenuidade.

Prosseguindo em sua paradoxal apologia involuntária do status quo, tecida à guisa de elogio aos trabalhadores, peça explicável apenas pela noção de ingenuidade abissal aludida acima, Sader nos adverte:

“Neste Primeiro de Maio, Dia dos Trabalhadores (e não do Trabalho, como insiste a velha mídia), é preciso recordar que a data vem de uma grande manifestação realizada em Chicago em 1886, pela diminuição da jornada de trabalho para 8 horas, duramente reprimida pela polícia, com a morte de vários trabalhadores.”

Finalmente, os trabalhadores entram no discurso de Sader predicados de alguma positividade para além de seu pseudo-protagonismo/submissão-efetiva-a-partidos-e-sindicatos: é seu dia e eles merecem os parabéns, inclusive por já haverem sido combativos, pelo menos na data referida.

Então, não é “dia do trabalho”, “como insiste a velha mídia”, mas “dia dos trabalhadores”, como nos diz Sader. Deste modo, hoje não se trabalha (com algumas numerosas e mal remuneradas exceções), por que é feriado. Vão todos (os que não trabalham, evidentemente), pois, aproveitar esse dia de folga como qualquer outro, sem sequer cogitar em dedicar um segundo que seja a uma reflexão acerca do horror que sentem ao trabalho, apesar de ser ele a atividade sócio-histórica de humanização por excelência.

Quanto ao restante do que diz, cabe apenas lembrar ao senhor Sader que é reduzidíssimo o número dos que se preocupam com as mortes dos trabalhadores, quanto mais se ocorridas há tanto tempo, dado que tendem a reservar sua preocupação para a manutenção e o incremento de sua quase-vida, marcada pelo ávido consumo de coisas para compensar a perda da interação legítima como outro que lhes foi imposta pela competição capitalista.

Avançando, rumo a seu fecho de ouro, Sader nos alerta de que devemos nos recordar também que:

“...a jornada é praticamente a mesma, embora as condições tecnológicas para explorá-la tenha[m] avançado gigantescamente e, com ela, os lucros das grandes empresas que exploram os trabalhadores.”

Esgrimindo com destreza suas habilidades dialéticas diante de seu público, Sader se mete mais um vez em contradições. Se havia aludido a grandes conquistas promovidas pelos trabalhadores, ainda que por meio de seus representantes sindicais (portanto, já promovidos a “protagonistas essenciais”), principalmente no tocante à questão salarial e à jornada de trabalho, como diz agora que a jornada é “praticamente a mesma”, isto é, tem a mesma duração, apesar das lutas históricas? Além disso, como pode, após elogiar as aludidas conquistas, evidenciar que o avanço tecnológico (isto é, da capacidade produtiva social em geral, da força produtiva da classe trabalhadora como um todo), culmina em acentuação do poder de opressão dos capitalistas sobre os trabalhadores? Por fim, como pode restringir, de qualquer modo, a exploração dos trabalhadores às “grandes empresas”, quando há trabalhadores sendo explorados em empreendimentos de todas as dimensões por toda a parte, no país e mundo afora? Seria o caso de nosso autor detalhar melhor essa sua “dialética”; mas, ao invés disso, ele vai adiante em sua aplicação, e nos adverte acerca do momento atual que, na sua concepção, é:

“Um momento propício para avançar no projeto de redução da jornada de trabalho, para fazer um mínimo de justiça ao esforço heroico e anônimo dos milhões de trabalhadores que constroem o progresso do Brasil.”

Aí o arrazoado de Sader se revela como a repetição da tragédia dos ricardianos de esquerda sob a forma de comédia, mas comédia pastelão. O autor projeta sobre toda a história a cisão entre produtores e apropriadores, tornando-a inescapável, passível apenas de tencionamentos favoráveis a essa ou aquela classe em litígio. E para ele, pelo visto, a coisa tem pendido no país para os trabalhadores.

Mas, as reuniões a portas fechadas com grupos de empresários não continuam tendo mais legitimidade, para os governantes e para a “opinião pública” que o recebimento dos líderes sindicais por esse governo nominalmente dos trabalhadores? Ou algo de fato mudou quanto à identificação de qualquer atenção aos trabalhadores organizados como sendo assistencialista, ao passo que a caridade para com os “investidores” e “geradores de empregos” é vista como voltada à “promoção racional dos interesses da nação”?

Essa última questão abre caminho para que aqui se faça, apesar de tudo, um sincero elogio ao senhor Emir Sader: ele não poderia haver encontrado uma expressão melhor para dar o arremate em sua fieira de bobagens. Após conclamar alguém (talvez um pool de empresários e políticos) para “fazer um mínimo de justiça” à luta dos trabalhadores, assim revelando seu moralismo e reforçando o caráter passivo dos trabalhadores, Sader engasta finalmente o brilhante de sua joia: “o progresso do Brasil”. Com essa ideia, o autor deixa clara sua convicção de fundo, de que se pode avançar, progredir, deixando para um segundo momento a distribuição de uma parcela das conquistas alcançadas para aqueles que, desde o início, são os responsáveis diretos por todas elas. Revela-se, pois, o caráter reformista moderado deste a quem se deve muito da promoção acadêmica e extra acadêmica da tradição revolucionária no país.


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