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Luka Franca

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A segunda luta

Os conservadores, a cegonha e a misoginia do congresso nacional

Luka Franca - Publicado: Quinta, 28 Abril 2011 02:00

Luka Franca

No ano passado, o movimento feminista conseguiu duas vitoriazinhas no âmbito da discussão sobre a legalização do aborto, direitos sexuais e reprodutivos: o engavetamento do Estatuto do Nascituro e do Cadastro de Gravidez. Nessa hora, eu preciso dar uma pausa e perguntar para os mais de 500 parlamentares homens se eles já engravidaram, pariram ou qualquer coisa do tipo? Porque, pra tomar decisões sobre o corpo, saúde e direitos das mulheres, no mínimo, precisariam buscar compreender a nossa realidade pra além do dogmatismo religioso e conservador, ou não?


Porém, 2011 começou e, apesar da presidente mulher, começou mal para as mulheres. Em “Uma cegonha que pare crianças e criminaliza as mulheres” falei da via expressa que este programa abria para o cadastro de gravidez. Procurando mais atentamente informações e apoios que a Rede Cegonha vem recebendo, encontrei a programação do 4º Encontro Brasileiro de Legisladores e Governantes Pró-Vida, espaço que organiza de forma nacional, estadual e municipal as Frentes Parlamentares em Defesa da Vida – Contra o Aborto. Na divulgação deste encontro, aparece explicitamente o apoio destes parlamentares à Rede Cegonha, salientado que o objetivo principal deste programa é a proteção do nascituro e da gestante, isso sem contar o destaque dado à participação do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no evento – que acabou não indo ao encontro, mas a Rede Cegonha esteve lá representada por Maria Esther de Albuquerque Vilela, da área técnica de saúde da mulher do Ministério da Saúde.

O receio da Rede Cegonha do governo federal ser apenas uma brecha para justificar a implementação do cadastro de gravidez e avançar nos ataques aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres continua, o ministro da saúde não precisava ir ao encontro, pois já deu à Frente Parlamentar Pró-Vida munição suficiente para o próximo período.

Assusta profundamente o fato daqueles parlamentares simpáticos a causa dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres não se contraporem de forma organizada a esta articulação nefasta dos Pró-Vida, que de pró vida não tem nada, pois defendem ficarmos como estamos com mulheres morrendo, crianças ficando órfãs e o escambau. Então me pergunto: qual vida é essa defendida por eles? Qual é o problema dos nossos aliados? Medo de perder voto? Mas, é se abstendo e não se organizando que disputamos ideologicamente as posições da sociedade? O medo de defender a legalização do aborto se instaurou, com mulheres sendo chamadas de assassinas apenas por propor a mudança de uma lei, coisa que pode ser feita por qualquer cidadão. Porém, nada se fala das contradições dos pretensos pró-vidas...

Por que falam tanto de cultura de vida, mas ajudam a aprovar um salário mínimo vergonhoso que mal dá para manter uma família direito? Por que ajudam no desmonte da saúde pública aprovando PPPs, OSs e outras? Falam tanto em defesa da vida, mas atuam justamente para dificultar a garantia plena de maternidade no nosso País. Tratam a questão da legalização do aborto de forma escamoteada sem ligá-la a outros assuntos tão importantes quanto, garante-se como os direitos das mulheres se não pensam em políticas que garantam a maternidade plena? Pois no final das contas quem também pauta a diminuição da violência no parto, garantia de maternidade plena e afins são justamente as defensoras da legalização do aborto.

Os conservadores não conseguem justificar suas posições se não forem baseadas na crença religiosa. Mas é bom lembrar que o crer deles termina onde começa o meu. Eles não se apoiam em pesquisas e, quando questionam a legalização do aborto em outros países, “esquecem-se” de comparar com dados anteriores a legalização do aborto e fazer uma análise proporcional sobre se esta prática aumentou ou não em países nos quais a legalização foi efetuada. Portugal está aí pra mostrar: legalizou o aborto há 3 anos e o número de mulheres que recorrem a esta prática diminuiu. Não há lógica qualquer nos argumentos destes senhores e senhoras. Na verdade, as ações deste setor da sociedade organizado dentro e fora dos espaços institucionais não são em defesa da vida, mas sim, misoginia, sadismo e crueldade. Não querem proteger as mulheres, as querem punir por terem sido estupradas, por correrem risco de saúde em uma gravidez, por não terem condições de criar mais filhos ou de não quererem ter filhos.

E o governo Dilma em nada se pronuncia sobre estas atrocidades, respeita seus acordos de não entrar em debates polêmicos e, com isso, abre brechas para a nossa criminalização paulatinamente. A reinstalação da Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto mostra o quanto estamos acuadas e isto é refletido quando não conseguimos contestar de forma mais veemente a criação da Rede Cegonha e o esvaziamento do PAISM (Programa de Atendimento Integral à Saúde da Mulher) provocado por decorrência deste programa. Neste começo de ano, os direitos das mulheres, tanto por uma vida digna com um salário justo, como pelos seus corpos, estão sendo atacados de todas as formas, seja pelas bancadas conservadoras, seja pelo próprio governo.

Por fim, é depressivo ver que parte considerável da base do governo no congresso compõe espaços para retirar o mínimo de direitos tão duramente conquistados por nós mulheres.


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