Se for ideológica, sim, é herdeira, mas uma herdeira que sofreu um profundo processo de evolução. Os mesmos eleitores do Batasuna votarão e depositarão sua confiança no novo partido Sortu. Disso não resta dúvida.
Mas seria herdeira dos meios e métodos? Aí a resposta seria não.
A questão principal para a Espanha - e motivo para dificultar a legalização - é herança política, ou melhor, de ação política enquanto suposto braço da ETA. Aí a resposta para a pergunta inicial seria não.
Mesmo que membros do Batasuna tenham relação com Sortu, mesmo que o eleitorado seja o mesmo e que existam muitas semelhanças programáticas, a evolução que descrevi acima faz toda a diferença.
Quando falo em evolução, falo em um processo de discussão intera em que diversas arestas foram aparadas, em que o partido amadureceu e reviu posições anteriores. É claro que se trata da mais pura ilusão acreditar que houve uma guinada de 180 graus, ou mesmo que membros da ETA não influenciaram no debate, mas a questão transcende estes aspectos.
O partido rechaçou claramente a violência e, se ainda mantém conversas com o núcleo duro da ETA isto não necessariamente se reflete nas práticas políticas adotadas. Do lado estatal é risível a tentativa de fazer com que haja um rechaço completo da história da ETA que, no fim, acaba sendo a história do próprio País Basco!
Explico.
Uma coisa é a ETA pré 79-80, a ETA do que lutava contra o Franquismo, contra os GAL e os grupos de extrema-direita financiados também pelo PSOE, outra bem diferente é a ETA que sobrou, depois da traição da ETA PM com o partido Euskadiko Eskerra e da democratização, mesmo que falha e aberrante.
O apoio popular ao grupo decaiu, hoje é quase residual, apesar de ainda existir, especialmente nos rincões do país, mas é preciso analisar que, enquanto tática, a violência por parte dos bascos só tem trazido prejuízos políticos - o PSE na Lehendakaritza é um exemplo claro disso.
A Espanha comete o erro tremendo de querer obrigar a todo um grupo condenar seu passado, e um passado longe de condenável, ao mesmo tempo em que permite conviver na legalidade grupos saudosistas de Franco, seja de forma mais subterfugiosa, como o PP, ou seja de forma aberta e franca, como a Falange. Ninguém jamais forçou estes grupos a condenar o franquismo e seus crimes, e se fossem obrigados dificilmente fariam, ainda que fascista não saiba o que signifique honra.
A questão então, hoje, transcende a mera herança ideológica, prática ou política do Sortu, mas passa pela tentativa da Espanha de exigir que se apague a história do povo, a história do grupo, a ligação identitária entre aqueles que se professam Abertzales.