Abstraindo-se a conveniência (ou não) de se criticar, publicamente, o patrão, como Sader fez (reparem: o problema não é criticar; deve-se criticar! mas o "modo" -como e onde se critica- não é de pouca importância), nasce para todos nós a impressão de que a ministra se afilia aos "Guias Geniais" do passado, infalíveis, acima de toda e qualquer crítica. Só isso explica a superestimação do termo "autista", utilizado por Sader figuradamente, e apenas figuradamente, como ficou claro em sua declaração. Aliás, "meio autista", para sermos exatos (2).
Não morro de amores por Sader. Ser suplente a senador de Lindbergh Farias, o "Lindinho" (sic) de Nova Iguaçu, não é exatamente o que se espera de um quadro da esquerda intelectual brasileira. Mas suas qualidades são indiscutíveis, e é tacanho que um acadêmico de seu porte seja descartado apenas pela expressão, legítima, de uma opinião. Mais que legítima, verdadeira: o tal corte orçamentário pega os ministérios de calças curtas, principalmente o MinC, historicamente relegado a segundo plano- e não se viu Ana de Hollanda chiar. Sendo o autismo um "desligamento da realidade", conforme o meu Aurélio eletrônico, não haveria expressão mais adequada para o comportamento da ministra.
A direita ficou feliz com seu "expurgo", naturalmente. Elio Gaspari, em um artigo que se pretende engraçado (3), destaca o que deveria ser, em sua opinião, o papel estritamente "cultural" da Fundação, em oposição a uma suposta politização que seria promovida por Sader. O sociólogo realmente disse isso: que pretendia fazer da Casa um ambiente para debates sobre os rumos do País. Menos academicismo e mais práxis. E isso não deveria, justamente, ser aplaudido?
É um erro crasso associar Rui Barbosa ao pedantismo acadêmico (ok, "apenas" ao pedantismo acadêmico). É esquecer toda a trajetória do jurista/ jornalista, cuja relevância na história brasileira é inconteste. Deputado, senador e ministro, sempre esteve na linha de frente das discussões em curso no País. Não era socialista- ser socialista, na transição do Brasil imperial para a república, era um luxo. Enquanto a Europa passava pela maturação da classe operária e pela Comuna de Paris, ainda estávamos, cá nos trópicos, às voltas com escravatura e latifúndio. Mas era um progressista, e seu engajamento nas campanhas abolicionistas e republicanas mostra isso. Criticar Sader por querer politizar a Casa de Rui Barbosa é jogar fora toda a atuação política desse mesmo Rui, o da "luta pela grandeza da pátria e suas liberdades, no Parlamento" (4).
A direita, assustada com a agora abortada possibilidade de um intelectual de esquerda assumir a presidência da Fundação, queria "limpá-la" da política, deixando-a apenas como "casa de cultura". Querem isolar Rui em uma torre de marfim, alheia à luta cotidiana. Mas, "num certo sentido, a política domina tudo", diz Trotsky (5)- e acabou que a política mesquinha (ou autista, escolha o adjetivo) saiu vitoriosa nesse episódio.
Publicar Drummond é importante; mas há que debater Marx, também.
Notas
(1) Correio do Brasil: "Emir Sader não vai mais presidir Casa de Rui Barbosa" http://bit.ly/hBF5kM
(2) Folha: "Ao comentar a situação orçamentária do ministério, Sader disse: 'Tem o corte, o orçamento é menor, e tem dívidas. Desde março não se repassou nada aos Pontos de Cultura. Teve uma manifestação em Brasília. Está estourando na mão da [ministra] Ana [de Hollanda] porque ela fica quieta, é meio autista'". http://bit.ly/ibNHDf
(3) "De rui.barbosa@edu para dilma@gov", no jornal "O Globo" de 02/ 03/ 2011.
(4) Rui Barbosa, "Oração aos moços".
(5) Leon Trotsky, "Questões do modo de vida- o homem não vive só de política".