Logo após a vitória de Dilma, muitos especularam sobre quais seriam as linhas gerais de seu governo. Política econômica, relações exteriores e a postura diante de temas polêmicos como a legalização do aborto ou a regulação social do monopólio dos meios de comunicação foram temas que dominaram as análises nas primeiras semanas após a vitória da petista. O anúncio dos novos ministros também recebeu grande atenção, embora o perfil geral da composição não tenha sofrido alterações significativas.
Nos últimos dias, porém, os jornais divulgam um bombardeio de anúncios que incluem cortes orçamentários, restrição de investimentos e – o mais preocupante – medidas de caráter privatista, como a abertura do capital da Infraero, a privatização de aeroportos e a nova rodada de leilões do petróleo do Pré-Sal.
Em entrevista publicada na última segunda-feira pelo jornal britânico Financial Times, o ministro Guido Mantega afirmou que a reforma administrativa na Infraero poderia melhorar a gestão de alguns dos principais aeroportos do país, tendo em vista a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Segundo o ministro, é preciso "melhorar a governança [da Infraero] e modernizá-la para preparar sua entrada na bolsa". Dias antes, membros do governo já haviam anunciado a intenção de enviar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória que prevê a exploração privada de novos terminais em Viracopos e Guarulhos, passo decisivo para consumar a entrega dos serviços aeroportuários à iniciativa privada.
Na semana anterior, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou a realização dos primeiros leilões das reservas do pré-sal ainda neste ano. A partir dos leilões, o lucro obtido com a tão badalada exploração do pré-sal será partilhado entre a Petrobrás e empresas privadas nacionais e internacionais. Embora a Petrobrás tenha garantida a participação societária mínima de 30% nas áreas que forem licitadas, o regime de partilha ainda assegura lucros extraordinários aos investidores estrangeiros, o que tem sido denunciado pelos movimentos sociais, que reivindicam o controle estatal da Petrobrás sobre a totalidade da exploração e produção do petróleo dessas e de outras reservas. Aos que tinham esperanças de que Dilma pudesse retardar os leilões, o anúncio foi um verdadeiro balde de água fria.
No entanto, as medidas privatistas anunciadas até agora não são os únicos indícios de que Dilma manterá a mesma orientação conservadora herdada de seu antecessor. Como ocorreu nos oito anos do Governo Lula, a maior parte do Orçamento da União para 2011 será destinada à rolagem da dívida pública. A proposta é que R$ 678,5 bilhões sejam destinados a pagar os juros e a amortização da dívida. Este valor representa mais de um terço do total do orçamento que chegará, no ano que vem, a R$ 2,07 trilhões. A proposta prevê ainda a manutenção do superávit primário em 3,1% do PIB. Para isso, a equipe econômica do governo prevê cortes de até R$ 60 bilhões, valor equivalente a todos os gastos do Ministério da Saúde e de todos os órgãos vinculados à pasta (Funasa, Anvisa, postos de saúde, hospitais, SAMU, farmácias populares, entre outros).
Esses fatos desmontam a tese de que Dilma fará um governo qualitativamente diferente do que foram os oito anos de Lula. Além disso, poderíamos citar vários outros, como a negativa por parte do novo Ministro das Comunicações diante das propostas de regulação social dos meios de comunicação, ou as declarações de Dilma a favor da criação de um programa semelhante ao Prouni para o ensino médio, proposta fortemente rechaçada esta semana pela governista Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ensino (CNTE).
Ou seja, quem esperava grandes mudanças de rumo sob o governo Dilma pode abandonar suas ilusões: as medidas apontam um governo ainda mais privatista e comprometido com a manutenção do atual modelo econômico. Uma pena, com certeza.