[8 de agosto de 2000: Um carro bomba acaba com a vida de José Maria Korta Uranga, proprietário da empresa Korta SA e líder da patronal guipuscoana, a Zumaia (Guipúscoa). A explosão produziu-se quando se dispunha a pegar o seu veículo, justo depois de ter feito uma visita a uma nave da sua propriedade.]
Em muitos casos a motivação é obscura, em outros é impossível discordar – comemora-se, na verdade. Mas a persistência do uso de bombas é q me intriga mais...
O próprio [Julen de] Madariaga, fundador, rompeu com o grupo pelo uso de bombas - armas sem alma, olhos, orelha. Mas o grupo parece manter a tática. É burrice.
Vale lembrar, esta censura de Madariaga não o faz ser um "opositor" do grupo da forma como muitos querem fazer crer:
40 años después de todo aquello, Madariaga no se arrepiente de su pasado. "Hay quien dice de mí: 'fundó ETA y hoy está en contra'. ¡Cuidado, eh! No estoy en contra de la línea actual de ETA por razones de orden moral, sino por inconveniencia política. Hoy en día utilizar las armas no cunde políticamente, más bien al contrario. La sociedad no comprende que ETA pueda recurrir a la lucha armada, cuando se ofrecen unas posibilidades para defender las mismas ideas sin necesidad de recurrir a la violencia".
Assassinato político é um instrumento que eu não consigo repudiar, mas a morte intencional de civis apenas confunde e pulveriza apoio. Porquê?
Já escrevi antes em meu blog sobre a ideia do Terrorismo e suas definições, vale a pena trazer o debate:
A primeira idéia que o leitor desavisado e a maioria dos analistas (intencionalmente na maioria das vezes mas não só) tem ou aventam é a de que os "terroristas" matam porque gostam, matam por matar.
Raramente encontramos uma análise mais profunda, que vá até o cerne da questão, as razões, que são tão díspares quanto a luta pela independência, a guerra revolucionária, a guerrilha até o terrorismo religioso e a Al Qaeda, que está em outro patamar.
Mais raramente ainda é encontrar àqueles que conhecem a origem do termo e que por longo tempo foi utilizada de forma positiva, por assim dizer. O termo e a idéia nascem durante a Revolução Francesa, época do "Terror", e apenas depois recebeu a conotação que tem hoje, com definições que vão desde a idéia de Brian Jenkins ("O uso ou ameaça de emprego da força de modo a provocar mudança política"), passando pelo FBI ("O uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, uma população civil, ou qualquer segmento dela, em apoio a objetivos políticos ou sociais") até a definição de Walter Laqueur ("A contribuição para o ilegítimo uso da força de modo a conseguir um objetivo político, quando pessoas inocentes são os alvos").
É interessante notar que, apesar de parecidos, as definições são extremamente diferentes e em alguns pontos chegam à se anular.
Vale ainda acrescentar a definição do Departamento de Estado dos EUA:
"Violência premeditada e politicamente motivada perpetrada contra alvos não-combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar uma audiência"
Jenkins considera QUALQUER uso de força ou ameaça do uso deste intrumento como "terrorismo". Apenas por esta definição podemos considerar até a guerra como terrorismo, assim como a guerrilha ou qualquer tipo de ação armada.
Já o FBI fala em lei, obviamente a lei aplicada pelo Estado, qualquer movimento subnacional, logo, ilegal, se enquadra como Terrorismo. Seria engraçado, senão lamentável, notar que os EUA são o país que mais usam ilegalmente sua força em ataques ilegais (basta recordar a invasão do Iraque, ilegal segundo a ONU), e que mais apóiam governos genocidas, grupos e bandos armados, subnacionais que aterrorizam e matam populações.
A idéia de "legalidade" do FBI concorda com a adotada pelo Departamento de Estado que, vai laém, e explicita a idéia de legitimidade da força MENOS quando se tratando de grupos subnacionais e "agentes clandestinos".
Em ambos os casos, os EUA deixam as portas abertas para o uso da violência Estatal, o Terrorismo Estatal não é citado de qualquer maneira e, nos parece, é legitimado, em especial pelo Departamento de Estado que cita explicitamente duas categorias, excluindo o Estado de responsabilidade ou imputabilidade.
A outra definição usada, a de Laqueur, passa da questão legal para a "legitimidade", conceito muito mais abrangente e, na minha opinião, mais correto e de melhor aplicabilidade. Cabe analisar a legitimidade do uso desta força pelos Estados ou por grupos. Qual o objetivo, quais as intenções?
Em minha opinião o Terrorismo não pode ser analisado sem se ter em conta o legítimo, as razões, os objetivos e os meios. É legítimo o meio usado para determinado fim? É legítima a luta?
Em exemplos claros, foi legítimo o uso da força e de táticas ditas terroristas pela FLN na Argélia para conseguir sua independência da França? Na minha opinião, e a história concorda, sim.
Em outro extremo, será que os ataques da Al Qaeda, com milhares de mortos - civis ou não - tendo em vista a criação e um "califado universal", impondo sua religião/ideologia é legítimo? Não, não é.
E, num caso interessante, será que os ataques à bomba, os atentados suicidas, os mísseis e etc por parte do Hamas e dos Palestinos em geral contra osgenocidas de Israel são legítimos para conseguir a libertação da Palestina? Sim, são atos legítimos e justos e, na maioria das vezes, reação aos ataques israelenses.
Tudo isto visa demonstrar quão simplistas são por vezes - quase todas as vezes - as análises que lemos em jornais, revistas ou vemos na TV. Um discurso de Bush era algo simplista e simplório, eram os "bons" contra o "eixo do mal", o "diabo" e etc, a banda podre. Não importava qualquer análise, qualquer pensamento desviante ou racional.
E a mídia comprou feliz, até que notou a desaprovação mundial e resolveu bater um pouco no infeliz. Mas é outra história.
Obviamente que, não importam os princípios, cada grupo em sua determinada região possui meios diferentes de ação, diferentes táticas. Seria impensável para a ETA o uso do suicídio, do homem-bomba, coisa comum para Hamas ou Hezbollah, ou mesmo para os Tigres Tâmil, quando estes ainda estavam ativos – na verdade foram os inventores de tal recurso.
Devemos observar as diferentes situações em diferentes perspectivas.
Na Espanha, a ETA já estendeu diversas vezes as mãos para negociar, mas o governo não enxerga - ou não quer enxergar - e continua a reprimir a cidadania Basca, sem entender que quanto mais reprima, mais resposta terá. A ETA não ataca de graça, não nasceu de graça pelo prazer de matar. Nasceu para combater Franco e dar ao País Basco sua devida independência. O massacre que impôs Franco ao País Basco foi monumental, proibiu a língua, proibiu manifestações culturais, proibiu o autogoverno...
Massacrou a população, em resumo. Depois da ditadura iniciou-se um novo período, com igual repressão, com igual opressão da população, talvez em menor escala mas, na verdade, de forma mais velada e com uma capa de democracia por cima, quando levamos em conta que, para a maioria dos países, democracia é meramente exercer o voto, não ser cidadão, ter direitos e decidir seu futuro livremente.
A tortura e repressão contra bascos (pode) justificar ações de resposta. Mas dentro de parâmetros mínimos de "resposta". O que não vejo às vezes.
A questão fundamental vai também além dos simples parâmetros. Espera-se de um grupo aquilo que, durante sua história, tornou-se sua marca. Ainda que desvios sejam aceitáveis, existem os que são incompreensíveis.
Grosso modo, o ideal de "terrorismo" vai ser aplicado ao gosto do cliente, ou melhor, do Estado que tiver interesse em fazê-lo. Da mesma forma que a ETA chegou a ser respeitada e até mesmo apoiada por indivíduos em cargos de poder e mesmo por governos pela Europa durante o Franquismo, passou a ser unanimimente repudiada, mesmo que mal tenha modificado seus métodos. Mudou, aparentemente a Espanha. Mas não a condição de submissão do povo Basco.
Compreende-se que hoje se vivem em uma Democracia. Mas uma democracia que mata, tortura e não permite a um povo decidir seu futuro. E, lembrem-se, a ETA não nasceu para combater Franco, mas para conseguir a Independência tendo, em Franco, um primeiro inimigo a ser vencido. O objetivo de derrubar Franco era secundário, era uma ETAPA na conquista da Independência. Esta etapa foi superada, ao mesmo tempo em que o apoio ao grupo escasseou, ainda que seu objetivo principal se mantenha.
O que se deve discutir, porém, é a validade ou legitimidade da luta armada corrente. Exemplos de que tomar armas é válido são inúmeros, já dados ao longo do texto, mas é preciso analisar a situação específica e ver quais os ganhos reais ou, ao menos, qual a política de redução de danos a que se presta o grupo.
Ao passo em que a Espanha tortura, a ETA ataca. Ao passo em que a ETA ataca, o Estado tortura. Chega-se num impasse onde tudo é resposta para ato anterior. Até que ponto continuará o impasse?
A ilegalização de diversos partidos nacionalistas, ainda que muitos neguem, apenas dão munição à ETA, dá legitimidade ao grupo. Vejam o que aconteceu na Irlanda, onde o Sinn Fein permaneceu sempre legalizado, pese os ataques do IRA, mas finalmente pôs fim à violência de maneira negociada.
As semelhanças param por aí. A Espanha possui um longo histórico de intolerância e repressão, escolheu o caminho do enfrentamento direto e dá motivos à ETA. Ao tempo em que persegue ferozmente a Esquerda Nacionalista, mantém livres criminosos da direita. Na verdade os corteja. PP e companhia não passam de criminosos saudosos do Franquismo, ainda assim estão lá, ativos.
Não é uma situação fácil. A solução está na negociação – e nisto a Lokarri vem fazendo um excelente trabalho -, mas mesmo a negociação tem seus limites, precisa haver vontade. O revisionismo histórico não pode tomar conta das relações e ambas as partes precisam dialogar com todas as opções e sem exclusões, condição única para que se chegue ao fim do conflito. Anistia geral, fim da repressão e possibilidade do povo Basco decidir seu futuro. Enquanto estas condições não forem alcançadas a violência não só persistirá, mas manterá alguma legitimidade, pese os abusos que claramente podem ser vistos.