O governo irlandês aprovou nesta terça-feira (30/04) um projeto de lei de aborto que autoriza a ameaça de suicídio como justificativa para interrupção da gravidez, uma vez que a vida da mãe esteja em perigo.
Após semanas de intensas negociações, o Executivo de coalizão entre o conservador partido Fine Gael e os trabalhistas chegou hoje a um acordo com respeito à minuta desta controversa lei, que deverá agora passar por um comitê parlamentar antes de ser votada na Câmara Baixa irlandesa.
A nova lei, que deveria entrar em vigor antes do verão, será mais clara e substituirá a legislação atual, que permite interrupções da gravidez em circunstâncias limitadas e vagas na Constituição irlandesa.
Para poder incluir a ameaça de suicídio, o partido democrata-cristão Fine Gael, do primeiro-ministro Enda Kenny, chegou a propor o estabelecimento de um painel médico composto por até seis especialistas que avaliaria a veracidade da situação da mãe.
Um significativo número de deputados conservadores necessitava de tais garantias porque, em sua opinião, a questão do suicídio poderia abrir a porta ao que denominam de "abortos em função do sexo", enquanto os trabalhistas viam esse painel médico como um instrumento quase "inquisitorial".
No final, o governo optou por um comitê de três especialistas (um obstetra ou ginecologista e dois psiquiatras) para avaliar o estado físico e mental da mãe, que poderá depois apelar da decisão perante outra instância médica composta por outros três especialistas, que deve chegar à unanimidade.
Se a ameaça à vida da mulher não for por pensamento suicida, dois médicos (um obstetra ou ginecologista e um psiquiatra) deverão certificar que “há um risco substancial” e que o aborto é a única opção.
Ainda se desconhece se estas provisões serão suficientes para o setor mais tradicional do Fine Gael. Perante a possibilidade de que surja um motim, Kenny já advertiu que todos seus deputados deverão se submeter à disciplina do partido quando o projeto de lei for votado na Câmara Baixa irlandesa, o Dail.
A exigência de passagem pelo comitê já foi alvo de críticas. Johanna Westeson, diretora europeia para o Centro para Direitos Reprodutivos, afirmou que “sugerir que uma mulher fingiria tentativas de suicídio não é apenas extremamente ofensivo e misógino, mas também em forte violação contra o direito da mulher de ser tratada com dignidade”.
“Quanto mais barreiras a Irlanda cria para as mulheres que buscam o acordo legal, é mais provável que elas, em situação de risco, escolherão viajar para o exterior em vez de se submeterem à humilhação à qual esse projeto implica”, continua.
No programa eleitoral de 2011, Kenny afirmava que era a favor dos direitos à vida do feto. No entanto, a situação mudou depois que a indiana Savita Halappanar, de 31 anos e grávida de 17 semanas, faleceu de septicemia em outubro depois que os médicos se negaram a praticar um aborto. Eles alegaram que a lei os impedia enquanto pulsasse o coração do feto, apesar da saúde da mulher se deteriorar.
O projeto de lei tratará de acabar com o vazio legal criado desde que a Corte Suprema de Dublin ampliou em 1992 as situações nas quais se pode interromper uma gravidez para quando existisse risco de vida para a mulher. Há dois anos, a Grande Sala do Tribunal Europeu de Direitos Humanos pediu à Irlanda que legislasse, após condenar suas autoridades a indenizar, com 15 mil euros, uma mulher que sofria de câncer e que não conseguiu permissão para fazer um aborto, apesar de sua vida correr perigo.
* Com informações de The Guardian e CNN