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170411_amazigh2bLa Gauche - [Khelifa Hareb, tradução de J. André L. Gonçâlez para o Diário Liberdade] O vento revolucionário que varre os países do Norte de África e do Médio Oriente levou a um interesse da esquerda sobre esta região.


Os termos "mundo árabe", "região árabe" ou mesmo "revolução árabe", comumente usados, têm o defeito de ser com base na etnicidade.

No entanto, como avisa o nosso camarada Hareb Khelifa, nestes países em que a língua dominante é o árabe, vários povos minoritários têm sofrido a opressão das ditaduras instaladas. Os levantes de massa e a derrubada de governos marcam o fim dum ciclo político iniciado polo nacionalismo árabe em 1950. Para consolidar o seu poder, este nacionalismo burguês baseava-se na imposição duma língua (o árabe clássico) e uma religião (o Islão), em detrimento da emancipação das classes populares e, especialmente, dos povos não-árabes, dentre eles os berberes.

Publicamos este texto que circulou entre os nossos membros lembrando as reminiscências de luita do povo berbere na Argélia, pois é necessário ter em mente a situação dos povos oprimidos sob os regimes ditatoriais da África do Norte, hoje em plena em crise.

Embora seja o árabe a língua da maioria dos países do Norte de África, a verdade é que milhões de berberes, como eu, continuam a falar sua língua berbere (Tamazight), cada vez mais em retrocesso, resistindo dificilmente ao seu desaparecimento programado.

A luita polo reconhecimento da cultura berbere na Argélia e África do Norte é essencial. Esta cultura está oprimida por uma ideologia oficial, cinzelada e patrocinada polos regimes ditatoriais que optaram, após a independência, pola política de arabização dos povos autóctones (a maioria berbere), para quem o árabe foi originalmente uma língua estrangeira .

Há que saber que o processo de arabização está empenhado nessa região desde há séculos. Tem-se aumentado após a independência, porque esta arabização foi imposta polos ditadores nacionalistas, pan-arabistas e estalinistas, sob o falacioso disfarce duma descolonização cultural e linguística. Este bloco árabe, ou o "mundo árabe" é uma invenção de Násser no Egito, Assad na Síria, Kadafi na Líbia, Boumedienne na Argélia. O mundo árabe é uma máquina política neocolonial pré-fabricada que apenas perpetua a nossa alienação, o nosso submetimento. Agora que estes regimes são desacreditados e empurrados polos seus povos, a renovação democrática exige romper com as políticas e ideologias destes regimes. Caso contrário, qualquer herança irá reconduzir para os mesmos erros cometidos no passado (repressão, intimidação, submissão, alienação, injustiça). Portanto, continuar a afogar as populações berberes neste bloco árabe e apresentá-las sob o nome "árabe" é ser persistente numa ordem, num pensamento hoje acabado.

Mesmo dentro da língua árabe, é adequado fazer o distingo entre o dialeto árabe (argelino, marroquino) e o árabe clássico, literário. Se o primeiro é a língua realmente utilizada pola maioria das populações argelinas e marroquinas, que deriva a sua existência desta mesma prática, o segundo, em troca, é imposto a estas populações na escola, na mídia e no discurso oficial dos governantes. A política oficial, na Argélia particularmente, fez do árabe dialetal e do berbere (homem, cultura e língua) objetos depreciados ou desvalorizados, híbridos e arcaicos, para promover na contra o árabe clássico, a língua pura e sagrada (a do Corão). Esta promoção é realizada de modo a encaixar no bloco ideológico árabe-islâmico transnacional (a Umma Al Arabiya [Nota do tradutor: A Comunidade Árabe]), onde o árabe e o islão são os únicos elementos que definem a identidade de todos os países estendidos do Médio Oriente até o Atlântico, mesmo se isso trai as realidades locais e nacionais. Assim, hoje, falar em língua árabe não significa que se seja árabe ou agente ao serviço do poder, como acontecia com os argelinos que falavam francês perfeito (durante a colonização) e que, apesar do seu perfeito domínio desta língua, sempre foram designados como nativos, muçulmanos, árabes, norte-africanos, resmungadores ... mas nunca franceses. Os habitantes do Norte da África não são exclusivamente árabes. Continuar a dizê-lo é persistir na negação da identidade e ignorar segmentos inteiros da história desta região. Como Kateb que falou em francês aos franceses para dizer-lhes que ele não era francês, eu falo, escrevo em árabe para dizer os árabes que não sou árabe.

Um pouco de história

Em 1949, o programa do PPA (Partido do Povo Argelino), que manteve apenas os elementos árabes e muçulmanos na sua definição da identidade argelina, desencadeou uma crise sem precedentes nos anais da história da Argélia.

170411_amazigh3De fato, os ativistas Berberes marxistas, recusando-se à definição étnica e religiosa da futura Argélia e rejeitando tal restrição da identidade nacional, se reuniram em torno da ideia da Argélia argelina, aquela que deveria levar em consideração o conjunto da identidade argelina nas suas diversas dimensões e componentes. A resposta do corpo dirigente do PPA foi definitiva. Chamados de berberistas e agentes a soldo da França colonial, estes militantes foram excluídos e outros assassinados sem julgamento.

Em 1963, um ano após a independência, estourou uma rebelião. Foi liderada pola Frente das Forças Socialistas, um partido de esquerda que se recusou à ditadura e à apropriação do poder por um grupo de senhores da guerra autoproclamados. Entre as causas do conflito, encontram-se a negação da identidade, caracterizada pola rejeição da língua e da cultura berbere e o confisco polos putschistas da independência argelina na que a Cabília (região berbere falante) pagou um pesado preço. A guerra fratricida que eclodiu terminou com a morte de mais de 400 cabilas (berberes), todos veteranos da FLN contra o exército colonial.

Em 1980, a falta de liberdades (individuais e coletivas) e a brutal repressão exercida polos detentores do poder provocam o descontentamento popular. Após a proibição de uma conferência sobre a poesia berbere antiga, toda a Cabília se levanta. O protesto, que começa na universidade de Tizi Ouzou, é realizado por milhares de estudantes e afeta o conjunto da Cabília e Argel, abalando seriamente o poder e causando quebra no dogma do pensamento único. É a Primavera berbere! Novamente, a alegação da identidade e da linguagem é a pedra angular do movimento de protesto. A repressão, mais uma vez, é atroz: centenas de feridos e torturados, uma vintena de estudantes e militantes berberistas presos, a maioria dos quais pertence ao movimento de extrema esquerda chamado GCR (Grupo Comunista Revolucionário, o PST [Nota do tradutor. O PST, Partido Socialista dos Trabalhadores, ??? ?????? ????????? em árabe e em berbere Akabar Anemlay L´Ixeddamen, é uma organização ligada ao Secretariado Unificado da IV Internacional] após a abertura democrática em 1988). São acusados de regionalistas, de ateus, de elementos a soldo das potências estrangeiras ...

Depois de 2001, dez anos antes dos ventos de liberdade atuais soprando através dos países vizinhos, a Cabília, após o assassinato dum jovem estudante por uma brigada de polícia, conhece uma real revolta popular, infelizmente contida nesta região polo poder repressivo. Semelhante às revoluções que afetam os países do Norte de África e Médio Oriente neste momento, o movimento se posiciona contra a negação da identidade, a injustiça social e a repressão. O pedágio é de novo macabro para os cabilas: 127 jovens caem vítimas das balas assassinas das forças de repressão.

170411_amazighA resistência continua

Como se tem observado, a luita polo Tamazight se fez numas condições difíceis e por vezes perigosas, mas é levada de forma contínua. É com esta luita polo Tamazight que meus camaradas e eu temos aprendido o básico de ativismo. A luita pola nossa língua e pola cultura berbere, que sempre foi associada com as exigências democráticas e sociais (direitos e liberdades individuais e coletivos, de justiça social), nos alertou sobre os delitos dum poder ditatorial e a sua ideologia cínica, cujo objetivo é a obliteração da identidade ou, polo menos, a alienação cultural e linguística.

O árabe defendido polos governantes dos países do Norte da África, instrumento de islamização e de doutrinação das populações, é uma arma ideológica formidável, especialmente para as minorias linguísticas e étnicas como a minoria berbere. O Movimento Cultural Berbere é uma organização de massa horizontal. Militou e milita sempre para o reconhecimento oficial de identidade amazigh (berbere), em todas as suas dimensões. Este MCB tem sido sempre o reservatório de militantes e ativistas de extrema-esquerda (trotskistas), que também sempre associaram a luita pola causa Amazigh às demandas sociais das massas, continuando a exigir uma mudança radical. Estes militantes sempre chamaram a nossa atenção para os amálgamas e as confusões dentro dos chamados países "árabes", amálgamas que podem se asseverar como sendo perversos se persistimos a mantê-los.

Khelifa Hareb

Montreal, 29 de março de 2011

Tradução para português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez

Artigo aparecido em Quinta-feira, 7 de abril de 2011, no jornal Gauche Socialiste do Canadá: http://www.lagauche.com/lagauche/

Endereço original do artigo:

http://www.lagauche.com/lagauche/spip.php?article3152


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