Terminava assim a vida de quem foi, junto a Lenin, o grande dirigente da Revolução Russa. Presidente do Soviete de Petrogrado em 1905 e criador do Exército Vermelho após a Revolução de 1917, além de homem de ação foi um dos melhores intelectuais e escritores do bolchevismo.
Com seu assassinato, Stalin fechava o círculo de morte que pesava sobre os contemporâneos de Lenin, um a um caíram nas mãos do seu regime de terror. Em anos onde o fascismo crescia na Europa e o retrocesso do fervor revolucionário pelo cansasso após a Guerra Civil se fazia sentir na Rússia, foi ganhando peso o stalinismo e seus métodos reacionários. Trotsky tentou por todos os meios enfrentar esse flagelo e o pagou com sua vida. Ainda assim, teve o enorme mérito de ligar o legado leninista ao futuro mantendo o fio histórico com a fundação da IV Internacional em 1938.
Não se trata de endeusá-lo nem de dar um caráter irrefutável ao que ele fez ou escreveu. O marxismo ensina que até as mais brilhantes personalidades, como todas, têm erros e fraquezas. Trata-se de resgatar a essência de seu legado. Somos trotskistas porque reivindicamos sua defesa do leninismo e do marxismo frente a burocratização da ex-URSS. Também por sua teoria sobre o caráter permanente e internacional da Revolução. O reivindicamos por sua outra contribuição teórica: a lei do desenvolvimento desigual e combinado que nos permite compreender a relação entre distintos e desiguais fenômenos. E por sua paixão por conquistar um futuro socialista, que o levou a impulsionar novos partidos revolucionários junto aos trabalhadores até o fim de sua vida.
O século XX depois de Trotsky
Após sua morte, o nascente trotskismo navegou por décadas de perseguição, assassinatos de seus dirigentes e morte nas trincheiras antifascistas. Isso debilitou seu início, enfrentando enormes mudanças mundiais sem seu líder e dizimados. E ainda em meio de erros e aprendizagem, o trotskismo foi abrindo passagem no pós-guerra, chegando a novas regiões. No nosso continente se forjou ao calor da classe trabalhadora; aqui, Nahuel Moreno, fundador de nossa corrente histórica, conseguiu que o trotskismo fosse realidade tangível. Junto a um grupo de jovens decidiu fazer o trotskismo nos bairros operários e desde então está inserido nos mesmos, desde então vemos quadros trotskistas intervirem em lutas e processos; o mesmo ocorre no Brasil, na Venezuela, no Peru e em outros países do sul.
No final do século XX caíram os regimes estalinistas da ex-URSS. Aquilo que Trotsky previu se tornou realidade; os povos se voltaram contra a burocracia comunista governante e a derrubaram. Esse fato positivo liberou enormes forças e se complementou com um retrocesso, a restauração capitalista desses países, dando um caráter contraditório ao processo. Se abriu então uma nova etapa mundial antecessora à atual, a qual desde o início de 2008 irrompeu dando notoriedade à crise sistêmica do capitalismo.
O trotskismo hoje e a necessidade de uma nova esquerda
No nosso país há greves, debates políticos, crise do regime e uma existência real do trotskismo como ator dinâmico da esquerda, ainda em diversas tendências. Quando há luta ou fortes debates entre representantes de velhos partidos e sindicatos se escuta dizer: "os troskos estão metidos nisso", frase depreciativa que insinua algum mal terrível. Na realidade, temem perder seu poder debilitado e arcaico. Quando a velha política e seu braço sindical atacam o trotskismo o fazem em defesa de seus privilégios, nos demonizam para que não haja mudanças e seguir sendo poderosos. Mas em seu ataque ao trotskismo está implícito que já não o são, daí seu cuidado.
Ainda que com queixas, reconhecem que o trotskismo está presente. E eis que se vê entre os trabalhadores do EMFER que resolvem tudo em assembleia e pedem a estatização. Na luta de Donelley que busca um controle operário, na luta antiburocrática de Lear, entre docentes que defendem a educação e enfermeiras que lutam pela saúde pública, entre quem enfrenta as corporações que destroem a vida. Em todo o digno e genuino há uma essência revolucionária e emancipadora, relacionada com a essência do trotskismo. Não puderam acabar com ele, porque segue viva a necessidade de lutar contra o capitalismo que não é eterno nem invencível, há uma longa luta e o resultado não está escrito. Cada nova onda trás novas experiências e nós que acreditamos no legado de Trotsky construímos organizações revolucionárias sem dogmatismo e com a firmeza dos princípios socialistas e um programa anticapitalista.
É verdade que em alguns setores do trotskismo há posições sectárias ou oportunistas que não compartilhamos. É a realidade de um movimento com distintas vertentes. Nós que construímos o MST [Movimiento Socialista de los Trabajadores – Nueva Izquierda] acreditamos que o trotskismo não é sinônimo de sectarismo nem autoproclamação, menos ainda de propostas reformistas. Acreditamos em um trotskismo vivo, dinâmico, vigente em suas raízes e cada vez mais interprete os novos fenômenos, porque no marxismo nada deve ser estático e imodificável. Por isso planejamos a construção de uma nova esquerda que se dedique profundamente à disputa do poder. Esse desafio levamos adiante e é o que queremos fortalecer.
Hoje, precisamos dar continuação ao melhor de Lenin e de Trotsky, que segue vigente e presente em nossas ações cotidianas. Celia Hart, a revolucionária cubana que mais se esforçou para resgatar Trotsky em seu país, dizia antes de morrer: "Sim, precisamos de Lenin, mas hoje não virá a nós sem que escutemos o que Trotsky deve nos dizer. Eles defenderam o mesmo, mas só Trotsky viveu e soube interpretar em sua própria vida e com sua própria morte os poderes do extermínio do socialismo. Desafio neste instante a qualquer pensador que de maneira sincera pretenda interpretar a história que não tenha que recorrer, inclusive para rebatê-las, às experiências trotskistas. Os que não lhe dão valor não são verdadeiros leninistas". Compartilhamos esta ideia. Os jovens e trabalhadores que se aproximam hoje à esquerda têm a oportunidade de chegar à Trotsky e conhecê-lo. Vão escutar raivosas críticas dos ideólogos do sistema. Mais motivos ainda para saber quanto, ainda, tem para nos oferecer o velho leão.
Sergio García é dirigente do MST (Movimiento Socialista de los Trabajadores – Nueva Izquierda), da Argentina.