Foto no Domínio Público - Palácio do Planalto.
Vulgarmente, pensamos que o design está mais nos excessos estéticos do que na racionalidade formal-funcional envolvida em alguma coisa. O design do Arco do Triunfo de Paris, por exemplo, ao contrário do que imediatamente se pensa, não está nos seus requintados adornos que tanto deliciam os olhares humanos. Tire toda a “decoração” do monumento parisiense e ele continuará um arco, plenamente funcional, talvez menos digno de simbolizar os triunfos de Napoleão Bonaparte, porém, nessa nudez estética reside justamente o triunfo do design – quiçá o da natureza.
A decoração causa-nos sensações. O adorno é sensual por natureza. Todavia, para a racionalidade envolvida no conceito de design, qualquer ornamento apenas obscurece a verdade formal-funcional daquilo onde é colocado. “Enfeitar” a posteriori a forma puramente funcional de um artefato qualquer outra coisa faz que esconder o design intrínseco deste artefato, ademais, com detalhes que não fazem ele realizar melhor a sua função. Em vista de quê? Beleza? Ora, o design é de uma beleza ímpar. Porém, para fruí-la, é preciso atentar para a racionalidade que colocamos nas coisas que produzimos.
A “beleza racional” das Colunas do Palácio da Alvorada, projetadas por Oscar Niemeyer, não está naquilo que primeiramente vemos nelas, nas suas curvas ou brancura modernistas, mas justamente naquilo que não se vê em coluna alguma: a sua função pura; que, entretanto, por motivos puramente formais, não se faz ver. O maior arquiteto brasileiro foi um excelente designer pois a forma de suas colunas palacianas está completamente em função dos esforços internos que elas suportam enquanto suportam o teto do palácio.
Explicando melhor: uma coluna, essencialmente, é feita para suportar o peso daquilo que é colocado acima dela. Porém, ela mesma também pesa. De modo que a base de uma coluna suporta o peso do que ela sustenta mais o peso da própria coluna. A Coluna Brasília faz desse fato design. Racionaliza-o. A famosa estrutura vai se tornando cada vez mais delgada à medida que o seu próprio peso deixa de pesar sobre ela mesma, para, no seu topo, a forma mínima – a espessura – realizar a justa função – suportar apenas o peso do teto, e não gerar peso desnecessário à sua base.
Na Coluna Brasília, o conceito de design da Bauhaus, “a forma deve seguir a função”, parece encontrar o conceito biológico de design natural ressaltado por Steven Pinker, qual seja: “o menor caminho entre forma e função”. Um design natural, um olho, digamos, que porventura tivesse estrutura para ver e digerir alimentos ao mesmo tempo, mas não digerisse nunca, somente olhasse, teria excesso no seu “design”. Antes, não seria design, pois haveria um caminho maior, portanto desnecessário, entre forma e função. Porém, a natureza é uma grande designer, quiçá a maior, justamente por não colocar em nada forma alguma que não sirva para uma função específica.
O design bauhausiano, por excluir tudo o que é desnecessário de um artefato, é absolutamente econômico. Diria mais: ecológico; tanto quanto o design biológico. Com efeito, se a natureza agisse desnecessariamente – como um burguês hipersensualizado – e “decorasse” superfluamente todas as suas criaturas, colocando nelas coisas de elas que não carecem, não haveria matéria suficiente no universo para sustentar tal “luxo”. Aliás, não é exatamente isso que a atual crise ecológica está nos dizendo?
Por isso, para uma natureza saudável, o design humano deve estar para a própria natureza assim como a forma, no conceito de design bauhausiano, está para a função, ou seja, em função dela. Em outras palavras, as coisas que o homem produz, sem as quais não pode viver adequadamente, devem ser formalmente tão mínimas a ponto de cumprirem apenas com suas funções essenciais, pois só assim não consumiremos desnecessariamente a natureza.
As nossas roupas, por exemplo, se fossem feitas apenas para nos proteger das intempéries, ou ainda para dar conta da vergonha da nossa nudez, não precisariam ser tingidas nem estampadas. Isso porque os pigmentos e desenhos que nelas colocamos não aumentam nem melhoram essas suas duas funções imediatas, mas, em troca, atendem a outras funções, nada ecológicas, portanto irracionais, tais como o consumismo e a ostentação.
A natureza, com efeito, agradeceria eternamente se as coisas que nós produzimos para o nosso próprio consumo envolvessem um design que primasse pelo “menor caminho entre forma e função”, e não pela longa promenade entre forma e função onde cabe um mundo de detalhes dispensáveis que, no entanto, só são colocados nas nossas coisas para que elas sejam mais do que precisam ser. Esse excesso, digamos, burguês, do ponto de vista do design bauhasiano, é irracionalidade pura, e, do ponto de vista da própria natureza, insustentabilidade máxima.