Enquanto o presidente se recusa a discutir o tema, a população local está isolada em campos de refugiados e teme ser colonizada
Na medida em que começavam a cair os bastiões dos Tigres de Libertação do Eelam Tâmil (LTTE na sigla inglesa), a partir de março de 2008, o governo do Sri Lanka confinava em campos os tâmeis que viviam sob a autoridade da guerrilha independentista, ou seja, cerca de 300 mil civis. O complexo de campos de Menic Farm, no distrito de Vavuniya, ao Norte do país, já deteve 228 mil pessoas. Hoje, dez meses após a completa derrota dos Tigres, 70 mil refugiados ainda estão atrás dos arames farpados, esperando a autorização para retornar a seus vilarejos. O exército nos permitiu visitar um desses campos, batizados de “vilarejos transitórios de bem-estar”.
Na entrada, um retrato de seis metros de altura do presidente Mahinda Rajapakse com o braço levantado, em claro um gesto de vitória, domina as fileiras de alojamentos. O comandante do campo justifica a detenção em massa dos tâmeis: “Foi preciso separar os terroristas da população civil que eles tomaram como refém. Evidentemente, a repatriação leva tempo. E não se pode mandar as pessoas de volta para suas casas antes de desarmar as minas.”As raras organizações não governamentais (ONG) autorizadas a trabalhar nesses campos, contudo, relativizam a austeridade das condições de vida. De acordo com um agente humanitário ocidental, “o exército foi sobrecarregado pelo número de civis que viviam com os Tigres: eram quase 300 mil, enquanto imaginavam ter de lidar com 100 mil! Apesar de tudo, durante as reuniões de coordenação entre as agências das Nações Unidas, ONGs e os oficiais do exército, percebemos que os militares faziam o máximo. Vi campos de refugiados das Nações Unidas bem mais caóticos.”Permanece , contudo, o princípio discriminatório de confinar civis em massa em virtude de sua origem étnica.
Milhares de pessoas confinadas
Acompanhados de um major e de dois tâmeis obviamente encarregados de relatar nossas conversas, percorremos o imenso campo. Visitamos o centro de saúde, as escolas, as vendas, os bancos e os postos de correio – uma das formas atenuar a privação de liberdade, além das eventuais saídas temporárias. Após meses de sobrevivência sob o fogo cruzado dos combates, nossos interlocutores parecem quase aliviados: o pior já tinha passado. Estavam vivos, alimentados, tratados e iriam reconstruir suas vidas. A visita guiada, contudo, saiu do roteiro quando um grupo protestou, sob os olhares sombrios dos dois “caguetes”: “Não aguentamos mais! Quanto tempo teremos de ficar aqui? Nossos bens foram pilhados. Por que ainda estamos aqui, enquanto outros são libertados? Quais são os critérios? E o que as Nações Unidas estão fazendo?”Em plena campanha para as eleições legislativas, eles não se conformam com a falta de democracia nos campos: “Somente os candidatos que apóiam o presidente têm o direito de vir aqui”.
Os homens jovens são raros em Menic Farm: suspeitos de pertencer aos LTTE, muitos estão na cadeia. Em Colombo, capital do país, há entre 11 mil e 13 mil supostos guerrilheiros. “Eles são classificados de acordo com seu grau de implicação”, explicou Rajiva Wijesinha, ex-secretário de Estado e parente do presidente. Se a maioria dos Tigres se rendeu, os outros foram denunciados por tâmeis revoltados com o extremismo dos rebeldes: embora a derrota fosse inelutável, “eles recrutavam até duas crianças por família”, testemunham sobreviventes. “Eles chegaram a atirar naqueles que tentavam fugir para as zonas controladas pelo exército”.
Perto de Menic Farm, visitamos um centro de detenção e reabilitação de crianças-soldados: sob a guarda do exército e com a ajuda de professores tâmeis das redondezas, meninos e meninas aprendem uma profissão, após anos de combate. Shivanesh tinha 13 anos quando os LTTE recrutaram-no a força: “Matei soldados e fui ferido”, contou esse adolescente de 17 anos, com olhar apagado e coberto de cicatrizes. “No meu batalhão, só havia crianças. Quando o exército nos cercou, nossos chefes foram mortos e nós nos rendemos.” Shivanesh não se arrependeu de sua rendição. “Os Tigres roubaram minha vida. Eles me separaram da minha família, me proibiram de ir para a escola, me ensinaram a matar. O exército me ensina uma profissão e permite que meus parentes venham me visitar. Agora estou aprendendo informática. Logo, vou voltar para casa e encontrar minha família.”
Os esforços para reabilitar esses jovens parecem louváveis, mas atingem apenas uma minoria de crianças-soldados. Além disso, uma fonte independente autorizada a visitar os detentos LTTE lamenta a falta de informações: “O governo não divulga nenhuma lista de nomes. As famílias são mantidas na ignorância. Ninguém sabe ao certo quem está preso, nem onde, nem por que motivo. Em um país em que são comuns as execuções sumárias, é de se preocupar.”O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tampouco tem acesso aos prisioneiros .
Mais ao Norte se estende a região do Wanni, controlada pelos Tigres durante duas décadas e retomada pelo exército no início de 2009. Desde então, o Wanni está totalmente bloqueado pelos militares; os jornalistas estrangeiros foram mantidos afastados. Na estrada A9 que atravessa o território, os bunkers se sucedem a cada cem metros. As redondezas foram desmatadas para evitar eventuais emboscadas. Aqui e ali, uma placa com uma caveira indica a presença de minas. Em toda parte, veem-se militares armados. Os raros civis vivem embaixo de barracas, perto de suas casas em ruínas.
Dividimos a estrada com dezenas de ônibus de turistas cingaleses, grupo étnico predominante no Sri Lanka, incentivados pelo governo a visitar o Norte, inacessível por tanto tempo. Antiga capital dos Tigres, onde a guerrilha estabeleceu ministérios de seu proto-Estado1, Kilinochchi está irreconhecível: nenhuma construção ficou de pé. Até mesmo o reservatório de água não sobreviveu aos combates. Deitado de lado, crivado de estilhaços de bombas, a imponente obra é hoje metralhada pelas câmeras fotográficas dos turistas. Monges budistas posam com suas famílias diante desse espetáculo desolador, depois voltam para seus ônibus enfeitados com bandeiras do Sri Lanka e cartazes glorificando o presidente e seu “exército de heróis”. Além de um monumento aos mortos, a única construção nova de Kilinochchi é um templo budista, que os militares ergueram precipitadamente, em detrimento da população tâmil, hinduísta ou cristã.
Esse triunfalismo exaspera os tâmeis recentemente libertados de Menic Farm, que, de luto e sem notícias de seus parentes, vivem do auxílio internacional: “Conhecemos o inferno e eles vêm nos provocar”, lamenta Nayan. Parente dos Tigres, ele sobreviveu à ofensiva final ao redor de Mullaitivu, onde o exército bombardeou sem trégua os LTTE -- e milhares de civis que se empurravam diante deles. “Os Tigres lutaram até a última bala. Depois engoliram a cápsula de cianureto que levavam pendurada no pescoço. Choviam bombas. Minha mãe morreu diante dos meus olhos e eu mesmo fui ferido”, diz ele, mostrando as cicatrizes no braço e na perna. “Reconheço que depois dos bombardeios, o exército até se comportou corretamente com os civis: eles querem ganhar os corações e as mentes.”Entretanto, as convicções de Nayan não se abalaram: “Vivi anos sob o governo dos Tigres. Eu me sentia muito bem. Havia ordem, trabalho, serviço social, justiça social.”Assim como muitos simpatizantes dos LTTE, Nayan não pôde admitir a morte de seu líder, Velupillai Prabhakaran, embora ela tenha sido confirmada por testes genéticos: “A televisão mostrou o corpo de um homem de bigode que se parecia com ele”.Ele acha que os Tigres “recuaram”: “Tínhamos cinco helicópteros e 35 canhões de longo alcance. Onde estão eles? Parte dos LTTE estáescondidoa, eles reaparecerão”, acredita ele.
Diferentemente de Nayan, a maioria dos cingaleses saboreia a vitória, aliviada de não viver mais com medo dos atentados suicidas. Eles resumem o conflito a uma “guerra contra o terrorismo”: massacrados pela mídia, acreditam piamente que seu exército libertou os tâmeis da influência de uma organização criminal. A derrota dos Tigres encerra o debate: a ilha logo irá viver em paz e harmonia, atraindo investidores e turistas após um parêntesis de um quarto de século. O Sri Lanka pretende trazer 2,5 milhões de visitantes em 2016, ou seja, cinco vezes mais que atualmente. Os grupos hoteleiros estão de olho na maravilhosa baía de Trincomalee, antigo domínio dos LTTE2.
Essa visão otimista não leva em conta o fato de que o irredentismo tâmil não começou com as bombas dos LTTE, mas sim três décadas antes, com as medidas discriminatórias tomadas pelo governo central contra sua minoria3. E os arames farpados de Menic Farm reforça, para os tâmeis, o tratamento como cidadãos de segunda categoria. Apesar do totalitarismo dos Tigres, as exações e as crianças-soldados, muitos deles ainda têm sentimentos ambíguos. “As pessoas me dizem: pelo menos com os Tigres, tínhamos uma voz”, conta Shanti Satchithanandam, diretora da ONG tâmil Viluthu (“Em frente”), apesar de ela mesma ter sido vítima dos Tigres. “Eles tinham a impressão que os LTTE, apesar de seus traveses, lutavam em nome deles. Sua derrota deixou-os em estado de choque e afônicos.”
Ironicamente, os LTTE, ao matarem sistematicamente os possíveis políticos concorrentes tâmeis, contribuíram amplamente com atual vazio representativo. A Aliança Nacional Tâmil (TNA), o partido político notoriamente próximo dos Tigres, implodiu. Ao que parece, muitas pessoas importantes aderiram ao partido somente para escapar das balas dos LTTE. Elas retomaram sua autonomia e se apresentaram às eleições legislativas sob diferentes bandeiras -- às vezes, até mesmo com o apoio do governo central, feliz em dividir os tâmeis. Incapaz de admitir o novo jogo, a TNA ainda sonha, em seu manifesto político, com uma “estrutura federal para o Norte e o Leste”, o que cingaleses, vencedores, dificilmente consentirão.
“Nossas ambições são modestas”, reconhece Mavay Senathiraja, candidato da TNA. “Vamos negociar com o governo, tentar obter o apoio da comunidade internacional por meio da mobilização da diáspora 4. Se não chegarmos a um acordo, lançaremos uma campanha de desobediência civil”, declara em uma patética confissão de impotência.
“Os tâmeis não têm mais esperança”, analisa um velho militante. “Se eu fosse mais jovem, eu me exilaria. Trinta anos de luta política para nada, dos anos 1950 ao início dos anos 1980. Trinta anos de luta armada foram por água abaixo. As negociações não serviram para nada, o confronto também não. É preciso resignar-se a viver em um país budista cingalês, sob ocupação militar. O exército está instalado no Norte e no Leste e vai ficar muito tempo. Vejam Jaffna: a cidade caiu há mais de 20 anos e ainda há o mesmo número de soldados patrulhando nas ruas.”
Na extremidade Norte da ilha, a península de Jaffna constitui uma zona de alta segurança (ZAS) desde 1996. Na entrada da capital histórica dos tâmeis do Sri Lanka, entre dois bunkers espetados de metralhadoras, vê-se um imenso cartaz em inglês: “Um país, uma nação”. Tomada e retomada pelos LTTE, por grupos tâmeis rivais, pelo corpo expedicionário indiano (1987-1990) e pelo exército, Jaffna está em ruínas desde os anos 1990. Não há qualquer indício de reconstrução. “A situação está melhorando”, pondera um funcionário das Nações Unidas. “O toque de recolher foi suspenso, os pescadores têm novamente o direito de ir para o alto mar e há um controle de identidade menor”.Entretanto, a península ainda teme: além de sua setorização militar, Jaffna está sob a influência do Partido Democrático do Povo do Eelam (EPDP), uma milícia tâmil ligada ao governo, em 1987. Na última fase do conflito, entre 2006 e 2009, várias centenas de pessoas, de acordo com os defensores dos direitos humanos, foram assassinadas ou desapareceram. “Parece que a EPDP quis se vingar dos LTTE”, diz uma fonte governamental. O chefe da organização, o ministro Douglas Devananda, tem motivos para odiar os Tigres: ele escapou de 13 atentados. Como não conseguiram atingi-lo, abateram sua companheira.
Mesmo que o último assassinato atribuído a milicianos pró-governamentais date do final de 2008, ninguém se arrisca a responder às nossas perguntas. Apenas o bispo católico tâmil, Monsenhor Thomas Sandernayan, evidentemente protegido por seu status social, aceita testemunhar: “Em agosto de 2006, o padre Jim Brown desapareceu com seu motorista, na ilha de Kayts, ao largo de Jaffna.”Pouco antes, um oficial havia ameaçado o padre tâmil de morte, acusando-o de cumplicidade com a guerrilha. “Exigimos uma investigação. Mas os investigadores enviados pelo governo não falam tâmil. E os militares se recusam a cooperar.”
Ao largo da ilha de Kayts, na ilhota de Nainativu, milhares de turistas cingaleses fazem uma peregrinação ao templo de Nagadipa, onde o próprio Buda teria estado. Os fuzileiros navais ajudam os visitantes a entrar nos barcos lotados e reanimam aqueles que sucumbiram ao calor. Um oficial se satisfaz: “Ontem, recebemos 10.500 pessoas.”Vindo do sul do país, um monge budista usando uma túnica cor de laranja alegra-se: “Os terroristas tâmeis tinham destruído esse templo. O exército reconstruiu-o. Depois de todos esses anos, o budismo está finalmente de volta nessas terras.”É preciso saber que muitos bonzos (sacerdotes budistas) cingaleses situam-se politicamente na extrema direita e acreditam que o país pertença a eles e seus devotos. Nos cartazes eleitorais, monges candidatos às eleições legislativas posam ao lado de soldados. Nesse contexto, os tâmeis, os hindus e os cristãos percebem no afluxo dos peregrinos budistas em Nainativu um desejo “colonial”.
Esse sentimento também é palpável no Leste do país, onde andam lado a lado -- e por vezes se afrontam – cingaleses, tâmeis e uma minoria muçulmana (7% dos insulares). No distrito de Ampara, milhares de camponeses muçulmanos tiveram suas terras confiscadas sob o pretexto de “escavações arqueológicas”. De acordo com Myown Mustaffa, ex-ministro da educação superior, a medida é “orquestrada em alto escalão por extremistas budistas infiltrando o cerco presidencial”.Farid, um velho camponês, desabafa: “Monges budistas plantaram uma estela nos meus campos e disseram que era um sítio histórico e que eu não tinha mais direito de mexer em nada”.Desde então, os campos não são mais cultivados. Farid sabe que a força pública está do lado dos monges. Aqui, como no Norte, o Estado de direito é uma abstração: as forças da ordem são auxiliadas pelos figurões da facção Karuna - Vinayagamoorthy Muralitharan, ou “Karuna”, é um antigo chefe regional dos LTTE que abandonou o movimento em 2004 e recebeu a título de recompensa um cargo ministerial, como Devananda5.
Em Colombo, não há mais paramilitares tâmeis para silenciar os opositores, mas há as white vans, caminhonetes brancas, sem registro, que sequestram os perturbadores à noite e passam sem problemas pelos postos policiais. O cartunista Prageeth Eknaligoda “desapareceu” assim no dia 24 de janeiro de 2010, quando saía do escritório. No dia 8 de janeiro do ano anterior, Lasantha Wickrematunge, o redator chefe do Sunday Leader cujos editoriais eram ferozes, foi assassinado na rua. “Eles mataram Lasantha, o primo do ex-presidente Kumaratunga, em plena luz do dia, diante de testemunhas”, suspira um intelectual tâmil. “Depois disso sabemos que podem matar qualquer um”.Defensores dos direitos humanos, advogados e jornalistas recebem ameaças de morte e são qualificados de traidores, de agentes dos Tigres. “Aqui, os jornalistas são livres para exercer sua profissão. Mas os assassinos de jornalistas também.”, ironiza Thana Balasingam, diretor do jornal tâmil Thinakkural (A Voz Diária).
Desde sua reeleição, em 26 de janeiro de 2010, Rajapalse reforça sua influência sobre os opositores e as mídias independentes. Seu adversário na corrida presidencial, o ex-chefe de estado-maior, Sarath Fonseka, foi preso e levado à corte marcial. O fanatismo assombra a população, ainda que não se tenha ilusões sobre as convicções democráticas de Fonseka: “O presidente o acusava de preparar um golpe de Estado”, testemunha um defensor dos direitos humanos, ameaçado de morte. “Porém, foi ele mesmo quem deu esse golpe de Estado”, acusa, notando a onipresença dos militares, assim como o poder absoluto de Gotabhaya Rajapakse, o temido ministro da Defesa e irmão do presidente.
O presidente teve sucesso onde seus antecessores fracassaram: ele erradicou os LTTE, uma das mais temíveis guerrilhas do mundo. Isso se explica, principalmente, pela ajuda da China, ansiosa em ter o apoio do Sri Lanka, localizado no trajeto do seu abastecimento petrolífero, diante do grande rival indiano. Preocupada com essa aliança, Washington teria apoiado por baixo do pano a candidatura do general Fonseka às eleições presidenciais.
Como em Iwo Jima
Segundo muitos observadores, a falta de consideração pelos direitos humanos foi um dos elementos principais da vitória. Convencida de que os LTTE negociariam somente para ganhar tempo, Nova Déli acabou apoiando essa guerra total -- embora discretamente, em virtude da grande população tâmil indiana6. Como os ataques naxalitas7 intensificaram-se na Índia (75 policiais mortos em uma emboscada no Chhattisgarh no dia 6 de abril, 148 vítimas civis na sabotagem de um trem no Bengala Ocidental no dia 28 de maio), o Sri Lanka ofereceu sua “perícia” contra-insurrecional para seu grande vizinho.
O regime de Rajapakse leva o triunfalismo até o limite do absurdo. Testemunha disso é a nova nota de mil rúpias representando, na frente, o presidente e no verso, soldados fincando a bandeira nacional, a exemplo dos fuzileiros navais americanos em Iwo Jima, em 1945. Esse fervor não prenuncia uma reconciliação: “Os cingaleses consideram agora o Norte território conquistado”, explica Jehan Perera, um intelectual cingalês. “Durante o conflito, eles tinham medo dos Tigres. Com o cessar-fogo, estabeleceu-se uma relação de igualdade entre cingaleses e tâmeis. Agora vemos instalar-se uma relação de dominação entre vencedores e vencidos.”
Nenhuma concessão política é considerada. “O conselho da província oriental tem um papel de figurante”, lastima Somasundram Pushparajah, político tâmil eleito de forma independente e também ameaçado de morte. “Se o governo concedesse prerrogativas reais para as províncias, o problema étnico estaria resolvido”.A presidência estima que a reconstrução das zonas de conflito seria suficiente para contentar a minoria. No entanto, o bispo de Jaffna constata: “Os tâmeis nunca aceitarão um desenvolvimento econômico centralizado, dirigido por Colombo, no qual não teriam nenhum poder”.Principalmente porque o homem encarregado da reconstrução não é outro senão Basil Rajapakse, outro irmão do presidente.
A debandada dos tigres “abria a possibilidade de uma democracia pluralista, respeitosa dos direitos de cada um”, conclui Perera. “Mas estamos tomando o caminho inverso: a via malasiana, de um regime autoritário, de democracia restrita, em que os direitos serão subordinados ao desenvolvimento econômico.”
SAIBA MAIS
Trinta anos de guerra civil
1815. Os britânicos concluem a colonização do Ceilão. Unificam a ilha, antes dividida em três reinos: dois cingaleses e um tâmil.
1948. Independência. A minoria tâmil (18 %), muito bem cuidada pelos colonizadores, fica submetida à lei da maioria cingalesa (74 %), que impõe sua língua, priorizando sua religião, o budismo.
1956. Discriminados, os tâmeis pedem a autonomia do Norte e do Leste.
22 de maio de 1972. O Ceilão torna-se a República Democrática socialista do Sri Lanka.
Julho de 1983. Pogroms contra os tâmeis. Milhares de tâmeis se lançam na luta clandestina. Comandados por Velupillai Prabhakaran, os Tigres de Libertação do Eelam Tâmil (LTTE) impõem-se executando seus rivais.
1987-1990. Acordo Índia-Sri Lanka: o exército indiano enfrenta os LTTE em Jaffna, Colombo reprime um levantamento de extrema esquerda no Sul.
1991. Assassinato do primeiro ministro indiano Rajiv Gandhi pelos LTTE.
1996. O exército retoma Jaffna.
1997-2001. Série de vitórias dos LTTE, que controlam o Norte e grandes zonas no Leste.
Fevereiro de 2002. Cessar fogo graças à mediação da Noruega.
Abril de 2003. Os LTTE se retiram das negociações de paz.
Março de 2004. O chefe dos Tigres do Leste, o “coronel Karuna” abandona o movimento.
Novembro de 2005. Eleição do presidente Mahinda Rajapakse, que promete acabar com os LTTE.
Abril de 2006. Os combates se generalizam.
Setembro de 2007. Após ter retomado o Leste com a ajuda de Karuna, o exército passa para a ofensiva no Norte.
2 de janeiro de 2009. Tomada de Kilinochchi, antiga “capital” dos LTTE.
20 de maio de 2009. Fim oficial da guerra após a morte de Prabhakaran e aniquilamento dos LTTE ao redor de Mullaittivu. A ofensiva final teria feito de 8 500 a 20 mil vítimas. Cerca de 300 mil civis tâmeis são confinados em campos controlados pelo exército.
Dezembro de 2009. O presidente Rajapakse e o ex-chefe do estado maior Sarath Fonseka lutam pela vitória.
26 de janeiro de 2010. Rajapakse é reeleito e Fonseka é levado à corte marcial.
Cédric Gouverneur é jornalista.
1 Ler “Un Etat de facto pour les Tigres tamouls”, Le Monde diplomatique, fevereiro de 2004.
2 “Thalassa”, France 3, 2 de abril de 2010.
3 Ler Eric Paul Meyer, “Ressorts du séparatisme tamoul au Sri Lanka”, Le Monde Diplomatique, abril de 2007; e Sri Lanka. Entre particularismes et mondialisation, La Documentation française, Paris, 2001.
4 Mais de 1,5 milhões de tâmeis vivem no exílio, especialmente na Europa do Norte e no Canadá. Com suas contribuições - voluntárias ou forçadas -, a diáspora assegurava a autonomia financeira dos LTTE.
5 Cf.Anuradha Herath, “The Saga of Colonel Karuna”, The Huffington Post, julho de 2009.
6 Cf. “Lessons from the war in Sri Lanka”, Indian Defense Review, setembro de 2009.
7 Nascida de uma revolta de camponeses em 1967 no vilarejo bengali de Naxalbari, a guerrilha maoísta, ou “naxalita”, conheceu uma recrudescência nos Estados rurais do centro da Índia desde 2004. Ler “En Inde, expansion de la guérilla naxalite”, Le Monde Diplomatique, dezembro de 2007.