O círculo vicioso de terrorismo de estado e terrorismo individual não diminuiu. Agora, a França foi lançada violentamente no turbilhão. Há muito que os Marxistas explicaram que o imperialismo e o fundamentalismo islâmico são os dois lados do mesmo fenômeno reacionário – a decadência e declínio do capitalismo – que ameaça fazer sucumbir toda a humanidade com ele.
Uma cambada de "líderes mundiais" se reuniu em Paris para uma marcha com fotos solenes, acotovelando-se literalmente, em grupo compacto, para se destacarem uns dos outros nas fotos, enquanto milhões de pessoas marchavam separadamente em uma orgânica manifestação de solidariedade humana. Esses fiéis representantes dos 1% do topo da pirâmide social marcharam de braços dados em defesa da "liberdade de expressão", enquanto cerceiam estas liberdades na própria casa e externamente. Como é possível que falem de "liberdade de imprensa" quando, nos EUA, por exemplo, apenas 5 ou 6 empresas dominam 90% da mídia? A hipocrisia é gritante quando líderes de estados que espionam, torturam, assassinam e invadem em escala de massa declaram com expressão piedosa que todos temos de juntar as mãos para combater a "violência do extremismo". Por que estes criminosos e exploradores não mostraram o mesmo grau de preocupação pelas 150 pessoas – a maioria, crianças – massacradas pelos fundamentalistas em Peshawar, Paquistão, ou pelos 2 mil ou mais sacrificados em Baga, Nigéria, nos últimos dias? Por que não viajaram a Khyber-Pakhtunkhwa ou ao estado de Borno para ali posar para as câmaras?
Assim como fizeram no rescaldo do 11 de setembro, pretendem usar cinicamente a tristeza e a indignação genuínas dos trabalhadores comuns e jovens em seu próprio benefício. Com seus persistentes apelos à "unidade nacional" e à "guerra ao terror", eles buscam desviar a atenção dos trabalhadores europeus do aprofundamento da crise econômica, dos cortes, da austeridade, do desemprego e da deflação. Querem lançar as bases para uma nova intervenção imperialista no exterior e para uma maior repressão em casa. Em nome da "segurança", há agora 10 mil soldados franceses estacionados em todo o país e já se fala de uma "Lei Patriótica" francesa. Como nos EUA e em outros lugares, essas ferramentas serão usadas contra a classe trabalhadora no futuro.
Como Marxistas, condenamos o assassinato da equipe editorial de Charlie Hebdo. Ademais de matar jornalistas inocentes de tendência esquerdista, esses ataques terroristas – mesmo que fossem em resposta ostensiva ao terrorismo de estado e à discriminação institucional generalizada – serviram somente para lançar milhões de trabalhadores franceses nos braços da reação. Manifestações massivas estão agora ocorrendo por toda a Europa, não somente contra os assassinatos terroristas, mas também contra o Islã como um todo. Esta polarização ao longo de linhas étnicas e religiosas somente pode confundir a classe trabalhadora e a juventude, e tornar mais demorado o desenvolvimento de um movimento político e sindical de uma classe trabalhadora unida e em massa, contra o domínio do capital.
Mas embora os Marxistas defendam energicamente o direito à liberdade de expressão, não o fazemos no abstrato. Direitos democráticos básicos, como de imprensa, de expressão e reunião, são ferramentas que permitem aos trabalhadores organizar mais eficazmente a luta contra o capitalismo. Apoiamos o que eleva a consciência, a confiança e a unidade da classe trabalhadora, e nos opomos a qualquer coisa que opere contra isto. Com isso em mente, devemos nos perguntar, considerando o contexto das opressões e atrocidades imperialistas da França no passado e no presente e da marginalização e alienação de centenas de milhares de Muçulmanos nesse país, se as caricaturas zombeteiras de Charlie Hebdo reforçavam a unidade da classe trabalhadora ou a obstaculizavam? Elas realmente expunham a hipocrisia da classe dominante e as verdadeiras raízes da exploração, da opressão e do obscurantismo religioso? Elas ajudavam a elevar a consciência dos trabalhadores com relação aos seus interesses mútuos, independentemente de sua etnia, raça ou gênero? Ou revolviam o pântano do racismo, uma das mais venenosas e efetivas ferramentas do arsenal da classe dominante para "dividir e reinar"?
Ninguém deveria se surpreender de que não se faça nenhuma menção, nos principais meios de comunicação, do inconveniente elefante na sala de visitas: as origens e a gênese do fundamentalismo islâmico. É um fato bem documentado que este monstro foi realmente uma criação do imperialismo, acima de tudo do imperialismo EUA. Nas décadas de 1960 e 1970, dezenas de islâmicos de direita foram apetrechados, financiados e apoiados para obstaculizar a crescente militância da classe trabalhadora em seu impulso à esquerda através do chamado Mundo Muçulmano. Da Indonésia ao Irã, da Palestina ao Paquistão, movimento revolucionário após outro foi sabotado e estrangulado, seja diretamente ou através da imposição do "mal menor" de uma ditadura ou outra.
O fracasso dos líderes trabalhistas e comunistas em transformar a sociedade e espalhar a revolução por toda a região deixou um vácuo que foi inevitavelmente preenchido pela reação no momento em que a maré revolucionária minguou. O general Zia ul-Haq, no Paquistão, os jihadistas/al-Qaeda/Talibã, no Afeganistão, e os mulás, no Irã, foram todos financiados e facilitados pelo imperialismo EUA. Mas os cães selvagens fundamentalistas, incitados sem piedade contra os trabalhadores e a juventude da África, do Oriente Médio, do subcontinente Indiano, e de outras partes da Ásia, não podiam ser controlados. Tinham ambições próprias e finalmente se voltaram contra seus anteriores amos.
Depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, Bush, Cheney, Rumsfeld, Wolfowitz e Cia não perderam tempo em lançar uma invasão do Afeganistão e em preparar a opinião pública para fazer o mesmo no Iraque. Pareceu para muitos que os imperialistas EUA eram imparáveis. As abominações sofridas pelos povos desses países são impossíveis de serem quantificadas ou qualificadas. Centenas de milhares foram assassinados e mutilados, e milhões foram deslocados. Mas o resultado final – como foi previsto no momento pelos camaradas da CMI [Corrente Marxista Internacional] – foi um desastre absoluto para o imperialismo EUA. Se sua missão era a bancarrota do Tesouro Nacional, o quase rompimento da espinha do militarismo dos EUA e a abertura de novas áreas da região ao fundamentalismo islâmico, eles com certeza a cumpriram.
No total, as guerras no Iraque e no Afeganistão custarão estimados 5 trilhões de dólares em dinheiro tomado emprestado – uma dívida pesada que alcança 16 mil dólares por cada cidadão estadunidense. Mais de 2,5 milhões de estadunidenses foram mobilizados nesses dois países, alguns deles várias vezes. Mais de 57 mil estadunidenses foram mortos e feridos até agora no Iraque e no Afeganistão – mais do que durante a Guerra Revolucionária Americana.
Mas, longe de paz e harmonia, qualquer aparência de estabilidade, do Levante ao Paquistão, foi abalada. O Estado Islâmico agora controla vastas faixas da Síria e do Iraque. Os comandantes estadunidenses e Obama dizem que a guerra contra esses bandidos demorará anos, não meses, e abertamente admitiram que os melhores financiados e treinados militares do mundo podem se tornar impotentes diante de um exército irregular de gângsteres. O Iraque começou a se romper ao longo de linhas étnicas e religiosas, a influência dos membros do "Eixo do Mal" do Irã tem crescido, e a Turquia também está se afirmando agressivamente como potência regional. Os Curdos, Yazidis e outras minorias religiosas e étnicas estão sendo cruelmente esmagados em meio ao caos atual.
De acordo com o ex-oficial da inteligência militar, Jim Gourley, "Neste ponto, é indiscutivelmente evidente que o exército estadunidense não logrou qualquer um de seus objetivos estratégicos no Iraque. Avaliada de acordo com as metas estabelecidas por nossa liderança militar, a guerra terminou em derrota total para nossas forças". No entanto, apenas 3 anos depois da retirada formal de todas as tropas do Iraque, Obama agora está enviando até 3 mil soldados de volta àquele desafortunado país, muitos dos quais serão instalados na frente de combate.
A derrota dos EUA no Afeganistão foi ainda mais humilhante. Agora se converteu na guerra mais prolongada na história dos EUA – quatro vezes mais prolongada do que a participação direta dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Os britânicos fracassaram em subjugar a região em três guerras separadas. Os stalinistas da URSS também fracassaram. Agora, depois de 13 anos e de 2.200 mortes estadunidenses, Obama tem a desfaçatez de declarar que a guerra foi "concluída com responsabilidade". De acordo com o Secretário de Defesa, Chuck Hagel, a invasão e ocupação estadunidense "tornou nosso mundo mais seguro e deu ao Afeganistão a oportunidade de traçar um futuro seguro, democrático e próspero". Assinalou que acredita que o estado afegão "pode defender Cabul" – convenientemente deixando de fora o restante do país –, mas esquecendo de mencionar que, neste agora "democrático e próspero país", os ataques com drones e o deslocamento de mais de 10 mil soldados estadunidenses continuariam indefinidamente.
Essas guerras abalaram profundamente a eficácia do exército estadunidense como uma ferramenta para a imposição da vontade dos imperialistas. De acordo com o autor militar, William Greider, "nossa presunção de superioridade invencível leva-nos a cada vez mais a conflitos militares impossíveis de ganhar". William S. Lind, um historiador militar que ajudou a desenvolver o conceito de "Guerra de Quarta Geração", ou lutas contra a insurgência, terroristas ou outros grupos "não estatais", escreveu recentemente: "A coisa mais curiosa sobre nossas derrotas na Guerra de Quarta Geração – Líbano, Somália, Iraque e Afeganistão – é o silêncio absoluto do corpo de oficiais dos EUA. A derrota no Vietnã criou uma geração de reformadores militares... Hoje, a paisagem é árida. Nenhuma voz militar é ouvida pedindo uma mudança séria e substantiva. Somente mais dinheiro, por favor".
De acordo com um artigo detalhado sobre o estado do exército estadunidense escrito por James Fallows: "Os EUA gastarão mais de 1 trilhão de dólares com segurança nacional este ano. Isto inclui cerca de 580 bilhões de dólares para o orçamento corrente do Pentágono mais os fundos de "contingência no exterior"; 20 bilhões de dólares para o orçamento do Departamento de Energia, para as armas nucleares; quase 200 bilhões de dólares para as pensões militares, para os custos dos assuntos do Departamento dos Veteranos e outras despesas. Mas isso não alcança mais de 80 bilhões ao ano de juros com relação à quota dos militares na dívida nacional. Depois de ajustes devidos à inflação, os EUA gastarão cerca de 50% a mais com o exército neste ano do que sua média durante a Guerra Fria e a Guerra do Vietnã. Gastará tanto quanto os dez países mais próximos juntos – de três a cinco vezes o gasto da China, dependendo de como se faça a conta, e de sete a nove vezes o gasto da Rússia. O mundo como um todo gasta 2% de sua renda total com seus exércitos; os EUA gastam cerca de 4%.
"As perdas totais dos contribuintes no fracassado programa de energia solar Solyndra podem chegar, em sua estimativa mais calamitosa, a uns 800 milhões de dólares. Os excedentes dos custos totais, as perdas por fraude e outros danos aos contribuintes do projeto do F-35 são talvez 100 vezes maiores; contudo, o 'escândalo Solyndra' é provavelmente cem vezes mais conhecido pelas pessoas do que as atribulações do projeto do caça F-35. Aqui, há outro critério: os custos totais deste avião estão agora estimados em mais de 1,5 trilhões de dólares, uma estimativa apenas inferior à toda a guerra do Iraque".
Para arrematar o ignominioso fracasso no Afeganistão, os EUA tiveram que negociar com várias facções dos vagamente definidos Talibãs, para retirar suas tropas e evitar uma guerra civil total nesta etapa. Segundo a BBC, o presidente afegão Ashraf Ghani, em um esforço desesperado para improvisar um governo, teve que oferecer ao Talibã vários postos governamentais: "Os três homens por quem o presidente Ghani tinha esperado para entrar em seu governo eram Mullah Zaeef, o antigo embaixador Talibã no Paquistão, que viveu de forma relativamente aberta em Cabul durante alguns anos, Wakil Muttasakil, antigo primeiro ministro Talibã, e Ghairat Baheer, parente próximo de Gulbuddin Hekmatyar, cujas forças são aliadas do Talibã". Também houve negociações para nomear governadores Talibãs das três províncias do Sul – Nimruz, Kandahar e Hellmand – algumas das áreas mais sangrentamente contestadas pelas tropas dos EUA e britânicas. Isto enquanto "não negociamos com terroristas!".
No final, os Talibãs recusaram a oferta. Seguramente podem ver a vida útil limitada do novo regime e têm os olhos voltados para um controle e autoridade mais amplos em um futuro não tão distante. E a BBC informou: "Sequer está claro que o envolvimento do Talibã no governo daria um fim à insurgência, uma vez que alguns comandantes permanecem na oposição a qualquer acordo".
Estes são os resultados reais do dinheiro e das vidas perdidas na "guerra ao terror". Com o ataque ao Charlie Hebdo, as galinhas do imperialismo estão voltando com força para o poleiro em outro país. O fundamentalismo islâmico e o imperialismo são duas formas de reação capitalista e estão profundamente interligados. Ambos manipulam o medo e a alienação das massas. No alvorecer do século XXI, não se pode ter um sem o outro.
A loucura do terrorismo de estado e individual não terá um fim até que o sistema capitalista que os gera seja derrubado. Somente o socialismo pode oferecer um mundo de paz e abundância, baseado na verdadeira igualdade, respeito mútuo e um alto padrão de vida para todos. Trabalhadores de todos os países: unam-se e lutem contra o racismo, o fundamentalismo e o imperialismo!