Por mais de cinco anos, há conflito armado entre forças sauditas e os houthis, que num dado momento capturaram uma cadeia de montanhas de baixa altitude em território saudita. Os sauditas culpam os suspeitos de sempre: Irã e o Hizbollah libanês. Os houthis culpam os suspeitos de sempre: os sunitas do Iêmen, seus apoiadores sauditas e – já adivinharam – os EUA.
Mas, como todas as crises no Oriente Médio, o conflito no Iêmen, que começou quase imediatamente e sem transição depois da guerra civil que trouxe o exército egípcio de Nasser para o conflito com a família real iemenita – apoiada pelos sauditas – é um pouco mais nuançado do que podem sugerir os despachos jornalísticos. Verdade é que o primeiro governante independente do Iêmen foi um xiita zaidita – não era sunita –, que estendeu seu território sobre o norte do Iêmen entre as duas guerras mundiais.
O Imã Yahya liderava a seita zaidita, cujas crenças e culto têm quase tanto em comum com o Islã sunita quanto com o xiismo, mas lutou contra os sauditas quando tomaram Asir e Najran, do que Yahya chamava "o Iêmen histórico".
Euegen Rogan, professor de Oxford, descreveu a crueldade do sucessor de Yahya, seu filho Ahmed, que prendeu e executou seus rivais e iniciou relações diplomáticas com a União Soviética e a China, mas logo se viu em luta contra a palavra de ordem de Nasser, que mandava derrubar os "regimes feudais" no Oriente Médio.
Ahmad gostava de condenar o socialismo árabe, em versos (roubar propriedade privada seria "crime contra a lei islâmica"). Quando o filho de Ahmed, Badr, foi derrubado num golpe militar, Nasser apoiou a nova república e os sauditas tentaram destruir Nasser, oferecendo apoio aos rebeldes xiitas zaiditas.
A triste história da divisão do Iêmen e eventual (e infeliz) unificação do governo ditatorial de Saana, 33 anos sob Abdullah Saleh – ele próprio xiita zaidita – e, depois, os inevitáveis clamores da minoria oprimida, implicavam que o despertar árabe – no Iêmen foi de fato uma 'primavera' sangrenta – despertaria feridas ainda muito dolorosas.
A saída de Saleh produziria uma nova Constituição que não satisfez os houthis. Os sauditas passaram a temer que os rebeldes xiitas do norte, que carregavam o nome de Hussein Badreddin al-Houthi, líder zaidita morto em 2004, fossem apoiados pelo Irã e, assim – por causa da própria substancial minoria xiita na Arábia Saudita –, que constituíssem uma ameaça à estabilidade do próprio reino saudita.
Muito protestaram os sauditas contra o apoio que o Irã e o Hizbollah libanês dariam aos houthis – e muito o Irã e o Hezbollah negaram qualquer apoio –, mas o crescimento da facção da Al-Qaeda no Iêmen (que cultiva, é claro, as mesmas crenças salafistas-wahabistas que a própria Arábia Saudita), trouxe o inevitável envolvimento militar dos EUA.
Os ataques por drones norte-americanos no Iêmen, praticamente apagados do mundo pela imprensa-empresa ocidental, eram dirigidos contra a al-Qaeda, supostamente em nome do governo iemenita que os sauditas apoiavam.
Mas em dezembro de 2009, porta-vozes dos houthis começaram a catalogar séries de ataques dos EUA contra os próprios houthis, inclusive 29 raids aéreos que mataram 120 pessoas em cidades do norte do Iêmen.
O avanço dos houthis sobre Sanaa dividiu a força do exército do governo – que passou a combater contra a al-Qaeda (em nome dos EUA) e contra os houthis (em nome dos sauditas). A Al-Qaeda na Península Árabe moveu-se para o norte, para combater os houthis, com o que passou a receber apoio dos sunitas.
O Iêmen não é a Síria. Mas a visão deformada que os EUA têm do Oriente Médio já produziu no Iêmen cenário muitíssimo semelhante ao que produziu na Síria: além de tentarem destruir o regime xiita alawita de Assad e seus inimigos sunitas do ISIL na Síria, os EUA parecem agora ansiosos para esmagar também os houthis xiitas zaiditas e os sunitas da Al-Qaeda no Iêmen. Ordens dos sauditas.
Tradução do coletivo Vila Vudu.
Robert Fisk é jornalista.