1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (4 Votos)

 1090578RM/DL - [Rodrigo Moura] Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, iniciou sua carreira Acadêmica na Universidade de Varsóvia, onde obteve a cátedra de sociologia geral.


Foto do Diário Liberdade (CC 3.0 by/sa/nc) - Reivindicação pola independência da Galiza, passado dia 6 de dezembro, em Compostela.

Durante muito tempo teve artigos e livros censurados pelo governo polonês, até ser obrigado a sair do país. Foi reconstruindo aos poucos sua carreira, passando pelo Canadá, Estados Unidos até se estabelecer no Reino Unido onde leciona na Universidade de Leeds. Em seus livros, Bauman fala sobre o processo de identidade e identificação dos sujeitos e cita seu exemplo para mostrar o quão fragmentada está a concepção de identidade na contemporaneidade.

Podemos iniciar nossa discussão tratando do sentimento de "deslocamento" e "fragmentação" que vivem os seres humanos da chamada Modernidade Fluida ou Tardia. Isso se dá em a partir do advento da globalização em seu nível mais pesado, em que as trocas comerciais e culturais acontecem de forma quase que instantânea, produzindo nos sujeitos um sentimento de deslocamento e fragmentação, posto que quebram-se as fronteiras, linhas imaginárias que separam ou agregam algo, os sujeitos encontram-se ilhados em busca de subjetividade, em busca de si.

"As identidades flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. Há uma grande probabilidade de desentendimento, e o resultado da negociação permanece eternamente pendente" (BAUMAN, 2005, p.19)

Bauman em Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi (2005) discorre sobre o valor do pertencimento na sociedade atual, quer dizer, sobre o que pertencer a uma determinada nação significa. Em Espanha, por exemplo, que foi tida como invertebrada, podemos notar que a presença de uma Estado unificador não conseguiu acabar com as identidades culturais, percebemos isso através da Galiza, do País Basco e da Catalunha, todos pertencentes à Espanha, entretanto, ao mesmo tempo, não-pertencentes. Logo, o pertencimento parece não ser uma questão primordial no que tange ao processo de formação da identidade dos indivíduos.

Além disso, com as trocas culturais, há pessoas que se identificam com outros modos de vida, outras culturas e países. Acrescido a tudo isso, a questão do exílio se mostra latente na formação da identidade, posto que modifica a visão de mundo dos sujeitos.

"O nascente Estado moderno, que enfrentou a necessidade de criar uma ordem não mais reproduzida automaticamente pelas [sociedades de familiaridade mútua] bem estabelecidas e firmemente consolidadas, incorporou essa questão e a apresentou em seu trabalho de estabelecer os alicerces de suas novas e desconhecidas pretensões à legitimidade" (BAUMAN, 2005, p. 25)

É frutífero assinalar em nossos estudos a diferença estabelecida entre Identidade Nacional e Identidade Pessoal. Nosso trabalho privilegia o primeiro caso, mas faz-se necessário, nesse momento, traças algumas diretrizes para uma melhor compreensão e análise. No primeiro caso, Identidade Nacional, também chamada de Identidade Cultural diz respeito às relações dos sujeitos, indivíduos com seus arredores, ou seja, trabalha com a relação sujeito e sociedade.

Já o segundo caso refere-se às concepções de que cada indivíduo tem de si e essas concepções são, muitos casos, confusas, desconexas e paradoxais, posto que cada indivíduo assume diversos papéis sociais diferentes, logo podemos dizer que para cada papel o sujeito representa, às vezes, encena determinada identidade.

" A idéia de [identidade] e, particularmente de [identidade nacional], não foi [naturalmente] gestada e incubada na experiência humana, não emergiu dessa experiência como um [fato de vida] auto-evidente. Essa idéia foi forçada a entrar na Lebenswelt ¹ de homens e mulheres modernos - e chegou como uma ficção. Ela se solidificou num [fato], num [dado], precisamente porque tinha sido uma ficção, e graças à brecha dolorosamente sentida que se estendeu entre aquilo que essa idéias sugeria, insinuava ou impelia, e ao status quo ante (o estado de coisas que precede a intervenção humana, portanto inocente em relação a esta). A idéia de [identidade] nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o "deve" e o "é" e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia- recriar a realidade à semelhança da realidade" (BAUMAN, 2005, p. 26)

Poder-se-ia repensar nesse contexto o valor do Estado como entidade única e una que garante e guarda a identidade dos sujeitos. Percebe-se uma certa perda de influência do Estado no que tange ao processo de identificação dos sujeitos, sobretudo quando tratamos de países que apresentam mais de uma língua.

Entretanto, países que, aparentemente, não tem problemas de identidade, como é o caso de Portugal, estão enfrentando uma intensa crise, tendo em vista sua posição periférica dentro da Comunidade Européia.

Nesse sentido, vemos movimento semelhante na Galiza que se encontra em posição periférica em relação à Espanha. A grande questão da contemporaneidade é sobre a validade e importância do Estado para a (s) identidade (s) dos sujeitos.

"Tal como as leis dos Estados passaram por cima de todas as formas de justiça consuetudinária, tornando-as nulas e inválidas em casos de conflito, a identidade nacional só permitiria ou toleraria essas outras identidades se elas não fossem suspeitas de colidir (fosse em princípio ou ocasionalidade) com a irrestrita prioridade da lealdade nacional" (BAUMAN, 2005, p.28).

Surge nesse sentido novas identidades ou identidades menores que estão ligadas a movimentos de menor proporção. A contemporaneidade ilustra essa tensão entre o maior e o menor, justamente porque os detentores de identidades periféricas, marginais lutam por desguetizar suas identidades e se lançar ao grande mundo sem fronteiras buscando um espaço e reconhecimento. Com o advento da internet, esses grupos têm se juntado em verdadeiros blocos que discutem seu lugar no mundo.

"... outras identidades, "menores", eram incentivadas e/ou forçadas a buscar o endosso-seguido-de-proteção dos órgãos autorizados pelo Estado, e assim confirmar indiretamente a superioridade da "identidade nacional" com base em decretos imperiais ou republicanos, diplomas estatais e certificados endossados pelo Estado" (BAUMAN, 2005, p. 28)

Dever-se-ia insistir no processo de Globalização como um dos fatores de vital importância na criação e no surgimento de novas identidades. Nesse sentido, aparece um movimentos que se colocam contra os ares globalizadores, numa tentativa de se recuperar as raízes.

Em Galiza, podemos ver esse movimento de retorno às raízes a partir de fatores culturais. Ao mesmo tempo, há outro grupo de sujeitos que se identificam com uma cultura mais cosmopolita, global, Há aí um choque caótico de forças de integração e desintegração, ou seja, grupos que são a favor de um mundo sem fronteiras rígidas e outros que pretendem fechar-se para o mundo a fim de mostrar sua singularidade.

"Globalização significa que o Estado não tem mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação. Flertes extraconjugais e até casos de adultério são ao mesmo tempo inevitáveis e toleráveis, muitas vezes ávida e entusiasticamente obtidos (seguindo as condições preliminares estabelecidas para a sua admissão no "mundo livre"..." (BAUMAN, 2005, p.34)

Bauman (2005) atenta para o anseio por segurança. Em um mundo cada vez mais instável os sujeitos procuram a solidez de uma rocha para se apoiar, mas a realidade mostra que essa solidez já não existe. O que há na contemporaneidade são pequenos pedaços fragmentados, portanto os sujeitos perambulam como o flaneur de Baudelaire em busca de segurança, em busca de um local puro, feliz, livre das ameaças do mundo globalizado. Além disso, percebe-se que "estar fixo" é cada vez mal visto em um mundo cujas fronteiras estão despedaçadas, ficar parado não parece algo atrativo.

"O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, "nem-um-nem-outro", torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, "estar fixo" - "ser identificado" de modo inflexível e sem alternativa - é algo cada vez mais malvisto" (BAUMAN, 2005, p. 35)

Pode-se citar também a década de 1980 com o eclodir de inúmeras identidades e identificações ao redor do mundo. Muitos clamavam por independência, tendo em vista suas diferenças culturais latentes e um Estado que não os representava. Nesse sentido, devemos citar o exemplo de Galiza que conseguiu o Estatuto de Autonômia em 1982, após muitas lutas, torturas e até mortes. O que se vê aqui são identidades que se pautam numa cultura, língua e literatura diferenciada, como é o caso de Galiza. Além disso, muitos países ligados a ex União Soviética lutaram por soberania e independencia.

"Os anos 1980 foram uma década de inventividade frenética. Novas bandeiras foram costuradas, novos cartazes concebidos e impressos. Como a classe não mais oferecia um seguro para reveindicações discrepantes e difusas, o descontentamento social dissolveu-se num número indefinido de ressentimentos de grupos ou categorias, cada qual procurando a sua própria âncora social. Gênero, raça e heranças coloniais comuns pareceram ser os mais seguros e promissores " (BAUMAN, 2005, p.42)

Nesse caos identitário, surgem movimentos de imposição de identidade, ou seja, vê-se em várias partes do mundo uma identidade por imposição, sobretudo em países cuja forma de governo é a ditadura.

Acrescido a isso, muitos países têm se sentido ameaçados com a grande onde de imigração. É o caso da França, por exemplo. Outros países, como a já citada Espanha, temem que sua soberania seja posta em xeque e que as culturas ditas "periféricas" avancem num processo violento de busca por identidade.

"Num dos pólos da hierarquia global emergente estão aqueles que constituem e desarticulam as suas identidades mais ou menos à própria vontade, escolhendo-as no leque de ofertas extraordinariamente amplo, de abrangência planetária. No outro pólo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso à escolha da identidade, que não têm direito de manifestar as suas preferências e que no final se vêem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros - identidades de que eles próprios se ressentem, mas não têm permissão de abandonar nem das quais conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam..." (BAUMAN, 2005, p. 44)

Bauman ainda em Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi (2005) salienta a questão do exílio como um dos fatores para a formação da identidade dos sujeitos.

Até aqui, falamos em identidade como algo que se forma por diversos fatores. Diferentemente de muitos teóricos que enxergam a identidade como um processo puramente biológico, acreditamos ser a identidade um tema de extrema complexidade e a formação da mesma ocorre por toda a vida e só termina com a morte efetiva do sujeito, quer dizer, a todo instante estamos moldando, pensando, repensando nossas identidades. O exílio é mais uma forma de se repensar o "eu" ligado a um Estado. Muitos exilados adotam outro tipo de identidade ou flutuam no ar sem respostas sólidas sobre a construção de si. Isso se dá em virtude da confusão causada pelo exílio.

"Outra categoria que está encontrando o mesmo destino são os refugiados - os sem-Estado, os sans papiers-, os desterritorializados num mundo de soberania territorialmente assentada. Ao mesmo tempo que compartilham a situação da subclasse, eles, acima de todas as privações, têm negado o direito à presença física dentro de um território sob lei soberana, exceto em "não-lugares" especialmente planejados, denominados campos para refugiados ou pessoas em busca de asilo a fim de distingui-los do espaço em que os outros, as pessoas "normais", "perfeitas", vivem e se movimentam" (BAUMAN, 2005, p.46)

A ideia de "ressurreição dos mortos" presente do inconsciente coletivo dos sujeitos, fez com que muitos nacionalismos voltassem à cena mundial. No decorrer do século XX e XXI vimos inúmeros casos de nacionalismos, alguns mais pacíficos, outros mais extremistas cuja função é defender uma reconstrução das fronteiras geopolíticas atuais. Nesse sentido, surgem movimentos mais pesados, como os fundamentalismos religiosos, que se pautam numa identidade una provocando inúmeras desavenças e, até guerras.

"Há duas razões óbvias para essa nova safra de reveindicações à autonomia ou indenpendência, erroneamente descrita como uma "ressurgência do nacionalismo" ou uma ressurreição/reflorecimento das nações. Uma delas é a tentativa séria e desesperada, ainda que mal orientada, de encontrar um modo de proteger-se dos ventos globalizantes, ora gelados, ora abrasadores, uma proteção que os muros carcomidos do Estado-nação não mais provêem. Outra é a reavaliação do pacto tradicional entre nação e Estado, o que não causa nenhuma surpresa num momento em que os Estados, em processo de enfraquecimento, têm cada vez menos benefícios a oferecer em troca da lealdade exigida em nome da solidariedade nacional" (BAUMAN, 2005, p. 62)

Nesse sentido, segundo as concepções de Zygmunt Bauman o processo de formação de identidade dos sujeitos abarca a via do desejo e do medo do inseguro. Desejo por assumir uma determinada identidade e medo desse mundo cujas fronteiras estão em ruptura e em colapso.

Vimos que novas identidades e novas bandeiras se levantaram exigindo reconhecimento cujos sujeitos lutam constantemente por singularidade. Portanto, a formação da (s) identidade (s) dos sujeitos na contemporaneidade se apresenta de forma caótica e desordenada e os sujeitos refletem esse tipo de sociedade através do medo, da insegurança.

"Para a maioria de nós, portanto, a "comunidade" é um fenômeno de duas faces, completamente ambíguo, amado ou odiado, amado e odiado, atraente ou repulsivo, atraente e repulsivo. Uma das mais apavorantes, perturbadoras e enervantes de muitas escolhas ambivalentes com que nós, habitantes do líquido mundo moderno, diariamente nos defrontamos" (BAUMAN, 2005, p.68)


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.