Marco inicial da derrocada do império colonial francês, a batalha de Dien Bien Phu ocorreu no início de 1954 entre as forças pela independência do Vietnã, o Vietminh, e o Exército regular francês. A batalha que assinalaria o fim da Guerra da Indochina teve, do lado da então colônia, o comando do general Vo Nguyen Giap, liderando o batalhão vietnamita contra as forças francesas, encabeçadas por general Christian de La Croix de Castries.
No ano anterior, em 1953, os franceses fortaleciam suas defesas ao redor do delta do rio Vermelho, cujo centro era Hanói, preparando uma série de ofensivas contra o Vietminh (Frente pela Independência do Vietnã). Na primavera de 1953, Giap lançou uma ofensiva na cidade de Na San. Depois de duros combates, a ação fracassou e o Vietminh foi derrotado, sofrendo milhares de baixas. Após o embate, os franceses logo começaram a planejar uma ação definitiva na zona de Dien Bien Phu, prevendo batalhas a campo aberto em que a superioridade material francesa se imporia às guerrilhas vietnamitas — em tese, com menos poder de fogo.
De todos os lugares estudados para a investida final francesa, a escolha recaiu em Dien Bien Phu. Estava situada no fundo de um vale, ideal para a construção de aeroporto e perto de numerosas estradas. As colinas que rodeavam a localidade ficaram fora do perímetro defensivo, talvez como armadilha para o Vietminh.
Os vietnamitas aceitaram o desafio dos franceses. Ho Chi Minh, que mais tarde seria o presidente do Vietnã, comparou a situação estratégica do Exército francês com um capacete militar: os franceses estavam na parte côncava do capacete, enquanto os vietnamitas ocupavam posições na borda circular. Ou seja, havia 20 mil soldados franceses na pequenas colinas do vale, enquanto 65 mil soldados vietnamitas guardavam posição nas montanhas vizinhas.
O Estado-Maior francês imaginava ter montado uma armadilha perfeita, uma isca que atrairia o grosso das tropas inimigas para poder destrui-las numa batalha decisiva. Mais de cem anos antes, assim fizera Napoleão Bonaparte na meseta de Pratzen. Mas o imperador francês não estava na Indochina em 1954. O cálculo dos estrategistas gauleses deu com os burros n’água e acabou sendo uma armadilha perfeita para o seu próprio Exército.
A França acordou com uma notícia incrível naquele 8 de maio de 1954: Dien Bien Phu, onde estava a elite de seu Exército havia caído em mãos dos rebeldes do Vietminh. Com ele, Paris perdia a Indochina, a joia asiática do Império Francês. Os responsáveis pelo desastre sabiam havia um mês como tudo ia acabar e não foram capazes de mudar de tática a fim de evitar a derrota.
O poderia da França na Indochina foi derrocado na Segunda Guerra Mundial. A invasão japonesa encontrou resistência somente nos vietnamitas, dirigidos por Ho Chi Min, fundador do Partido Comunista Indochinês e do movimento de libertação nacional Vietminh, e também por Nguyen Giap [na foto, à direita], um simples professor que, mais tarde iria converter-se num dos gênios militares da história das guerras.
Em 1945, quando Ho Chi Min proclamara a independência do Vietnã, o mundo tinha um novo mapa — mas Paris dele não se inteirou. Tentaram reconquistar a Indochina confrontando-se com uma guerra de guerrilhas, que culminou no enfrentamento entre exércitos. Em 1950, Giap venceu uma autêntica batalha, Cao Bang. Os franceses sofreram 4 mil baixas e tiveram 2 mil de seus soldados feitos prisioneiros. No entanto, em 1953, foi Giap o derrotado em Na San. Os franceses então acreditaram que poderiam destroçar definitivamente o Vietminh atraindo-o a uma grande batalha. Foi assim que começaram a desenhar o plano de Dien Bien Phu.
Em 20 de novembro de 1953 foi deflagrada a Operação Castor e 4 mil paraquedistas franceses saltaram sobre Dien Bien Phu, tomando o vale. Nas semanas subsequentes, a base foi sendo consolidada, valendo-se de um velho campo de pouso japonês rapidamente reformado. Os paraquedistas foram sendo substituídos por infantaria mercenária de distintas laias. O núcleo duro era a Legião Estrangeira, a melhor infantaria do Exército francês. Os demais eram argelinos, marroquinos e vietnamitas, que seriam os primeiros a desertar. Eram apoiados por 28 canhões, 28 morteiros pesados, dez tanques ligeiros M24 e seis caças Bearcat adaptados para ataque a terra, além de tanques e aviões ‘made in USA’. Em resumo, um Exército de mais de 11 mil homens bem treinados.
Contudo, a posição francesa sofria de graves carências. Era inacessível por terra e tudo, desde os reforços e víveres à gasolina, devia ser trazido pelo ar, ainda que se levasse em conta que o Vietminh não dispunha de artilharia antiaérea para impedi-lo. Entretanto, esse inconveniente tinha um lado positivo: o difícil acesso a Dien Bien Phu impedia que o Vietminh trouxesse sua artilharia. Além do mais, o perímetro a defender era demasiado extenso. Não era possível cobri-lo com uma linha defensiva contínua; foi necessário recorrer a um rosário de postos fortificados isolados — os quais algum estrategista romântico resolveu batizar com nomes de mulher: Anne-Marie, Beatrice, Claudine, Dominique, Eliane, Gabrielle, Huguette... O pior, porém, é que a posição estava rodeada de colinas entre 400 e 700 metros de altura, cobertas de espessa vegetação.
“Para o Estado-Maior francês era impossível que pudéssemos instalar artilharia nas alturas que dominavam a ‘panela’ de Dien Bien Phu, no entanto desmontamos os canhões para transportá-lo peça por peça”, explicaria Giap. Antes de mais nada, o gênio vietnamita foi prodigioso em resolver um problema, antes de mais nada, logístico. “Os exércitos marcham sobre seu estômago”, dizia Napoleão, e Giap parecia ter aprendido as lições napoleônicas melhor do que os generais gauleses, que confiavam que o inimigo não poderia provisionar suas tropas com mantimentos a mais de 100 quilômetros de suas bases — Dien Bien Phu estava a 600km —, porém “abrimos caminhos, mobilizamos 260 mil portadores que diziam ‘nossos pés são de ferro!’, utilizamos milhares de bicicletas fabricadas em Saint-Étienne adaptadas para transportar cargas de 250 quilos”.
No começo de 1954 parecia que Giap havia de fato caído na armadilha. Levara a Dien Bien Phu todo o seu Exército regular, o chamado Chu Luc, uns 50 mil homens distribuídos em quatro divisões de infantaria. Mas seria a única divisão de artilharia a responsável por desequilibrar o jogo, invertendo o sinal da armadilha francesa. Giap não somente foi capaz de assentar seus canhões nas colinas dominantes, em abrigos que impediam que a aviação francesa os atacasse, como também incluiu uma artilharia antiaérea chinesa — com especialistas chineses manejando-a — de que os serviços de inteligência franceses não tinham a menor ideia. Essa artilharia antiaérea tornaria a vida da aviação um inferno, levando o comando francês a optar por provisionar suas tropas lançando os mantimentos e víveres de paraquedas, cada vez de maior altura. Resultado foi que muitos caiam em mãos do Vietminh.
Em 31 de janeiro, 200 canhões de campanha começaram a bombardear Dien Bien Phu sem contemplação. Era o princípio de um inferno que duraria três meses e uma semana até a rendição incondicional. A infantaria francesa buscou saídas desesperadas para silenciar a artilharia inimiga, porém fracassou. Em 13 de março, começaram as investidas da infantaria Vietminh. O comandante da artilharia francesa se suicidou e o chefe do Estado-Maior, um fino aristocrata, o conde Hubert de Seguins-Pazzis, sofreu uma crise nervosa. Mercenários vietnamitas passaram a desertar em massa.
A armadilha não funcionava bem e o comando superior gaulês não soube (ou não conseguia) reagir. Talvez se tivessem lançado de uma só vez os 4 mil paraquedistas que tinham em reserva conseguiriam algo, mas poderiam perder tudo de uma vez também. Resolveram lançá-los pouco a pouco a fim de cobrir os buracos.
Ainda assim houve um momento extremamente delicado para Giap. Nos primeiros dias de abril, seus furiosos ataques tinham logrado conquistar terreno, mas a um altíssimo custo, com a perda de 10 mil homens de suas melhores tropas. Ocorreu um momento de desalento entre os atacantes diante do pesado castigo. Todavia, Giap mostrou-se capaz de reagir. Expurgou uns quantos comandantes desmoralizados e mudou de tática. Abandonou os ataques diretos e passou à guerra de trincheiras. Seus soldados sapadores cavaram 500 quilômetros de valetas e trincheiras, que foram estrangulando lentamente Dien Bien Phu.
A situação tornou-se insustentável. Uns 2 mil desertores internos fugiram, a maioria norte-africanos, apelidados de ‘ratos de Nam Yun’ porque se escondiam nas cavidades do rio e dela só saiam de noite para roubar comida.
Em 28 de março, aterrissou o último avião francês que foi imediatamente destruído pelo bombardeio. Dien Bien Phu permaneceu isolado do mundo durante 40 dias, uma autêntica quaresma penitencial. Em 7 de maio, o general De Castries, comandante-geral da guarnição, anunciou pelo rádio um cessar-fogo a partir das 17h30.
Era a capitulação. A França havia sofrido 7.500 baixas, o Viet Minh o dobro, além de 11.721 franceses que caíram prisioneiros. Somente 3.290 sobreviveram. Estava selado o destino do colonialismo francês na Indochina.