Os combates travados entre várias milícias sectárias e comandadas por senhores da guerra em zonas diferentes do país, com principal incidência em Trípoli e Bengazi, onde dizem ter começado a "Primavera líbia", provocaram dezenas de mortos durante o último fim de semana.
"A confusão generalizou-se", diz Jacques Alembert, funcionário de uma empresa transnacional que se prepara para abandonar o país "por falta absoluta de condições para realizar o trabalho contratado. Este país já não existe", sublinha.
Trípoli é uma "capital do medo", lamenta Eman Kubar, casada com um empresário estrangeiro e que vai emigrar porque a família perdeu os bens na guerra e não consegue retomar uma atividade que lhe permita sobreviver. "Tudo ruiu, a única preocupação de quem veio destruir o país é salvar a pele e garantir que o petróleo escorra livremente para as multinacionais. Não querem saber das pessoas para nada", sublinhou, acompanhada por duas filhas adolescentes que desejam apenas continuar os estudos "em qualquer lugar onde não haja guerra".
"Na Líbia não há guerra, há guerras pessoais, de seitas, religiosas, de gangues", explica Wanis Shamek, jurista que pensou dedicar-se à política quando caiu o regime de Khaddafi e depressa percebeu que não ia "haver espaço para tal atividade".
"Ninguém conseguiu desarmar e desmantelar as milícias que foram desenvolvidas pela Otan para derrubar Khaddafi, ninguém conseguiu criar um exército, as instituições só existem em nome. Fizeram-se eleições como as de 25 de junho para nada. A Líbia estilhaçou-se em mil pedaços e os responsáveis agora fogem como medo das consequências das suas práticas", acusa Shamek. "Como advogado", acrescenta, "a minha atividade acabou, isto transformou-se numa terra onde as leis não contam para nada".
Fuzileiros e forças especiais montaram na passada sexta-feira (25) uma operação de aparato cinematográfico para proporcionar a fuga da Líbia, em direção à Tunísia, de centena e meia de funcionários diplomáticos norte-americanos e respectivas famílias. O Departamento de Estado, onde a presumível candidata presidencial Hillary Clinton pontificou como secretária de Estado para promover a agressão da Otan, suspendeu a atividade da embaixada.
"Dizem que voltarão quando houver segurança", ironiza Wanis Shamek. "Enquanto aqui estiveram destruíram as nossas vidas, agora haja alguém que repare o mal que eles fizeram para se instalarem de novo, isto é inacreditável".
Alemanha, Itália, Bélgica, Reino Unido, alguns países árabes que também participaram na destruição do país, e as próprias Nações Unidas seguem os passos dos Estados Unidos.
A debandada internacional intensificou-se depois de representantes da União Europeia, Estados Unidos, França, Reino Unido e Liga Árabe, as principais entidades que promoveram a guerra contra a Líbia, terem se reunido em Bruxelas e concluído que não há diálogo interno possível, que o país está à deriva.
"A Líbia está perdida e esta reunião foi patética sobretudo com a decisão de pedir às forças locais 'mais esforços' para resolver uma situação em que praticamente não foram tidas e achadas para um instaurar um 'regime de liberdade' que nunca existiu", afirma um funcionário da Comissão Europeia que pediu o anonimato.
"Esta é uma das mais desastrosas operações de sempre em que a União Europeia se envolveu no âmbito da comunidade internacional, mas parece que ainda não aprendeu a lição porque a Ucrânia não tarda a ir pelo mesmo caminho", acrescentou.
No terreno não é possível fazer um levantamento rigoroso da teia de conflitos armados. Nas últimas semanas registraram-se centenas de mortos e feridos, o aeroporto de Trípoli está praticamente destruído, Bengazi é um local de confrontos violentos entre milícias, através das quais se confrontam países do próprio Conselho de Cooperação do Golfo, designadamente o Catar e os Emirados Árabes Unidos – que participaram ao lado na Otan no processo de desmantelamento da Líbia.
"Líbia e Iraque: já são dois os países árabes destruídos", recorda Eman Kubar. "Querem fazer o mesmo com a Síria, recusam aos palestinos uma pátria e provocam tragédias como a de Gaza; será isto que entendem por combater o terrorismo e instaurar a democracia"?