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opera ucraniaUcrânia - Guerrilha GRR - A revista brasileira Opera, de mídia independente, vai viajar para a Ucrânia. Graças ao financiamento coletivo, buscarão um diferente ponto de vista sobre o conflito no país, fora do contexto apresentado pela mídia tradicional ao redor do mundo. Trocamos uma ideia com os caras, saca só.


1) Por que a Ucrânia?

Pedro: Bom, a situação da Ucrânia é excepcional por uma série de motivos. O primeiro é a questão geopolítica e os interesses da OTAN na região. Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, proclamou-se o fim da Guerra Fria. O ponto é que a Guerra Fria não era somente um conflito ideológico, mas também um conflito de caráter geopolítico e econômico. Com o aprofundamento da crise na Europa, esses elementos começam a ressurgir, mesmo sem o fator ideológico agregado a eles. Uma tomada da Ucrânia pela OTAN significaria o estabelecimento dos conflitos diretamente na fronteira da Rússia, com bases em um país extenso e economicamente importante como a Ucrânia.

Além disso, o golpe e o governo estabelecido tem laços muito fortes com grupos de extrema-direita, fascistas e nazistas, inclusive com a sua participação em ministérios, o que no mínimo colaborou com a criação da resistência dos tão chamados "separatistas pró-russos" no leste. Esses grupos tem levado a frente políticas e discursos de limpeza étnica; uma reprodução da ação de seus "gloriosos líderes", como Stepan Bandera. A tudo isso soma-se o silêncio covarde da grande mídia ocidental, o que nos motiva a ir até lá, mesmo sem salário, garantias ou regalias.

2) Qual o papel da esquerda nas mobilizações que ocorreram na Ucrânia, tanto em Kiev como logo depois no leste?

Pedro: Em Kiev, no geral a esquerda não se integrou ao Euromaidan, justamente pelo caráter pró-UE e da participação de grupos fascistas, com a exceção de alguns grupos trotskistas, como o "Oposição de Esquerda", que participa das mobilizações mais tarde. Na realidade, a esquerda era atacada durante o Euromaidan. Diversos militantes e sedes do Partido Comunista da Ucrânia foram atacados, como o caso do militante Rostislav Vasilko, linchado em Kiev no dia 22 de fevereiro de 2014 enquanto visitava sua família.

Já no leste, a situação é diferente. Há um certo saudosismo da população em relação ao socialismo, tratam-se de regiões mais proletarizadas, com situação econômica pior, além de uma grande parcela da população ser formada de russos étnicos. Lá, desde o começo não se aprovava o Maidan. Uma "manifestação" contra o Maidan (se tratava de um evento similar aos eventos sindicais aqui no Brasil, com shows, etc) na Casa dos Sindicatos de Odessa, foi interrompida pela chegada de grupos de extrema-direita, que incendiaram o prédio da Casa dos Sindicatos com vários comunistas dentro, ocasionando a morte de pelo menos 42 pessoas. Os que conseguiam sair eram amontoados e espancados. Por episódios como esse, a esquerda tem uma força considerável no leste.

3) Podem resumir um pouco sobre como está a situação hoje no país? Ainda existem conflitos diretos entre as duas forças?

Pedro: A situação tem se intensificado nas últimas semanas. Os rebeldes do leste conseguiram tomar o aeroporto de Donetsk, uma frente de combate importante que estava literalmente dividida entre os dois lados, com intenso combate. A presença militar de Kiev no leste cresceu e os bombardeios também. Diversos civis têm morrido nesse processo; nessa semana pelo menos cinco pessoas morreram por um bombardeio que supostamente partiu das tropas de Kiev, enquanto esperavam na fila de um centro social para receber ajuda humanitária. No geral, pelo menos segundo as autoridades de Donetsk, o lado de Kiev tem sofrido muitas baixas. Um resumo militar recente da República Popular de Donestk afirma que nas últimas semanas eles perderam 62 combatentes, enquanto no mesmo período Kiev perdeu cerca de 1100. No entanto, é importante notar que o número de unidades do leste é menor. Além disso, os EUA tem enviado tropas e tanques para Países Bálticos, como a Lituânia.

4) Quem da revista Opera será o sortudo? Por quanto tempo ficará no país?

Pedro: Por enquanto não divulgamos publicamente quem irá, por medo de represálias aqui no Brasil ou na Ucrânia, mas isso deve mudar a partir do dia 20 de fevereiro. Alguns combatentes voluntários do Brasil que foram para a Ucrânia tiveram suas famílias assediadas por grupos pró-Kiev aqui no Brasil, e tememos que o mesmo possa acontecer com nosso correspondente. Quanto à estadia, ele deve ficar três meses, mas isso vai depender da situação lá. Se as coisas ficarem insustentáveis, ele vai ter que voltar.

5) No Brasil existe uma dificuldade tremenda para saber o que de fato acontece na Ucrânia, até por falta de interesse da grande mídia. Como a Opera irá abordar a cobertura no país e seu conflito, além de utilizar as redes sociais?

Pedro: Realmente, a mídia brasileira, quando não se nega a cobrir o conflito, manipula ou "escolhe" deliberadamente as informações que serão noticiadas. O mais preocupante é que isso tem acontecido a nível mundial. A princípio vamos noticiar as informações passadas pelo correspondente pelas redes sociais e em nosso site. Também haverá conteúdo no site Realismo Político. Quanto a fotos e vídeos, ainda não sabemos como trabalharemos isso, por conta da situação da internet na frente de combate. Em último caso teremos que trabalhar a maior parte do conteúdo multimídia com a volta do correspondente.

Em relação a propagação da informação, estamos abertos para discutir projetos colaboração com diversos meios, mas acreditamos que somente os veículos independentes entrarão em contato. É um trabalho de formiga.

6) A ex-candidata pelo PSOL para presidência do Brasil, Luciana Genro, chegou a apoiar a revolta em Kiev que derrubou o primeiro-ministro, assim como outros partidos de esquerda. Não existe uma contradição nesse discurso? O que difere a esquerda do PSOL/PSTU da esquerda presente na resistência do leste?

Pedro: Sim, há. O que eu penso é o seguinte: algumas organizações de esquerda aqui no Brasil acabam deixando de lado uma parte fundamental da teoria marxista, que é a dialética. Eles vêem um conflito entre duas partes que não lhes agradam, e decidem tomar uma posição "independente", mesmo que ela não seja possível concretamente, como a ideia de que a Oposição de Esquerda tem condições de dirigir o processo ucraniano, apesar do controle da UE e dos EUA desse processo.

Então esses partidos acusam o leste de "defender a burocracia stalinista", como se de fato houvesse hoje um governo nesse sentido, e ignoram que Yarseny Yatseniuk, fundador da organização OpenUkraine, que tem entre seus colaboradores o Departamento de Estado Americano, a OTAN e a Rennaisance Foudation, de George Soros, foi colocado como primeiro-ministro depois de uma ligação vazada entre o embaixador americano na Ucrânia e Victoria Nulland confirmarem que ele era o preferido para dirigir o novo governo.

O que me estranha é eles considerarem esse tipo de posição com a esperança de que a Oposição de Esquerda tome a frente da situação - mesmo assumindo que o governo esteja diretamente ligado com forças fascistas - enquanto que não se aliam aos rebeldes do leste porque eles são "stalinistas". Quer dizer, é mais fácil dissolver o fascismo e o imperialismo do que levar as ideias de esquerda que defendem para o processo no leste?

De fato, no leste a esquerda tende a ser saudosista quanto à URSS. Mas é importante entender que lá o processo é "fragmentado" em várias posições políticas diferentes. Temos os independistas, os "antifascistas" (no sentido que querem marchar em Kiev, derrubar o governo) e os anexionistas.

7) Outros países na região leste da Europa também vivem suas crises institucionais, tão graves como a da Ucrânia, como a Bósnia e mais recentemente no Kosovo. Podemos esperar uma "nova Ucrânia" em algum destes países?

Pedro: De fato, alguns elementos são bem parecidos com a Ucrânia. A questão étnica, o passado socialista, etc. Mas não acho que o mesmo acontecerá, porque os interesses geopolíticos são muito diferentes naquela região. Os esforços se concentram agora em cercar a Rússia, o que leva também a um enfraquecimento da China. Isso forçaria a Rússia e a China a baixar o tom.

8) Desejamos toda sorte aos compas da Opera!

Pedro: Muito obrigado! Gostaria de agradecer o espaço concedido para essa entrevista. Viva a mídia independente!


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