Em meio a sua análise ao que chamou "a contra-violência" estudantil e seus implacáveis adjetivos contra De Gaulle (O Velho, o chama), Sartre nos oferece certas definições, quase em chave, do que é, e o que há de ser, a liberdade e o pensamento crítico. Como se trata, como há 40 anos, de uma assinatura pendente para o socialismo que pretende ser a alternativa do capitalismo decadente, essas palavras em sua boca adquirem um novo brilho, como se tivessem sido pronunciadas para debater hoje, entre as guerras genocidas que Obama continua e as notícias de que a crise econômica global, longe de ser concluída, entra em uma nova fase.
"Se se julga ao que não é julgado – afirma, referindo-se aos professores da Sorbonne, mas intuímos que com toda autoridade – não há verdadeira liberdade". E não mente.
Sobre o saber, ou seja, o conhecimento, afirma:
"Todo saber que não é constantemente criticado, superando-se e reafirmando-se a partir desta crítica, não tem nenhum valor... O que é o saber? Sempre é alguma coisa nova que já não é o que se acreditava, porque realizaram novas observações e novas experiências com métodos e instrumentos melhores. E portanto, estas novas experiências são, por sua vez, discutida por outros sábios, alguns retardatários e outros mais avançados..."
O caráter eminentemente conflitivo, ou seja, dialético, da cultura, define-se na próxima definição, tão sensível como rotunda. "A cultura só pode transmitir-se, se se deixa que as pessoas, em todos momentos, tenham possibilidade de discuti-la... A única maneira de aprender é discutir. É também a única maneira de fazer-se homem. Um homem não é nada senão um ser que cumpre isto: alguém que é fiel a uma realidade político-social, mas que não deixa de colocá-la em dúvida. Claro está que pode se apresentar uma contradição entre sua fidelidade e sua dúvida, mas isto é algo positivo, é uma contradição frutífera. Se há fidelidade, mas não há dúvida, a coisa não vai bem: deixa-se de ser um homem livre."
Longe de admitir a domesticação da idade e dos costumes, Sartre nos anuncia:
"A universidade está feita para formar homens capazes de duvidar... Estou seguro de que Raymond Aron nunca duvidou de si mesmo, e, por isso, na minha opinião, é indigno de ser professor... O que Aron faz é pensar sozinho frente ao escritório, e em pensar o mesmo durante 30 anos... Agora que toda França viu completamente desnudado o Sr. DeGaulle – conclui – é preciso que os estudantes possam olhar Raymond Aron nu. Só lhes devolverão seus vestidos se aceitar a crítica..."
Foram ditas as palavras inteligentes, conclusivas. Sartre, o míope, se burla e goza: trata-se de um tema essencial, insustentável: o da Liberdade.
Pois, como se maneja o socialismo com esta santa palavra?
Há respostas vociferantes e também silenciosas. O importante é a constatação de que o normal é a liberdade e o estranho é a tirania. Disso falava Sartre.
O tema da liberdade é um dos temas mais centrais de nossa época. Trata-se de um antes e um depois, como se anuncia. Não haverá paz, nem delicadeza, nem processo natural, senão se tem em conta seu perfil, sua origem, seu desejo...
Não há mais. O socialismo ou é libertário ou não será. Por isso seus amargos inimigos tudo fazem para que caiamos na armadilha de limitá-la, no espelhismo do controle excessivo, da asfixia.
Liberdade e socialismo são a mesma coisa. Por isso nós socialistas temos vindo, como dizia Martí, a trazer toda a justiça. Seria imperdoável, por carência, mediocridade ou covardia, ficamos com metade do caminho.