Quais são os fatores que fortalecem a aliança que pode alavancar um novo centro de poder hegemônico mundial, contra os Estados Unidos? E quais os levam à implosão?
A Rússia representa um dos principais eixos da política econômica alemã, que se encontra, em grande medida, orientada para a exportação de produtos de alta tecnologia e concentrada na Europa. Ao mesmo tempo, aproximadamente 40% da energia é importada da Rússia, o que inclui gás e petróleo, e implica na movimentação do enorme parque industrial. Um importante gasoduto (o North Stream) foi concluído há dois anos e leva gás diretamente da Sibéria. As relações comerciais bilaterais, apesar da queda, representam um volume superior aos US$ 70 bilhões anuais. Mais de 30 bilhões de euros foram investidos pelos alemães na Rússia e, de acordo com o Comité Alemão para as Relações Econômicas com a Europa do Leste, mais de 300 mil empregos dependem das exportações para a Rússia.
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As sanções contra a Rússia, em grande medida, dificultam a aproximação e o desenvolvimento dessa aliança, que, junto com a China e com a União Europeia a reboque, tem o potencial de transformar-se numa ameaça para a hegemonia dos Estados Unidos. As sanções já impostas levaram a perdas de mercado e à maior aproximação da Rússia e a China. Maquinário, eletrônicos e produtos petroquímicos chineses têm sido priorizados. Os produtos agropecuários latino-americanos e turcos têm substituído, em grande medida, os produtos da União Europeia.
Os capitalistas alemães pressionam pelo fim das sanções contra a Rússia
Não é por acaso que os industriais alemães estão pressionando o governo para acelerar o relaxamento das sanções. O presidente da Siemens teve um encontro com Putin no dia 26 de março em Moscou. A Siemens e a Deutsche Bahn mantêm importantes interesses, principalmente no fornecimento de locomotivas e trens para Ferrovias da Rússia. Os bancos alemães têm sido responsáveis por empréstimos bilionários para favorecer as importações e no setor de energia, entre outros. Sem o apoio de Moscou, as relações comerciais com a recentemente criada União Euroasiática, fica muito mais complicada.
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No dia 4 de abril, foi anunciado que a Siemens fornecerá sistemas eletrônicos para a parte offshore do gasoduto South Stream, que está sendo desviado pela Turquia. A Comissão Europeia investiga a própria legalidade do gasoduto. A Gazprom (a gigante russa do gás) está sendo colocada no banco dos réus em vários países da União Europeia. A BASF, por meio de uma filial, a WinterFall, possui importante participação tanto no South Stream como no North Stream. Ambas também participam do armazenamento e da comercialização do gás na Alemanha.
A alemã RWE está vendendo a filial de gás natural a um dos oligarcas ligados ao Kremlin, Mikhail Fridman.
Estas e outras questões econômicas e comerciais estão por trás do porquê de, tanto a Alemanha e a França junto com a Rússia, tentarem minimizar a crise na Ucrânia e buscarem levantar as sanções. Ao mesmo tempo que os alemães têm apoiado o desenvolvimento da OTAN na Europa também têm se oposto à incorporação da Ucrânia e da Geórgia e têm reduzido os gastos militares, contra as pressões dos Estados Unidos. Em vários acontecimentos políticos no último período, como no Iraque, na Líbia, na Síria e no Irã, entre outros, as posições têm se aproximado da Rússia, e da China, e se distanciado dos Estados Unidos.
O impacto do ressurgimento da Rússia como potência regional em 2008
O imperialismo norte-americano tenta implodir a aliança da Europa com a Rússia fortalecendo as bases da OTAN na Europa e aumentando a pressão sobre a Rússia e a China. Mas esse aperto tem levado a Rússia a caminhar por fora da aproximação com os Estados Unidos em direção à China e à Europa, deixando de lado velhos conflitos. A tentativa de impor a entrada da Ucrânia na OTAN tem sido uma das linhas vermelhas para os russos por causa da exposição da fronteira ocidental e do controle do Mar Negro. Ao mesmo tempo, a Rússia é o pivô que permite à Alemanha avançar em direção à região Pacífico da Ásia, uma política crítica devido ao aprofundamento da crise na Europa.
Com o colapso capitalista de 2008, a Alemanha fortaleceu a liderança na Europa, ao mesmo tempo que a importância da França como ator independente de primeira ordem ficou reduzida, embora a aliança entre os dois países, que se formou após a Segunda Guerra Mundial, continue de pé.
A Alemanha busca um equilíbrio entre as relações com a Rússia e a contenção da influência russa na Europa Central e Oriental. Algumas ameaças a este balanço surgiram a partir de 2008, quando a Rússia reapareceu no cenário mundial como uma potência regional, aumentou a influência na Ucrânia, nos antigos países do bloco soviético e inclusive em países participantes da União Europeia e da OTAN, como a Hungria e a Bulgária. A reação da Alemanha foi apoiar medidas de redução (parcial) da dependência energética da Rússia e aumentar a presença econômica na periferia da Rússia.
O golpe de Estado na Ucrânia
O balanceamento das relações da Europa com a Rússia entrou em crise a partir dos acontecimentos na Ucrânia. Após o governo Ianukóvich ter recuado em relação à entrada na União Europeia, por causa da recusa sobre a ajuda de 21 bilhões de euros, a Alemanha participou ativamente, junto com os Estados Unidos, da preparação do golpe de estado. Houve (e continua) o envolvimento da Fundação Konrad Adenauer, ligada à CDU (o partido de Angela Merkel), e a Fundação Friedrich Ebert Adenauer, ligada ao PSD (Partido Socialdemocrata). Após o golpe, o governo alemão apoiou o novo governo, do qual participam quase uma dúzia de fascistas assumidos, a ajuda financeira e as sanções contra a Rússia impostas após anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas do Donbass.
Essa política alemã tem sido aplicada de maneira contraditória. O PSD e setores do governo tiveram uma participação maior, enquanto os lobbies ligados às grandes empresas e aos setores ligados à própria Angela Merkel se posicionaram contra as sanções.
Ao mesmo tempo que o governo alemão tem empurrado a Grécia, a Hungria e a Itália a votar a favor das sanções, tem resistido às pressões da Polônia e da Lituânia para endurecê-las, tem se oposto ao fornecimento de armas letais à Ucrânia e tem se preocupado por manter os canais com a Rússia abertos. Junto com a França e a Rússia impulsionaram os acordos de Minsk 2, que levaram à trégua de fevereiro, que, no fundamental, tem sido seguida até agora.
"Unidos, venceremos. Divididos..."
A presença da Alemanha nos países Bálticos tem sido crescente. E não somente em termos econômicos e políticos. Além de ter participado dos exercícios militares da OTAN na região, a Alemanha começará a vender os Howitzer (artilharia pesada).
As "fundações" alemãs estão cada vez mais ativas na Bielorrússia, na Geórgia, no Turcomenistão e nos demais países da Ásia Central. Em contrapartida, a Rússia tem ampliado a influência na Grécia, na Hungria e no Chipre. Essas contradições, impulsionadas pelo imperialismo norte-americano e o aprofundamento da crise mundial dificultam, ao mesmo tempo que criam condições para, o crescimento de aliança. Uma relação de amor e ódio, onde a crise capitalista impõe a política do "salve-se quem puder", onde os fatores materiais prevalecem.
A Alemanha precisa desesperadamente dos recursos materiais da Rússia e do mercado asiático. A Rússia precisa da tecnologia e da produção industrial alemã, além do mercado europeu para colocar as matérias primas e os produtos da área energética. Além disso, a Alemanha e a França se posicionam num papel de moderadores da agressividade e da política de cachorro louco do imperialismo norte-americano que tende a se acentuar no próximo período. Ambos querem a estabilidade na região e conter o desenvolvimento das tendências revolucionárias. A preservação da União Europeia, o controle da Europa e a contenção da influência dos Estados Unidos também são parte dos componentes dessa política.
Alejandro Acosta está atualmente na Rússia cobrindo os acontecimentos geopolíticos na região como jornalista independente.