Atualmente Leonel de Moura Brizola Neto está no segundo mandato como vereador na cidade do Rio de Janeiro e exerce a Vice-Presidência da Câmara Municipal. É filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), fundado por seu avô em 1979.
A história do trabalhismo brasileiro começa com Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945 e de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando se suicidou. Com o desaparecimento de Vargas, João Goulart (Jango) passa ser o grande nome dessa corrente política brasileira. No entanto, com o golpe de estado de 1964 e a morte de Jango, durante a ditadura civil-militar em 1976, Leonel Brizola - que foi o grande protagonista na derrota à tentativa de golpe de estado em 1961, através da chamada “Campanha da legalidade” e o político que mais resistiu ao de 64-, passa a ser considerado o herdeiro máximo de Vargas e Jango. Mas com a lei da anistia, que permite a volta dos exilados ao país, há uma disputa entre Brizola e Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getulio Vargas, pela legenda PTB – partido histórico do trabalhismo até então. Brizola acaba sendo derrotado nessa batalha e é obrigado a fundar um novo partido, o PDT.
Em entrevista exclusiva ao Diário Liberdade, Leonel de Moura Brizola Neto faz duras críticas à direção do PDT, atualmente sob comando de Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho e Emprego dos governos Lula e Dilma. O partido reelegeu Lupi para presidir a legenda por mais dois anos no último mês de março.
O neto de Brizola também nega sua saída do partido, defende o legado antiimperialista e trabalhista de seu avô, faz crítica ao modelo “neodesenvolvimentista” petista e diz que Hugo Chávez foi o maior político dos últimos tempos porque colocou de volta na cena política o socialismo.
Como vereador se apresenta como defensor da educação pública de qualidade, tendo como inspiração os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs. No campo teórico e político seu avô e Darcy Ribeiro são suas principais referências.
[Leonel Brizola Neto no CIEP Glauber Rocha]
Diário Liberdade (DL): Que balanço o senhor faz da última convenção nacional do seu partido, o PDT, que reelegeu Carlos Lupi?
Leonel Brizola Neto (LBN): A convenção foi um duro golpe na democracia interna do partido, evidenciando que a burocrática e espúria direção do PDT quer se autoperpetuar no poder. Já estão há mais de 15 anos no poder. Inclusive toda a armação para a realização desse convescote partidário que foi sediado num hotel-fazenda em Luziânia-GO, a 60 km de Brasília (sequer existe PDT lá), próximo ao sítio do General Golbery, que entregou a legenda do PTB para Ivete Vargas (coincidência?). Seguranças armados, crachá para entrar (como numa empresa multinacional), “militância” paga e fardada que puderem participar e votar, passagens e hospedagem só para aliados, uma imoralidade.
A escolha dos delegados para a Convenção Nacional foi toda manipulada. Exemplo claro ocorreu no Rio de Janeiro, onde a executiva carioca presidida por Lupi escolheu os delegados, contrariando o Art.43 do estatuto: são atribuições do Diretório Estadual, letra L – eleger delegados a cada convenção nacional, em sessão especialmente convocada com este fim e comparecimento de no mínimo metade de seus integrantes; e Art.50 sobre a Convenção e a escolha dos votantes). Ou seja, Lupi escolheu os delegados antes da própria convocação da Convenção Nacional e sem suas regras estarem estipuladas, sequer uma reunião específica foi realizada para este fim. Absurdos como estes se repetiram Brasil afora. Além das comissões provisórias, em mais de 15 estados, nomeadas pela caneta.
A atual direção do PDT demonstra cada dia mais seu lado neoliberal. Hoje o PDT apoia a família Sarney, Amazonino Mendes, Arthur Virgílio, Alckmin e Aécio Neves. Entregou o partido para Sérgio Cabral e Eduardo Paes, sendo conivente com essa política de extermínio dos jovens negros e pobres, da privatização da saúde do povo e da educação dos jovens e crianças, contrário a tudo que meu avô Leonel Brizola preconizou e construiu no Rio de Janeiro.
Na época de Brizola era a força do povo, hoje nos dias de Lupi é à força do cargo com eleições internas apócrifas e a bico de pena venal. Em troca de cargos transformaram o Partido Democrático Trabalhista em um balcão de negócios. O fisiologismo e a burocracia implementada pela atual direção partidária desfigurou-o completamente.
Lutamos por eleições diretas e uma rotatividade na direção partidária para renovação dos quadros e emergência de jovens líderes. O PDT corre o risco de se tornar um partido de decrépitos ou um partido de jovens desinformados, sem livros, sem filmes, sem debates, sem palestras, tudo decidido entre quatro paredes, tudo mantido em segredo, tudo conchavado pela cúpula. Como poderá um jovem hoje se interessar por um partido que não mostra para os trabalhadores sua razão de existir. Afinal, o PDT atualmente existe para quê? Sejamos sinceros: um jovem como Leonel Brizola entraria no PDT hoje?
DL: Teria uma oposição dentro do PDT contra Carlos Lupi? E se teria como ela está em termos de força, articulação, etc?
LBN: Tenho tido muitas desavenças com a atual direção do partido, porém, lamentavelmente não há um grupo denso e orgânico que possa ganhar politicamente dessa atual direção. Isso não deixa de ser lamentável porque revela o descenso da democracia interna do partido.
DL: Você pretende sair do PDT? Algum partido poderia está nos seus planos?
LBN: Aprendi com meu avô, Leonel Brizola, que filho teu não foge a luta e perpetuarei o seu ideário com coerência e coragem.
DL: Qual é sua posição em relação ao governo Dilma, nas questões que a esquerda vem criticando: privatizações de nosso patrimônio e concessões à iniciativa privada, desindustrialização de nossa economia, a não estatização e desnacionalização de setores estratégicos de nosso modelo produtivo?
LBN: Se eu afirmar que Lula está certo em tudo, então seria dizer que Brizola estava errado. Isso é o enterro das bandeiras trabalhistas. A característica do brizolismo é a coerência com nossa trajetória histórica e antiimperialista. Brizola não se importava só com votos, propósitos meramente eleitoreiros, pensava o futuro das próximas gerações, de uma nação concatenada com os países da América Latina, a Pátria Grande que tanto falava Darcy Ribeiro.
DL: O que seu avô, Brizola, acharia do governo Dilma e desses 10 anos de PT no governo?
LBN: Esta pergunta é difícil de respondê-la, pois meu avô não está vivo, contudo o Brizola não viu com bons olhos o alinhamento do Banco Central do Meireles com o quadro das finanças internacionais. O que nos leva a pensar que um suposto governo de Leonel Brizola não seria tolerante com o domínio avassalador das multinacionais no Brasil.
[Avô Leonel Brizola – a referência política]
DL: Copa do Mundo, Olimpíadas, megaeventos no Rio de Janeiro e pelo Brasil. Como o senhor está vendo o processo?
LBN: Não somos contra o esporte, mas achar que a Copa do Mundo, Olimpíadas irão trazer desenvolvimento para o Rio de Janeiro é uma estupidez, pois esses megaeventos esportivos funcionam como um pacote, uma espécie de caixa preta, sendo que nem as peças são fabricadas aqui mesmo. Apenas está se gastando um montão de dinheiro para construir estádios. Seria preferível um Rio que eduque as crianças, como queria Darcy Ribeiro, do que um Rio cidade dos grandes eventos, cujos benefícios não são para o povo carioca, nem para o povo brasileiro.
Darcy Ribeiro foi quem construiu um CIEP (verdadeira escola de tempo integral) embaixo das arquibancadas do Sambródomo. Samba no carnaval e letra durante o ano todo, porque afinal, samba sem letra é coisa de otário, assim como futebol sem comida na barriga é loucura.
Os doze estádios de futebol terão CIEPs embaixo das arquibancadas? Ou depois da efêmera Copa teremos apenas elefantes brancos?
Na África do Sul fizeram cidades de lata para abrigar a população. O megaevento desaloja e remove a população das cidades. Será que o Rio-megaevento não vai arrebentar socialmente com a cidade removendo a população pobre em função do interesse imobiliário?
Não podemos construir um país à imagem e semelhança da FIFA. Para usar a famosa expressão de Leonel Brizola, a Copa re-atualiza as “perdas internacionais”.
A Copa do Mundo terá como efeito gerar lucros para poucos às custas dos despossuídos. Os capitalistas especuladores vão despossuir ainda mais os despossuídos.
Fato é que esses megaeventos são jogadas do capital financeiro oligopólico mundial, cuja conseqüência será social e ecologicamente desastrosa para as cidades brasileiras, que estão sendo anexadas pela arquitetura do automóvel, que é o senhor das cidades, enquanto o povo é o servo.
DL: Para o senhor quem foi Hugo Chávez? E o que será da Venezuela sem ele?
LBN: Hugo Chávez se destaca como um dos grandes líderes que lutou para a libertação da América Latina, porque pensou e agiu levando em conta a unidade do continente. Chávez sempre enfatizou se não houver a unidade latino-americana nenhum país irá dar certo e esse pensamento não difere da tradição trabalhista brasileira, pois desde a época de Getúlio [Vargas] e Perón [Argentina] já estava em pauta a necessidade de um MERCOSUL. O que fez Hugo Chávez com brilhantismo e coragem cívica foi ter atualizado o pensamento de Bolívar, Martí e Artigas. Eu não tenho informação e conhecimento do que poderá suceder depois da morte de Chávez na Venezuela, mas torço para que o presidente Nicolás Maduro leve adiante o importante legado socialista de Chávez, ainda que nós saibamos que não é fácil um grande líder ser substituído, vide o que aconteceu com a morte de Leonel Brizola e os rumos deploráveis do PDT. Na minha opinião Hugo Chávez foi o maior político dos últimos tempos porque colocou em cena o socialismo. O qual é absolutamente necessário para substituir o sistema de produção de mercadorias que está levando a degradação da natureza e o extermínio da humanidade.
DL: E Cuba, qual sua posição em relação às medidas de atualização do modelo econômico e social?
LBN: Cuba tem se mantido heroicamente como a primeira Revolução Socialista na América Latina apesar dos embargos feitos pelo imperialismo norte-americano. Lembro-me que Darcy Ribeiro dizia com insistência que ele foi um dos primeiros a aplaudir a Revolução Socialista Cubana. Outro brilhante intelectual ligado ao PDT, Bautista Vidal, insistia para que Cuba construísse o modelo de autocombustível em pequenas propriedades, plantando energia e comida na Terra, sobretudo agora com o ocaso do petróleo. Espero nos próximos meses ter uma visão mais aprofundada do que está ocorrendo em Cuba, porque recebi um convite para visitar este heróico país.
DL: Como o senhor classifica o projeto executado pelo governo federal? É nacional-desenvolvimentismo?
LBN: Meu avô, Leonel Brizola, nunca em sua longa vida foi um desenvolvimentista, se esta palavra for associada à política de Juscelino Kubitschek (JK). Que é o parâmetro através do qual os sucessivos desenvolvimentismos aparecem no cenário brasileiro, notadamente o neo-desenvolvimentismo que é o projeto petista requentado de JK, o qual consiste na suposição de que a expansão do polo moderno e multinacional da economia irá gradativamente eliminar o pauperismo dos setores arcaicos e oprimidos da sociedade brasileira. Meu avô não teve nada a ver com a modernização desenvolvimentista do subdesenvolvimento, e nesse aspecto ele como Darcy Ribeiro estão próximos do grande filósofo Álvaro Vieira Pinto, autor da notável frase: “mais desenvolvimento não elimina o subdesenvolvimento”. Isso significa que quanto mais aumenta o desenvolvimento mais aumenta a miséria, não obstante os dispositivos assistencialistas e filantrópicos do capitalismo, com os quais os últimos governos petistas estão enredados.
[Leonel Brizola Neto em comunidade no Rio de Janeiro]
DL: Teoricamente você defenderia um projeto socialdemocrata ou socialista para o Brasil?
LBN: Um projeto socialista sim, um projeto socialdemocrata não. Porque a socialdemocracia é um engodo que elimina a contradição entre socialismo e capitalismo.
DL: Qual sua relação com a esquerda socialista de matriz marxista?
LBN: Há um lugar comum (que é equivocado) na historiografia brasileira no qual aponta um abismo ou contradição entre o nacionalismo trabalhista antiimperialista e o marxismo. É preciso dizer, no entanto que o trabalhismo de Vargas, de Jango e de Leonel Brizola culminou na necessidade do socialismo como caminho para eliminar a miséria e os laços de subordinação aos centros hegemônicos do capitalismo. Essa tendência foi denominada expressivamente por “socialismo moreno”, segundo o marxista Darcy Ribeiro. É preciso acrescentar também que o meu avô sempre cercou-se e teve colaboradores marxistas, a exemplo de Edmundo Moniz, Paulo Schilling, Bayard Demaria Boiteux e Arnaldo Mourthé. A minha relação com esta esquerda se origina da própria tradição do pensamento trabalhista, incluindo marxistas e trotskistas da América Latina como Jorge Abelardo Ramos, Vivián Trías e Alberto Methol Ferré. É necessário dizer que depois da morte de Leonel Brizola o PDT distanciou-se do pensamento marxista, inclusive jogou no lixo o conceito de “perdas internacionais” elaborado por Brizola em seus diálogos com André Gunder Frank, autor do livro magistral “O desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Com a recusa deste conceito, que não é senão uma paráfrase do conceito leninista de imperialismo, formulado em 1916, o partido se transformou num instrumento da ideologia burguesa da modernização.
DL: Seu mandato de vereador está envolvido em quais projetos e ações no que desrespeito ao interesse do povo carioca e do povo brasileiro?
LBN: É claro que a incumbência de um vereador não tem condições de afrontar tantas questões, mas pode e deve ser um ponto de partida, sobretudo no Rio de Janeiro que é o espelho da questão nacional, hoje uma cidade que esta sendo submetida a uma ofensiva oligopólica financeira internacional, com a degradação ecológica, urbana, cultural conduzida por uma burguesia portuária, comercial e imobiliária de origem lacerdista. Além de combater essa dilaceração plutocrática cada vez mais crescente no Rio, meu principal objetivo é lutar por uma educação pública de qualidade, aos moldes do projeto educacional mais revolucionário que existiu no Brasil, o CIEP. Pois meu mandato encontra-se arvorado na doutrina trabalhista que une a luta pela soberania nacional e pela emancipação popular.
Vídeo que mostra um pouco dos CIEPs
Fotos e vídeo – arquivo pessoal do entrevistado.