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calaisFrança - Diário Liberdade - [Eduardo Vasco] Buscando solucionar a crise dos refugiados do acampamento de Calais, as autoridades francesas confirmaram na última semana a demolição parcial do local. A evacuação dos milhares de refugiados será feita de maneira progressiva e sem o uso da força, garantiram as autoridades.


Cabanas e abrigos na parte sul do acampamento de Calais. Foto: Denise Pinesso

Mas não é o que está acontecendo. No início da manhã desta segunda-feira (29), centenas de policiais chegaram ao acampamento junto com as equipes encarregadas de destruir as cabanas e abrigos. Voluntários foram proibidos de entrar no local e os policiais forçam os refugiados a deixarem suas tendas, utilizando inclusive bombas de gás lacrimogêneo. Um menor foi levado de seu abrigo por policiais.

Seguindo ordens do governo, a prefeitura de Pas-de-Calais irá remover cerca de mil moradores da parte sul do acampamento, segundo suas contas. Mas associações de ajuda aos refugiados denunciam que esse número é três vezes maior. O total de moradores em todo o acampamento é de 3.500 segundo a prefeitura, que pretende diminuir esse número para 2 mil. Mas as associações afirmam que são mais de 6.500 os refugiados em Calais.

A “Jungle”, ou Selva, como é conhecida a região, é o maior campo de refugiados da França, no norte do país, a 290 km de Paris e a menos de uma hora de Londres. A maior parte dos imigrantes de Calais (sírios, iraquianos, afegãos, etc) tem como objetivo a travessia para a Inglaterra, e não a permanência na França.

A desocupação da parte sul do acampamento vem recebendo severas críticas de entidades da sociedade civil, que argumentam que as autoridades não propuseram alternativas viáveis aos refugiados. Além disso, o governo não disponibilizou um número suficiente de abrigos para acolher toda a população que for removida.

Denise Pinesso é uma geógrafa brasileira que vive na França desde 2010. Desde outubro do ano passado trabalha como professora voluntária na escola Chemin des Dunes (Caminho das Dunas), voltada aos refugiados de Calais. Criou o blog O Caminho das Dunas para divulgar a situação dos refugiados do acampamento e explicou ao Diário Liberdade o que está ocorrendo por lá nas últimas semanas.

Quantas pessoas vivem no acampamento de Calais?

Os números são controversos. Enquanto o poder público, representado pela prefeitura de Calais, estima que aproximadamente 3700 pessoas vivam no campo - entre o acampamento improvisado, o CAP (Centro de Acolhimento Provisório, os contêineres) e o Centro Jules Ferry, onde vivem mulheres e crianças - as associações que atuam no terreno fizeram um recenseamento e encontraram um número quase três vezes superior. De acordo com a associação L'Auberge des Migrants, há 3500 refugiados na porção sul do campo, 1200 no CAP, 2000 na porção norte, totalizando aproximadamente 6700 refugiados. Cabe destacar que na porção sul do campo, cujo processo de evacuação começará em breve, há 400 crianças, dentre as quais aproximadamente 300 estão desacompanhadas de suas famílias.

Quais as condições de vida dos acampados?

As condições de vida no campo de Calais são subumanas. O terreno está situado numa área industrial que não deveria ser ocupada para moradia. Não há nenhuma infraestrutura. Todas as construções que podemos ver no campo foram feitas a partir de materiais doados por associações e voluntários de diversos países. Elas são feitas com madeira, plástico e outros materiais, buscando isolar as pessoas do frio. Também há uma associação que disponibiliza caravanas antigas para as famílias morarem. E há muitas pessoas que vivem em barracas de acampamento. Não há energia elétrica - recentemente alguns postes de iluminação foram instalados na principal rua que atravessa o campo - não há abastecimento de água, não há esgoto, nem asfaltamento. Depois de muita luta das associações, pontos de água foram instalados, lembrando que a água é fria. É comum ver pessoas circulando com galões cheios de água. Há banheiros químicos, mas não em número suficiente para atender à demanda. Existe uma coleta de lixo, mas ela também é insuficiente. Não é possível tomar banho no campo, nem lavar roupas. Por isso é comum vermos nas imagens roupas espalhadas pelo chão. Diante da impossibilidade de lavar as roupas, muitas pessoas as descartam porque conseguem roupas novas disponíveis através de doações. A exposição ao frio, ao vento, às chuvas e a ausência de condições mínimas de higiene expõem a população do campo, sobretudo as crianças, a doenças respiratórias, diarreias e doenças de pele, como a sarna. Sem contar nos inúmeros refugiados que se machucam durante as tentativas de atravessar o Canal da Mancha.

Galeria fotográfica (se não visualizar o quadro, click aqui)

Na última quinta-feira (25) foi confirmada a autorização para a retirada dos imigrantes e demolição da parte sul. Para onde vão esses refugiados? Há abrigos para todo o mundo?

Como já disse anteriormente, os dados veiculados pelo poder público e pelas associações são díspares. Enquanto os primeiros afirmam que aproximadamente 1000 refugiados serão desalojados, as associações dão um número três vezes maior. Temos um total de 3455 refugiados e um total de aproximadamente 1156 vagas em toda a França, em diversas modalidades, para acolher essas pessoas. Não importa qual seja o número, as possibilidades de hospedagem são deficitárias.

Quando começaram as concentrações de imigrantes em Calais?

As ocupações na região do litoral norte da França, mais próxima do Canal da Mancha, por onde é feita a travessia para a Inglaterra, começaram no final da década de 1990, mais precisamente no ano de 1999, quando refugiados vindos do Kosovo começaram a se instalar de forma regular. Nessa época, um hangar abandonado foi solicitado, e um primeiro centro para receber refugiados foi criado em Sangatte. No ano de 2002 teve início a política sistemática de destruição dos campos pelo Estado francês e de reagrupamento de refugiados desalojados em bosques, áreas industriais abandonadas e imóveis desocupados na cidade de Calais e nos arredores. A "Jungle" que conhecemos hoje é resultado de um processo que dura quase 20 anos.

De onde vêm esses refugiados?

Os refugiados de Calais têm as mais diversas origens. No início, no final dos anos 1990, eram em sua maioria kosovares. A partir de 2003, afegãos e sudaneses passaram a compor o grupo de refugiados presentes na região. Atualmente, estima-se que no campo de Calais cohabitem mais de 20 nacionalidades: além dos afegãos e sudaneses, etíopes, eritreus, paquistaneses, sírios, curdos (a maioria vinda do Iraque), iranianos, egípcios, nigerianos... no campo de Grande Synthe a maioria é de curdos de origem iraquiana.

Recentemente houve ataques de grupos de extrema-direita e também violência policial contra os refugiados. Há muita preocupação por novos atos como esses?

A violência praticada tanto pelas forças policiais quanto pela sociedade civil têm aumentado desde novembro do ano passado. Cenas deploráveis se produziram durante manifestações pacíficas (no final de novembro de 2015, famílias curdas fizeram uma manifestação pacífica, reprimida com gás lacrimogêneo. Até as crianças foram atingidas) e durante à noite, quando grupos de refugiados tentavam bloquear a estrada para entrar nos caminhões. Além disso, há muitos relatos de refugiados que são surpreendidos por grupos de pessoas mascaradas que os agridem de maneira covarde. Atualmente, há um centro de apoio jurídico instalado no campo, que recebe os relatos de violência e os encaminham para a justiça, que já condenou alguns agressores. Com o desmantelamento da parte sul do campo e com o provável deslocamento de refugiados para ocupações irregulares nas cidades, é possível que as agressões aumentem.

Você vive na França há quanto tempo? Tem aumentado a xenofobia depois dos ataques em Paris no ano passado e desse denisefluxo de imigração?

Eu vivo na França desde 2010, com idas e voltas ao Brasil. Minha experiência com relação à questão da xenofobia é "suave", pois nunca vivenciei ou presenciei nenhuma situação de racismo ou preconceito por conta de minha origem. Por outro lado, acredito que no contexto atual as tensões têm aumentado com a onda migratória e após os atentados de Paris em 2015. O que observo é uma mistura muito grande entre a xenofobia e os movimentos islâmofóbicos, há uma mistura entre as duas questões que não contribui em nada para apaziguar os ânimos. Além disso, a questão de uma possível permanência de um estado de urgência a longo prazo se apresenta como um problema. As liberdades individuais estão ameaçadas em nome de uma suposta "segurança" contra o outro, os "terroristas".

A brasileira Denise Pinesso dá aula para crianças refugiadas, na escola Caminho das Dunas, em Calais. Foto: Vincent Gire/Arquivo

Desde outubro você é voluntária na escola Caminho das Dunas. O que vai acontecer com ela e com toda a infraestrutura do local destinada à parte social?

A juíza que autorizou a evacuação da área sul do campo deliberou que todas as estruturas sociais - escola, igrejas, centros para mulheres e jovens, cozinhas e o centro de apoio jurídico - devem ser poupadas da destruição, assim como as moradias construídas e ainda ocupadas. Porém, a questão que nos colocamos atualmente é: Qual a função da manutenção de todos esses serviços, se as pessoas serão desalojadas e, mais uma vez, deslocadas? A escola, por exemplo... as crianças que frequentam nossa escola vivem nas proximidades dela. Isso nos permite um contato estreito com as famílias, nos permite de ir buscá-los para as atividades e levá-los de volta às suas tendas ao final da aula. Nossa experiência nos mostra que as crianças não se deslocam pelo campo, elas permanecem nas áreas próximas de onde vivem, por uma questão de segurança. De que serve uma escola no meio de um terreno abandonado? Estamos aguardando para ver como as coisas irão se desenrolar nas próximas semanas.

Quais os possíveis desdobramentos dessa crise em Calais?

Não é possível prever como as coisas irão se desdobrar. Mas, de acordo com a política adotada pelo governo francês nos últimos 20 anos, podemos afirmar que o desmantelamento progressivo do campo em Calais não solucionará o problema, apenas o transferirá de lugar. Os refugiados que se virem forçados a deixar o campo, e que desejam fazer a travessia para a Inglaterra, permanecerão na região em agrupamentos precários e formando novos campos, como vem acontecendo desde o fechamento do centro de Sangatte, em 2002. Atualmente, os belgas reforçaram suas fronteiras, fazendo um controle rigoroso para evitar a entrada de refugiados - o que indica os limites do acordo de Schengen no contexto atual. É preciso considerar também que os fluxos migratórios não diminuíram, pelo contrário. Isso significa que mais refugiados entrarão em território francês em 2016, para tentar alcançar a Inglaterra - cuja relação com a União Europeia se apresenta extremamente instável com a questão do Brexit. Será um ano bastante movimentado.

Obrigado pela entrevista e parabéns pelo trabalho.

Imagina... a gente faz o que pode pra ajudar. É pouco, mas cada um dá o que pode... e assim as coisas vão se ajeitando...


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