Foto: Roberto Stuckert Filho/PR. (CC BY-NC-SA 2.0)
O processo havia ficado no limbo durante semanas e foi detonado após os três deputados do PT (Partido dos Trabalhadores) terem votado pela continuidade do processo de cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara, quem é acusado de ter omitido contas bancárias que possui na Suíça. Nesta semana, Cunha foi acusado de ter recebido dinheiro do Banco BTG, do agora preso pela Operação Lava Jato André Esteves, para modificar projetos de lei.
Leia também:
Impeachment contra Dilma: Golpe Cunhaguaio
A crise política e a incapacidade de alternativas institucionais
Para o processo contra Dilma prosperar, serão necessários 342 votos favoráveis, do total de 513, na Câmara dos Deputados, o que implicaria na implosão da base eleitoral do governo. Mesmo aprovado, durante as semanas seguintes, o Congresso ficaria paralisado em sessões onde a presidente Dilma deveria se defender, antes de ser votado pelo Senado, onde o governo conta com maioria. O prazo total do processo é de 180 dias.
A fragilidade do processo de impeachment é evidente. Além do desgaste do próprio Cunha, algumas horas após o encaminhamento, o Congresso aprovou, por 360 votos a favor e 115 contrários, o aumento da meta do déficit fiscal. A meta fiscal de 2015 foi mudada de R$ 66,3 bilhões de superávit para R$ 119 bilhões de déficit, o que legaliza as “pedaladas fiscais” deste ano, e o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, além de estabelecer uma maioria em favor do governo. Esse resultado aconteceu apesar da prisão do senador Delcídio do Amaral, que estava coordenando essa operação como líder do governo. Os governadores e prefeitos também parecem tenderem a se agrupar em favor da “governabilidade” e aprovar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) no primeiro trimestre de 2016.
A própria imprensa golpista brasileira, apesar de ter comemorado a abertura do processo de impeachment, tem mostrado pouco entusiasmo sobre as condições dele vingar e ainda de que haverá condições favoráveis para retomá-lo antes das eleições nacionais de 2018.
Para onde vai o impeachment?
O processo de impeachment tende a ser derrotado.
A política da direita tende a continuar acuando o governo do PT, impondo novas concessões. A Lava Jato, promovido a partir da “República do Paraná”, deverá continuar representando um dos principais mecanismos neste sentido.
A saída do PT da chantagem de Eduardo Cunha foi uma espécie de “jogo de mestres”, que lhe permitiu, ao mesmo tempo, se livrar da pressão do “baixo clero” do Congresso, colocar a direita na defensiva, mesmo que temporariamente, e jogar uma cortina de fumaça sobre a capitulação perante a prisão truculenta do neotucano, senador do PT, Delcídio do Amaral. Se os membros da Comissão de Ética da Câmara tivessem votado contra a cassação de Cunha, aí sim o processo contra a presidente Dilma teria condições políticas de evoluir.
A aprovação do aumento do déficit fiscal por ampla maioria revelou a formação de um bloco majoritário em favor da “governabilidade”, que significa a aplicação possível do ajuste imposto pelo imperialismo.
As engrenagens golpistas continuam em movimento, pois o que está colocado, em primeiro lugar, é a aplicação do plano de ajuste para salvar os lucros dos monopólios. Neste momento, a Administração Obama tenta impor saídas a la Macri na América Latina, ao mesmo tempo que desescalou as tensões no Mar do Sul da China e na Ucrânia, e estabeleceu uma frente única no Oriente Médio com inimigos tradicionais, os russos, o Irã e os chineses principalmente. Está em jogo o papel da direita tradicional e da direita truculenta nas próximas eleições presidenciais que acontecerão nos Estados Unidos no próximo ano. A política da direita truculenta pode ser avaliada a partir dos debates dos pré-candidatos republicanos, impulsionados, em boa medida, pela política da extrema-direita, o Tea Party.
Golpe de Estado no Brasil?
Neste momento, a direita, que atua alinhada com a Administração Obama, busca impor uma saída a la Macri no Brasil e na América Latina. Conforme vários figurões do regime têm declarado, como o próprio Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), é preciso “manter a calma” e aguardar o desenvolvimento da situação política. Em 2016, acontecerão as eleições municipais que poderão acuar ainda mais o governo do PT. De fato, o governo do PT se converteu numa espécie de rainha da Inglaterra num gabinete ministerial dominado pela direita, com elementos como o banqueiro Joaquim Levy e a representante dos latifundiários Katia Abreu, entre outros. É essa a situação ideal para o imperialismo? Evidentemente não. Mas é a situação possível tanto em relação à conjuntura brasileira como à conjuntura regional e internacional.
O papel de contenção do movimento sindical e social continua a ser cumprido pelo governo do PT, o que implica na necessidade óbvia de direcionar algumas migalhas para a burocracia desses movimentos e para os programas assistenciais. Essa é a situação neste momento.
Para o próximo período, está colocado um novo colapso capitalista de proporções ainda maiores que o de 2008. Apesar da propaganda demagógica da imprensa burguesa, a economia só tem piorado nos países centrais. Esta é a base do fortalecimento da extrema-direita em escala mundial, com fartos recursos dos monopólios, para ser usada em caso de necessidade.
A aplicação do ajuste é a política principal imposta pelos monopólios. O governo do PT, assim como o fazem os demais governos nacionalistas, aplica o ajuste em algum grau, pois não têm uma política alternativa ao neoliberalismo. O chavismo o faz numa escala menor na Venezuela: acabou de aprovar o orçamento de 2016, com 42% do total direcionado aos programas sociais apesar da crise econômica, mas longe dessa política significar o rompimento com o imperialismo, revela o grau de radicalização das massas. O aprofundamento da crise capitalista passa pelo aperto das amarras imperialistas e pela contenção da organização independente dos trabalhadores.
A única política possível para conter a crise capitalista é a luta contra o capitalismo. Para isso, é preciso enfrentar a capitulação dos governos nacionalistas ao imperialismo. E, no caso Brasil, é preciso denunciar que a aplicação do ajuste e a recorrente capitulação à direita tem se convertido numa das principais engrenagens que possibilita a ascensão da direita, como o demonstra, inclusive, a recente vitória de Maurício Macri na Argentina.
A luta contra a direita neoliberal, golpista ou não, passa pela luta contra o ajuste, sem a qual os trabalhadores não podem lutar contra o desenvolvimento golpista. Colocar que o golpe de Estado é iminente, como cortina de fumaça para camuflar o ajuste, tem como principal objetivo impulsionar a política de conciliação de classes, de colocar-se a reboque do governo da frente popular.
Alejandro Acosta é cientista social, colaborador do Diário Liberdade e escreve para seu blog pessoal.